Funcionando quase como uma startup dentro da Brigada Militar, o Laboratório de Inovação e Pesquisa da corporação, inaugurado neste mês, chega com desafios: encontrar soluções para demandas da segurança pública e promover uma mudança de cultura em uma instituição de quase 200 anos. Aliando criatividade e conhecimento sobre novas tecnologias e ciência de dados, a equipe pretende criar soluções, para melhor atender a população, junto da iniciativa privada e universidades.
Para isso, o espaço foi inaugurado dentro do Parque Científico e Tecnológico da PUC-RS (Tecnopuc), em Porto Alegre, que abriga cerca de 240 organizações, entre empresas e entidades. Neste ecossistema, que atua de forma colaborativa e busca estimular a criação de negócios inovadores, ficam os integrantes do laboratório. A equipe, multidisciplinar e escolhida de forma estratégica, é composta pelos soldados Anderson Sorrilha (que atua na área de desenvolvimento de software), Maurício Pagliarini (responsável pelo jurídico) e Renan Teixeira (a frente do marketing e design). A coordenação técnica é feita pelo tenente-coronel Roberto Donato, que é doutorando em Inovação pela Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O grupo está ligado ao Departamento de Informática da BM.
Uma das soluções desenvolvidas e testadas pela equipe, juntamente com pesquisadores da Brigada Militar e UFRGS, já trouxe resultados para mulheres vítimas de violência doméstica, conta Donato. Segundo o coronel, a equipe identificou que o sistema de visitas às mulheres que têm medida protetiva ativa poderia ser otimizada. Esse trabalho é feito pela patrulha Maria da Penha, no objetivo de verificar se o agressor está respeitando o distanciamento. Durante a visitação, os policiais precisavam se deslocar até cada residência, preencher a mão uma ficha com as informações fornecidas pela vítima e depois remeter ao Judiciário.
No 9º batalhão, que atua na área central de Porto Alegre, a equipe levava cerca de 25 dias para completar o atendimento a 42 mulheres.
— Tinha uma pilha de papéis, cada um era uma medida protetiva. A equipe pegava alguns e partia para as visitas, mas se entendia que era um sistema muito aleatório. Nós criamos um algoritmo. Mapeamos as mulheres por grau de risco, verificamos como chegam as medidas, quem as recebe, criamos um roteiro para otimizar o percurso da equipe. A guarnição já recebe pronto esse roteiro de onde ir e o que fazer. Havia também um excesso de documentação física, que foi para um sistema digitalizado. Agora o questionário é feito pelo celular, que produz automaticamente as certidões ao Judiciário.
O resultado foi que o mesmo trabalho, que antes levava quase um mês, agora é executado em menos de três dias, afirma Donato. Assim, a guarnição fica liberada para atender outras demandas, reforçando o efetivo. No total, em Porto Alegre, são 1.231 medidas protetivas ativas, e o próximo passo é levar essa roteirização a outros batalhões.
— Também pretendemos utilizar esse mecanismo em outras atividades, como para fazer o policiamento junto a comércios ou em áreas rurais. A ideia é sempre trabalhar com banco de dados, que vai nos dar as respostas que precisamos e agilizar o trabalho. No combate ao crime de homicídio, por exemplo, uma alternativa é mapear os locais e horários em que eles ocorrem e ampliar as guarnições nestes pontos e turnos de forma preditiva — explica Donato.
Para a equipe do laboratório, todos os problemas são vistos como possibilidade. Desde a burocracia encontrada em processos internos da BM quanto os enfrentados pela população que aciona a corporação. O objetivo agora é mapear o que precisa ser solucionado e buscar alternativas.
Outro projeto em desenvolvimento pela equipe, junto a pesquisadores da área de ciência de dados da UFRGS, é o estudo que pretende identificar para onde são levados veículos roubados na Capital. O levantamento vai mapear o destino deles com base no modelo.
— Se eu sei que carros de determinada marca são normalmente levados para São Leopoldo, posso fazer uma barreira para tentar interceptar esse veículo durante a fuga, antes de chegar ao destino final. Se veículos maiores são levados ao Paraguai, é possível acionar a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e outros órgãos da Brigada Militar para acompanhar e interceptar tais veículos, inclusive pelos diversos pontos de monitoramento e cercamento eletrônico controlados pelas forças de segurança.
Ambiente propício
Desde janeiro de 2021, o grupo já ocupava uma sala no prédio 5 da PUC-RS. O foco era o mesmo, mas o contato da equipe com a empresa privada e entidades ficava mais restrito. A proposta de criar o laboratório dentro do parque tecnológico partiu da BM, e foi aceita pela direção da universidade, que cedeu uma sala dentro do local de forma gratuita.
O ambiente é ideal para o desenvolvimento dos projetos, avalia Donato:
— Aqui, nós conseguimos ter esse contato próximo com startups, entidades, comunidade acadêmica. Por exemplo, se uma empresa tem interesse em desenvolver um aplicativo para área da segurança pública ou acredita que um produto pode ser útil para a BM, sentamos e conversamos. Nosso grupo já orienta sobre a questão da confidencialidade de dados, sobre as tecnologias que são compatíveis com os sistemas da brigada. Já alinhamos o trabalho. Aqui, somos procurados, estabelecemos esse contato, criamos juntos. É um networking que funciona muito bem.
Além disso, o grupo também vem organizando capacitações a policiais militares sobre diferentes temas, e participa de palestras de outras instituições do Tecnopuc. Fóruns e rodas de conversa também fazem parte do dia a dia do grupo do laboratório.
A partir desse ambiente, a equipe chama os responsáveis pelos setores da BM para entender as dificuldades enfrentadas internamente e pensar como podem ser resolvidas.
— A pessoa que comanda o setor precisa estar sentada nessa mesa junto com a gente. É ela que vai nos mostrar suas dificuldades, os desafios das equipes, os gargalos. Nós somos os facilitadores e vamos atrás das soluções.
Para o superintendente de Inovação e Desenvolvimento do Tecnopuc, Jorge Luis Nicolas Audy, a criação do espaço é novidade no país.
— É o primeiro laboratório de segurança pública dentro de um parque de inovação no Estado, possivelmente no país. É algo que vai propiciar que a Brigada Militar e todas as tecnologias que vemos aqui se desenvolvam. Abre um leque enorme de perspectivas. Para nós, é um privilégio muito grande — analisa Audy.
Mudança de cultura
Com a criação do laboratório, a instituição fundada em 1837 pretende promover uma mudança de cultura: a BM quer que, não só a sociedade, mas seu próprio efetivo passe a se perceber como instituição atualizada.
— Não existe futuro sem inovação, e a BM entende isso. Já na formação dos policiais temos falado muito sobre inovação, novas formas de ver o mundo, como atender de forma mais ampla a população. A ideia é transformar a Brigada Militar em uma instituição que pense de forma inovadora — projeta Donato.