Novos casos envolvendo uma moradora de Porto Alegre, suspeita de estelionato na venda de passagens aéreas, foram registrados nesta semana. Pais de duas crianças e um adolescente que participariam de um campeonato nos Emirados Árabes neste fim de semana procuraram a Polícia Civil do Rio de Janeiro na última segunda-feira (7). Eles relatam que não receberam os bilhetes adquiridos por cerca de R$ 26 mil e que, por isso, os atletas terão adiado o sonho de participar da disputa mundial de jiu-jitsu. Boa parte do dinheiro havia sido adquirido com rifas, vaquinhas online e até venda de doces.
De segunda a sábado, Thiago Quirino Gomes, 11 anos, conhecido como TJ, morador de uma comunidade na zona oeste do Rio de Janeiro, cumpre a mesma rotina: passa pelo menos quatro horas treinando. Durante a semana, Thiago Teixeira Gomes, 39, busca o filho na escola no fim da manhã, com a marmita dele já dentro do carro. O menino almoça no trajeto de 20 quilômetros até a academia de jiu-jitsu.
Foi assim que o atleta conseguiu conquistar, em poucos anos, campeonatos estaduais, brasileiros e sul-americanos. A meta do garoto era ir mais longe: participar de um campeonato mundial em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. Apesar das limitações financeiras, a família se engajou para conseguir concretizar o sonho de TJ. Ao longo de meses, realizaram rifas e abriram uma vaquinha online para conseguir reunir o valor das passagens.
O pai, que faz corridas como motorista de aplicativo, passou a vender trufas durante o trabalho para incrementar o valor. Também aproveitava para divulgar a vaquinha online entre os clientes. Mesmo depois de tudo isso, nesta semana TJ viu outras crianças embarcarem para Dubai, mas ele ficou. A família do garoto é uma das que afirma terem sido vítimas de golpe na compra de passagens aéreas. O caso foi registrado na 30ª Delegacia de Polícia do Rio de Janeiro. A suspeita é a moradora de Porto Alegre, que já vem sendo investigada por crimes do mesmo tipo.
A família de TJ afirma ter pagado R$ 10 mil por dois bilhetes, um para o menino e outro para o pai. A viagem deveria partir do Rio de Janeiro direto para Dubai, de onde seguiriam até Abu Dhabi. No entanto, há cerca de duas semanas não conseguiram mais contato com a vendedora. Foi quando decidiram buscar a companhia aérea e souberam que as passagens não tinham sido adquiridas.
— É uma coisa devastadora. Sou pobre, não tenho condições, o que faço para meu filho é de coração. Essa mulher simplesmente arrancou o sonho do meu filho de disputar esse campeonato. Ontem (segunda-feira), ele vendo os amigos dele embarcando, meu filho ficou chorando. Essa mulher roubou o sonho do meu garoto. Desde sábado, ele não se alimenta direito, já perdeu quatro quilos — desabafa o pai.
Desde os quatro anos, TJ participa e ganha campeonatos no Rio de Janeiro, mas a expectativa dele e da família é de que nos Emirados Árabes ele pudesse ter novas oportunidades. Assim como o menino, outros dois colegas, de 15 e nove anos, que treinam no mesmo local tinham a mesma expectativa. Todos deveriam ter embarcado no último dia 7, com retorno previsto para o dia 18 de novembro.
"É a esperança de muitas crianças"
O professor de jiu-jitsu e proprietário da academia, Renato Lima, 40 anos, foi quem recebeu a recomendação para buscar o serviço da vendedora, que compraria as passagens com uso de milhas. Pagou no total R$ 10,8 mil por dois bilhetes, um para ele e outro para a filha, de nove anos, que também participaria da competição mundial. O campeonato ocorre neste fim de semana, mas a intenção era chegar aos Emirados alguns dias antes para que os atletas pudessem se adaptar ao fuso e à alimentação.
— Está todo mundo destruído. Os pais, todos desolados. Gastaram um dinheiro que não era para ter gasto. Eu, como professor, como quem recebeu a indicação dela, estou muito triste. Minha filha, Yasmin, estava muito na expectativa de ir. Até ontem, olhava a mala arrumada no quarto. Não desconfiamos de nada, confiamos nela — lamenta o professor.
O campeonato que eles participariam é visto pelos atletas como uma chance de conseguir uma nova oportunidade e um patrocinador.
— As crianças ficam loucas com o campeonato. Pela estrutura, a possibilidade de ter uma divulgação maravilhosa. Pode assinar um contrato, por exemplo. É a esperança de muitas crianças. Aqui a gente ama o futebol, lá amam a luta — afirma o professor.
Na última segunda-feira (7), os pais dos alunos procuraram a Polícia Civil. Além do dinheiro com as passagens, eles relatam que tiveram outros gastos, como a hospedagem e transporte dos filhos nos Emirados, que já estavam contratados, num total aproximado de R$ 40 mil. A Polícia Civil do Rio de Janeiro confirmou que o caso foi registrado como estelionato e que as investigações estão em andamento para esclarecer os fatos.
GZH não divulga o nome da investigada por esses crimes porque ela ainda não foi ouvida pela polícia do Rio de Janeiro para apresentar versão dos fatos.
Indiciamento por estelionato
No fim de agosto, GZH mostrou, em reportagem, que moradores dos Emirados Árabes afirmavam ter sido lesados pela mesma mulher. A maioria das vítimas é formada por brasileiros que residem no Exterior e tentavam visitar familiares. Como o valor das passagens costuma ser alto, acabaram chegando na vendedora após indicações de amigos ou conhecidos, que já haviam adquirido bilhetes com preços mais acessíveis. No entanto, parte deles alega que não recebeu passagem nenhuma.
Ao longo dos últimos meses, a equipe da 17ª Delegacia de Polícia ouviu esses moradores que relataram ter sido enganados ao comprarem passagens aéreas. Em alguns casos, as vítimas disseram não ter recebido os bilhetes e em outros alegaram ter tido transtornos e prejuízos, mesmo conseguindo fazer o embarque.
Em 13 de outubro, o inquérito deste caso foi remetido à 5ª Vara Criminal, com indiciamento por estelionato.
— A documentação e o prejuízo (das vítimas) foram constatados no procedimento que foi remetido, com o indiciamento — afirma o delegado Thiago Bennemann.
O Ministério Público informou que remeteu o inquérito de volta para a Polícia Civil, solicitando que a investigada seja ouvida. Depois disso, o caso retorna ao MP, para que decida se há elementos para denúncia.