Para invadir contas bancárias de vítimas de estelionato e depois mascarar o destino desses valores grupo suspeito de ser especializado no golpe do 0800 teria usado nomes de moradores de rua, com transações milionárias em suas contas, e acessado informações sigilosas. Essas descobertas foram feitas pela Polícia Civil do RS durante a investigação que resultou na Operação Linha Cruzada, desencadeada nesta quarta-feira (30) no Estado de São Paulo, onde nove pessoas foram presas. O grupo investigado é suspeito de ter movimentado R$ 4 milhões.
Segundo a delegada Luciane Bertoletti, os golpistas montavam falsas centrais telefônicas, se passavam por atendentes de bancos e desviavam valores da conta de clientes. Inicialmente foram detectadas pelo menos 70 ocorrências, mas ao longo dos últimos meses esse número cresceu e chegou a 300 na área da 2ª Delegacia de Polícia Regional Metropolitana (DPRM).
— A complexidade do golpe é marcante e dificultava muito a possibilidade da vítima suspeitar da ação criminosa — afirma o chefe da 2ª Delegacia de Polícia Regional Metropolitana, delegado Mario Souza.
Ao investigar as contas de destino desse dinheiro, os agentes verificaram que houve uma série de movimentações milionárias entre algumas delas. Além disso, havia outro ponto em comum: os nomes que constavam nos cadastros dessas contas eram de moradores de rua da região de Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo. A Polícia Civil de Esteio descobriu que foram movimentados R$ 4 milhões, sendo R$ 1 milhão em cada uma das contas.
Havia ainda outro fato curioso, que indicava uma semelhança no cadastro.
— Todos eles (moradores de rua) no cadastro das contas tinham uma foto tirada dentro de um veículo — diz a delegada.
Essa imagem muito parecida levou a polícia a acreditar que alguém estava aliciando essas pessoas nas ruas, para que aceitassem tirar as fotos e ceder os documentos pessoais. Essas informações posteriormente seriam usadas na abertura de contas e emissão de cartões, que depois passaram a ser utilizados pelo grupo para movimentar o dinheiro obtido com as trapaças. O uso de moradores de rua seria uma das estratégias que os criminosos empregavam para não terem seus nomes vinculados aos valores desviados das vítimas.
Durante a investigação, a polícia descobriu que todos eles tinham o mesmo endereço. Esse local foi um dos pontos onde os policiais cumpriram mandado de busca nesta quarta-feira. Além de não permitir o vínculo desses valores com os nomes dos golpistas, o objetivo do grupo seria dificultar o trabalho da polícia para apurar, por exemplo, crime de lavagem de dinheiro.
— Chama atenção o uso de moradores de rua que no sistema bancário são atualmente milionários, por terem valores elevados em contas no seu nome — explica Souza.
Informação privilegiada
Embora o perfil das vítimas atingidas pelo golpe varie, um fator em comum também chamou atenção durante a investigação. Nos casos apurados pela polícia de Esteio os alvos dos golpistas tinham sido pessoas com valores expressivos em conta e transações bancárias recentes.
— Uma das vítimas tinha recebido um valor há pouco tempo da venda de um apartamento e outro de uma herança. Não acreditamos em coincidências. Todos os indícios levam a crer que esses golpistas tinham acesso a essas informações de alguma forma. Tudo indica que de algum modo eles obtêm informações privilegiadas — diz a delegada.
A forma como esses criminosos acessaram essas informações ainda precisa ser esclarecida pela investigação, que segue em andamento. Durante as interceptações telefônicas, a polícia flagrou alguns dos suspeitos afirmando que teriam acesso a funcionários dos bancos para conseguir utilizar cadastros de contas inativas para emitir cartões.
"Eu tô com o gerente, ele dá a senha dele. Todos os inativos, sabe, os que não têm reclamação. Aí o gerente não quer desbloquear para no futuro não ter problema. Ele só quer deixar trocar o endereço", diz um dos investigados enquanto estava sendo interceptado.
Ao trocar o endereço, os criminosos conseguiriam ter acesso aos cartões bancários, em nomes de outras pessoas e utilizar o dinheiro obtido com os golpes. Nesta fase da operação nenhum funcionário de instituição bancária foi alvo.
Apreensões
Durante os mandados cumpridos nesta quarta-feira, a polícia apreendeu um veículo de alto padrão, uma moto aquática e dezenas de cartões bancários. Um dos alvos tinha pelo menos 11 cartões de diferentes bancos no mesmo nome. Tudo será analisado e, se possível, periciado para ser usado como provas. A polícia também solicitou o bloqueio das contas dos investigados, com intuito de resgatar algum valor.
— Nesse tipo de golpe, sempre tentamos bloquear os valores para que a vítima possa ter ao final algum ressarcimento. Existe uma grande associação criminosa, que movimentou milhões de reais e ludibriou milhares de pessoas — explica a delegada.
Os nomes dos presos não foram divulgados porque a investigação continua.
Como funciona o golpe
- A vítima recebe um SMS informando que há uma transferência da sua conta ou compra no cartão de crédito e, caso deseje contestar, deve entrar em contato pelo número de 0800 indicado na mensagem.
- Em alguns casos, o contato é feito diretamente pelo golpista, que já afirma ser funcionária da área de segurança do banco. Usa várias abordagens para enganar o cliente: informa que a conta foi invadida, clonada, que há movimentações suspeitas, entre outras artimanhas.
- As vítimas acreditam que, de fato, estão falando com sua instituição financeira em razão do número de 0800 e da simulação. Na falsa central, a vítima ouve um atendimento eletrônico e, em seguida, o falso atendente cita o nome do banco.
- O criminoso solicita então que a vítima verifique a conta bancária e pede que ela em seguida instale alguns programas no celular e baixe um aplicativo, para manter a segurança da sua conta. Um desses aplicativos permite o acesso remoto, por meio do qual golpista passa a ter controle do celular da vítima.
- Após, ele afirma que fará a proteção do telefone e passa a utilizar o aplicativo bancário para fazer transferências para outras contas. Quando a vítima se dá conta, o dinheiro já foi pulverizado para outras contas.
Fique atento
- Se receber esse tipo de contato por ligação ou SMS, desconfie na hora.
- Os bancos não realizam esse tipo de contato, solicitando aos clientes para baixarem aplicativos.
- Desligue o telefone, se for uma chamada, e entre em contato com o banco por meio dos canais oficiais e de um outro telefone.
- Caso seja vítima, entre em contato com seu banco imediatamente e registre o fato na Polícia Civil. É possível fazer isso diretamente em uma delegacia ou pela Delegacia Online
Fonte: Polícia Civil e Febraban