A morte misteriosa de um montador de móveis em Vera Cruz, no Vale do Rio Pardo, levou a polícia a descobrir um plano que teria sido arquitetado pela esposa da vítima. No início de novembro, Maicon Natan Gonçalves Marques, 32 anos, saiu de casa para atender a um cliente e nunca mais voltou. O corpo dele foi encontrado numa estrada na área rural do município, com ferimentos causados por arma de fogo. A apuração resultou no indiciamento de cinco pessoas pelo crime.
Maicon residia com a mãe, em Santa Cruz do Sul, e aos fins de semana seguia para Candelária, onde mantinha relacionamento com Tamara Cristina da Silva, 26 — agora acusada de ter planejado o assassinato. Apegado aos avós, no dia 8 de novembro, passou na casa deles em Vera Cruz, antes de sair para atender a um chamado. Maicon divulgava o serviço de montagem de móveis nas redes sociais. Era esse tipo de atendimento que pretendia fazer naquele entardecer, após receber uma ligação telefônica. Mas, depois disso, não retornou mais para a residência dos familiares.
Na manhã seguinte, o dono de uma propriedade nas proximidades do trevo de acesso à Linha Ferraz se deparou com o corpo de Maicon caído em uma estrada. O montador tinha diversas lesões na cabeça e havia sido atingido por pelo menos oito disparos. A motocicleta dele, uma Honda CBX 200 Strada, não estava no local, o que fez a polícia suspeitar que os autores do crime poderiam ter levado o veículo. A primeira tentativa da polícia foi localizar imagens de câmeras de segurança que pudessem ter flagrado parte do trajeto. A polícia tentou identificar nas possíveis rotas de fuga alguma câmera, mas nada foi encontrado.
A polícia apurou a informação de que uma motocicleta semelhante estava na área rural de Vera Cruz, numa propriedade. Na localidade de Linha Tapera encontraram a moto da vítima, embora sem a placa e com chassi raspado. O homem que estava com a motocicleta admitiu ter comprado de outra pessoa.
— Começamos a seguir essa cadeia, de por quem essa motocicleta havia passado — explica a delegada Lisandra de Castro de Carvalho.
Uma das pessoas ouvidas confirmou que havia intermediado a venda e relatou que a moto seria do montador assassinado, que teria sido atraído para uma emboscada que simulava um serviço de montagem. A polícia chegou até um dos suspeitos de ter cometido o crime e o homem negou, mas a própria companheira dele confirmou que na data da morte de Maicon ele chegou em casa com a motocicleta e com algumas ferramentas.
— Como a vítima era um montador de móveis, carregava ferramentas numa mochila. Ele subtraiu essas ferramentas — diz a delegada.
A partir deste homem, a polícia chegou em um segundo, que era proprietário de um veículo com as mesmas características do que foi visto às margens da estrada no momento em que o montador se aproximava em sua moto. A polícia acredita que os criminosos forjaram uma pane no veículo e permaneceram aguardando a vítima, numa emboscada. Depois disso, ele teria sido executado a tiros. Quando ouvidos, os dois confessaram envolvimento no crime, mas imputaram um ao outro os disparos. A polícia não descarta que além deles pudesse haver mais pessoas na cena do crime.
Esposa investigada
Quando foi ouvida pela primeira vez, Tamara alegou que não sabia de nada e que o companheiro pouco permanecia em casa. No entanto, ao longo da investigação, a polícia passou a encontrar indícios de que ela podia estar envolvida no crime, o que a própria acabou por confirmar.
— Ela acabou confessando que realmente planejou. Disse que tinham conflitos conjugais, e que teria sido agredida por ele no passado. Questionamos o fato de as agressões que ela alegava terem acontecido em janeiro e o crime só em novembro. Ela alegou que descobriu novas traições dele e que isso teria despertado sentimento de revolta nela — diz Lisandra.
Depois disso, a polícia pediu a prisão preventiva tanto de Tamara, quanto dos dois suspeitos de terem participado da execução. Os dois, de 26 e 31 anos, foram presos durante operação da polícia, mas Tamara inicialmente foi considerada foragida. Na semana passada, ela se apresentou à polícia e deu novo depoimento.
Desta vez, alegou que o crime havia sido planejado pelo padrasto dela, Carlos Rech, 48 anos, e que ele a havia obrigado a confessar o assassinato do marido. Naquele momento, a polícia já havia inclusive indiciado Rech por suspeita de envolvimento no crime. O veículo que teria sido usado na emboscada, um Santana, foi apreendido na propriedade dele na área rural de Candelária. Durante a investigação, a polícia localizou conversas dele com um dos executores.
— Esses diálogos trouxeram fortes suspeitas de envolvimento do padrasto com o plano criminoso — afirma a delegada.
A polícia foi até a casa de Rech, para tentar ouvi-lo sobre as conversas. No entanto, no momento em que os policiais chegaram, ele rompeu a tornozeleira eletrônica que usava e, desde então, está foragido. Já Tamara foi presa e encaminhada ao Presídio Feminino de Rio Pardo.
— Acreditamos que ele e a Tamara planejaram juntos esse crime — diz Lisandra.
Um dos supostos executores teria dívidas com Rech. A polícia acredita que essa teria sido uma das formas de pagar pelo crime. Cinco pessoas foram indiciadas por suspeita de envolvimento no crime. Tamara, Rech e os dois apontados como executores foram indiciados por homicídio triplamente qualificado, por uso de emboscada e recurso que dificultou a defesa da vítima, por meio cruel e pelo pagamento ou promessa de recompensa. O homem de 28 anos com quem foi apreendida a motocicleta foi indiciado por receptação. Embora o inquérito já tenha sido concluído, a polícia ainda pretende encaminhar outras provas ao Judiciário posteriormente.
"Sempre foi um ótimo pai", diz mãe da vítima
Natural de São Luiz Gonzaga, nas Missões, Maicon se mudou para Vera Cruz com a família ainda criança. Costumava se dividir entre a casa dos pais e dos avós. O montador se tornou pai de dois meninos, um atualmente com 10 anos e outro de dois anos — o segundo é fruto do relacionamento com Tamara. Havia pelo menos seis anos que o casal vivia junto. Nesse período, chegaram a morar na Praia dos Ingleses, em Santa Catarina, mas durante a pandemia do coronavírus regressaram para o Vale do Rio Pardo.
— Estamos destruídos. Sinto muita falta dele. Nunca esperamos por isso. É o tipo de coisa que só se vê em novela, filme. Nunca imaginamos que a pessoa que tínhamos na família, que eu tinha como filha, poderia fazer isso. Meu filho sempre foi um ótimo pai, fazia tudo por eles. Não sabemos por que ela fez isso. Já trocou de versão três vezes. A família está com muito medo dessa maldade que ela praticou. Não sabemos de onde tirou tanta maldade, frieza. Ela estava ali junto da gente, com a família, abraçando — diz a mãe, a confeiteira Sizane do Amaral Gonçalves, 49 anos.
O sonho de Maicon, segundo a mãe, era conseguir comprar uma casa própria para viver com a família. Ele também planejava voltar a morar na praia, mas Tamara era contrária à ideia. O montador costumava passar a semana com a mãe, mas aos fins de semana aproveitava para ter momentos de lazer, como churrascos e passeios, com a família em Candelária.
— Era um pai presente. Ele era muito família. Toda vez me ligava e dizia que me amava. "Tchau, mãe, te amo". É muito triste isso, sabe. A vida do meu filho custar R$ 1 mil — diz a mãe sobre uma das versões apresentadas por um dos investigados de que Tamara teria pago essa quantia para que o crime fosse executado.
Sizane, que está com a guarda do neto de dois anos, diz que o filho mais velho de Maicon também tem sofrido muito com a perda do pai.
— Está sendo muito difícil. Nós éramos muito família. Nos reuníamos nessas datas de fim de ano, aniversários. O filho dele chora muito, sabe. Era bem apegado. Posta muita foto dele, é muito triste, sabe — lamenta.
Contrapontos
O que diz a defesa de Tamara Cristina da Silva
O advogado Jorge Luiz Pohlmann informou que passou a representar Tamara no caso ao longo das investigações e que orientou que ela se apresentasse à polícia. Sobre o caso, a defesa sustenta a inocência da cliente.
— Estamos aguardando as diligências finais que a autoridade policial de Vera Cruz está realizando no que se refere à prisão de um elemento que está sob segredo de justiça, para que através da sua prisão venha a se esclarecer a verdade dos fatos. Temos consciência de que existe uma terceira pessoa (além dos executores), que tem muitos fatos a serem esclarecidos, que vão demonstrar a ausência de participação dela no homicídio ocorrido. No presente momento, a defesa está aguardando o final das diligências policiais, no que se refere ao cumprimento de mandado de prisão e de esclarecimento de gravações de telefones celulares apreendidos com várias pessoas — afirma.
O que diz a defesa de Carlos Rech
GZH não conseguiu contato com a defesa do investigado, que até esta segunda-feira (12) seguia foragido.