Após a publicação do decreto que determina mudanças no registro de armas, 38.513 equipamentos foram recadastrados, até o momento, junto à Polícia Federal no país, conforme dados da instituição. No Rio Grande do Sul, o segundo Estado que mais submeteu armamentos ao processo até agora, foram 5.146 em 10 dias.
O decreto que prevê a mudança foi sido assinado pelo governo federal em 1º de janeiro, logo após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O texto estabelece que todas as armas de fogo registradas no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), do Exército, devem ser recadastradas e inseridas no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), mantido pela PF, ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Proprietários de armas têm 60 dias para regularizar a situação, contados a partir de 1º de fevereiro.
A alteração vale para todas as armas que tenham sido adquiridas ou recebidas por transferência a partir de 7 de maio de 2019. Isso inclui o grupo de CACs (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador), que fica inscrito no Sigma.
Assim, o proprietário da arma, seja de calibre permitido ou restrito, deve preencher um formulário digital disponível na página da Polícia Federal, neste link.
No caso de arma de calibre restrito, o proprietário também deve apresentá-la em alguma das delegacias da Polícia Federal. Essa etapa presencial precisa ser agendada no momento do preenchimento do formulário online. É preciso levar documento de identificação pessoal, protocolo de agendamento, certificado de registro da arma no Sigma e guia de tráfego emitida pelo Exército Brasileiro. Neste link, é possível ver os endereços da PF no RS.
Os 5.146 equipamentos recadastrados no Rio Grande do Sul até o dia 10 deste mês deixam o Estado atrás apenas de São Paulo, com 8.138 armas submetidas ao procedimento. Na sequência, vêm Goiás (3.863), Paraná (3.691), Minas Gerais (3.354), Santa Catarina (2.898) e Rio de Janeiro (2.105). Os números abrangem calibres permitidos e restritos.
Levantamento divulgado nesta segunda-feira (13) pelos institutos Sou da Paz e Igarapé, com dados da PF e do Exército obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), indica que o Brasil encerrou 2022 com 2,9 milhões de armas na mão de civis — incluindo equipamentos registrados para defesa pessoal, armas particulares de militares e de CACs. Em 2018, antes das flexibilizações para aquisição e comercialização de armas feitas pelo governo de Jair Bolsonaro, esse volume era de 1,3 milhão.
Defendendo uma política mais rígida para o uso de armas pela população, além das mudanças em relação ao registro, Lula diminuiu o total de equipamentos e munições permitidos para CACs no país e proibiu que as armas estejam municiadas durante deslocamento até clubes de tiro.
"Não é um direito, é um privilégio"
Especialistas ouvidos por GZH divergem sobre a medida que determina o recadastramento de armas no país. Para Felippe Angeli, gerente de Relações Institucionais do Instituto Sou da Paz, organização que defende maior restrição, a mudança foi escolha responsável e acertada:
No governo Bolsonaro, vimos a política de acesso a armas de fogo ser ampliada, receber diversas flexibilizações, tudo por decreto, que não é o caminho que a lei prevê. Agora, estamos retomando a pauta de forma mais responsável.
FELIPPE ANGELI
Gerente de Relações Institucionais do Instituto Sou da Paz
— É preciso ressaltar que ter uma arma de fogo não é um direito, é um privilégio que o Estado concede desde que sejam seguidas algumas condições. É o mesmo com a carteira de motorista, por exemplo. Se o Estado identifica que esse privilégio pode gerar algum risco, ele pode modificar regras, fazer ajustes. No governo Bolsonaro, vimos a política de acesso a armas de fogo ser ampliada, receber diversas flexibilizações, tudo por decreto, que não é o caminho que a lei prevê. Agora, estamos retomando a pauta de forma mais responsável.
O gerente do instituto também afirma que, após as flexibilizações, pessoas ligadas ao crime organizado têm se utilizado de laranjas para adquirir armamento legalmente e utilizá-lo em ações criminosas. Assim, o recadastramento também servirá para verificar se essas armas compradas nos últimos anos permanecem sob a posse dos proprietários, defende Angeli, ressaltando que o sistema de gerenciamento de armas do Exército é repleto de falhas.
De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo, publicada em julho de 2022, o Exército admitiu não ter como fornecer detalhes sobre o armamento nas mãos de atiradores e caçadores — isso porque falta padronização nos campos do Sigma. Além disso, há erros no preenchimento das informações, que levaram à inclusão de equipamentos não permitidos aos CACs, como canhões. As falhas foram admitidas pelo Exército em resposta a um pedido via LAI feito pelo Sou da Paz.
Outro problema no Sigma, segundo o instituto, é que não é possível saber para quais cidades e Estados os armamentos são liberados, já que o sistema divide o país em Regiões Militares (que agrupa alguns Estados em uma mesma região, por exemplo).
— O que o Exército nos oferece de informações a partir da LAI é absolutamente deplorável. Já vi, muitas vezes, respostas e números absolutamente diferentes para as mesmas perguntas. Há dados que questionamos desde 2019 e até agora, anos depois, a resposta é sempre a mesma, de que eles não têm determinadas informações. São informações importantes para a área de segurança pública, para a construção de políticas, em um sistema muito precário — critica Angeli.
GZH entrou em contato com o Exército para contraponto, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
"Desnecessário e perigoso"
Há quem considere a medida um retrabalho e uma exposição perigosa. Proprietário da Magaldi Escola e Clube de Tiro, em Porto Alegre, Dempsey Magaldi lista problemas que a alteração pode acarretar.
Não vejo sentido em toda essa mobilização, especialmente em fazer as pessoas passarem por esse risco do deslocamento. É desnecessário e perigoso. Coloca em risco o proprietário da arma e a sociedade como um todo.
DEMPSEY MAGALDI
Proprietário da Magaldi Escola e Clube de Tiro, em Porto Alegre
Um deles, avalia o empresário, é o risco para os civis que precisarão transportar armamentos maiores, como fuzis, até delegacias da Polícia Federal. Segundo Magaldi, além de um possível acidente no caminho, também há chance de roubo:
— Não vejo sentido em toda essa mobilização, especialmente em fazer as pessoas passarem por esse risco do deslocamento. É desnecessário e perigoso. Coloca em risco o proprietário da arma e a sociedade como um todo. Tem pessoas que moram em regiões afastadas, no Interior, e terão de rodar com essa arma até alguma sede da PF. E se vazar a informação de quando eles farão esse trajeto? Na minha visão, há alternativas melhores, como pedir que a pessoa leve a arma até um clube de tiro, onde há alarme, salas-cofre, toda uma estrutura para que isso seja feito de forma mais segura e adequada. O proprietário poderia deixar a arma ali e a Polícia Federal agenda uma data para a vistoria, por exemplo.
Magaldi afirma ainda que não haveria necessidade de refazer o cadastro, já que o Exército possui as informações sobre os armamentos.
Outro problema apontado pelo empresário é o período para fazer o procedimento — segundo ele, 60 dias não serão suficientes para que todos os proprietários de arma consigam regularizar a situação. De acordo com Magaldi, muitas pessoas têm relatado instabilidade no sistema da PF para preencher o cadastro.
Magaldi afirma que, desde o dia 1º, quando começou o processo, passou a oferecer o serviço de recadastramento de armas a clientes do clube de tiro que mantém na Capital. Em 48 horas, recebeu 300 solicitações.
— Na última quinta-feita (9), o sistema ficou quase o dia todo fora do ar. Só conseguimos fazer o cadastro de dois clientes. Além disso, é preciso ter todo um cuidado ao preencher o formulário. Em caso de erro, não tem como corrigir, e pode levar à apreensão da arma. Outro ponto é que há problemas no sistema: algumas profissões não estão ali, como funcionário público e empresário.