Quando viu anúncios nas redes sociais do humorista Dilson Alves da Silva Neto, o Nego Di, Júlio Cézar Silveira, 36 anos, morador de Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, pensou que faria bom investimento ao utilizar os R$ 30,5 mil recebidos da venda de um veículo para adquirir produtos da loja online e revender. Atualmente, é um dos consumidores da Tá di Zuera que aguardam ressarcimento e acreditam terem sido vítimas de golpe. Os casos seguem sob investigação da Polícia Civil, por suspeita de estelionato. A defesa do ex-BBB sustenta que ele também foi enganado e que indenizou voluntariamente parte dos clientes.
Quando vendeu o automóvel antigo, um Focus 2011, o gerente administrativo pretendia adquirir um mais novo. Foi nesse mesmo período que viu os anúncios pelo Instagram do humorista. Como os preços dos produtos estavam bem abaixo do mercado, pensou que poderia comprar e revender. Foram realizados sete pedidos, num total de 23 aparelhos de ar-condicionado, além de uma televisão e dois smartphones, estes últimos para uso pessoal.
— Vi nesses produtos a oportunidade de não precisar financiar ou até mesmo de pegar um carro melhor. Fiz a aquisição dos produtos confiando na imagem do Nego Di e estou aí até hoje. Ele me bloqueou nas redes sociais, no Instagram, porque eu comentava direto, sempre cobrando uma atitude, uma conversa, que pelo menos tivesse consideração — reclama o consumidor.
Assim como outros clientes, ele registrou boletim de ocorrência, por acreditar ter sido vítima de estelionato. Também ingressou com ação na Justiça e, até hoje, aguarda o ressarcimento dos valores. No dia a dia, sente os impactos do prejuízo financeiro e segue enfrentando transtornos, pois não conta mais com o veículo para trabalhar.
— Estou sem veículo, a pé, desde então. Tenho gasto mensal com aplicativos de transporte, e isso impacta diretamente na minha capacidade de ir e vir. Tudo que eu for fazer, que demande viagem por exemplo, preciso me programar financeiramente antes para alugar um veículo — explica.
No Litoral Norte, a auxiliar administrativo Gabriela Silva Dutra, 38 anos, também aguarda até hoje pelo ressarcimento da compra de um aparelho de ar-condicionado, por R$ 999, adquirido em março na loja online.
— Meu esposo seguia há muito tempo o Nego Di e achávamos que, por ele ser uma pessoa pública, que era confiável, não seria golpe. Nos vídeos, ele confirmava que a loja era dele, que podia confiar. Nunca imaginamos que era golpe — recorda.
Somente em julho, após atraso na entrega, e quando outros consumidores passaram a se manifestar, é que o casal percebeu que não receberia mais o produto. Foi então que o humorista publicou vídeos relatando que, na verdade, tinha sido contratado para fazer publicidade para loja e acreditava também ter sido enganado.
Após as reclamações que começaram a se multiplicar e protestos organizados pelos clientes, o ex-BBB prometeu indenizá-los, mesmo relatando não ter recebido nenhum valor pelas vendas. Afirmou que faria isso em razão da confiança que havia sido depositada nele pelos consumidores. Nego Di informou que havia vendido o próprio carro e que realizaria eventos para angariar valores. Depois disso, passou a divulgar comprovantes de pagamentos feitos às vítimas e orientações para que solicitassem o reembolso.
Gabriela conta que nesse período pensou que receberia o valor de volta, mas isso não aconteceu. A auxiliar passou a fazer parte de grupos de pessoas que afirmavam terem sido lesadas. Somente a Polícia Civil recebeu pelo menos 373 registros de ocorrências no Estado — há relatos de compras em outros locais do país. Atualmente, ela também diz ter sido bloqueada nas redes do humorista.
— Meu sentimento é de muita decepção, por confiar nele. E quero justiça por esse golpe. Esse valor está fazendo muita falta — afirma.
Outros relatos
Nos últimos meses, a cuidadora de idosos Maristela Oliveira, 51 anos, tem trabalhado de segunda a segunda. O objetivo é reunir dinheiro para conseguir quitar uma dívida que não é dela. A moradora de Nova Bréscia, no Vale do Taquari, foi responsável por intermediar a compra de dois aparelhos de ar-condicionado e uma televisão da Tá di Zuera. Pensando em ter um pouco mais de conforto em casa, ela havia adquirido um aparelho de ar-condicionado por R$ 799 da mesma loja. Como acreditou na compra, incentivou os patrões do marido a fazerem o mesmo. No entanto, nenhum deles recebeu os equipamentos. Agora, Maristela se sente na obrigação de ao menos devolver o valor que os outros investiram.
— Desconfio até das sombras agora. Tenho medo de comprar algo pela internet. Tudo parece ser golpe — descreve.
Nos últimos meses, a cuidadora tentou ter o dinheiro de volta, seguiu os passos recomendados para tentar o ressarcimento, mas continua na espera. Acabou decidindo ingressar com ação na Justiça para tentar reaver o valor.
— Entrei com processo, mas até agora não obtive retorno — reclama a consumidora.
Da mesma forma, o porteiro Tailson Antunes, 32 anos, de Viamão, na Região Metropolitana, que era seguidor de Nego Di nas redes, espera até hoje para ter de volta o valor investido por ele e pela mãe. Juntos, compraram três aparelhos de ar-condicionado, dois de 18 mil btus, por R$ 999 cada, e um de 9 mil btus, por R$ 599. Enquanto aguardava para receber os produtos, ainda comprou duas televisões, uma por R$ 2.190 e outra por R$ 2.490. Somente a mãe, que é doméstica, perdeu mais de R$ 3 mil.
— Até hoje a gente pensa: "Se tivesse aquele dinheiro, poderíamos fazer tal coisa". O sentimento é de que a justiça é muito mais frágil do que a gente imagina e o crime de estelionato compensa e muito — lamenta o porteiro, que também ingressou com processo e compareceu a duas audiências até o momento.
Investigação
O caso continua sob investigação da Polícia Civil, sendo a maior parte dos inquéritos concentrada na 1ª Delegacia de Polícia de Canoas. Dentro dessa investigação, o humorista prestou depoimento, no qual alegou ter sido vítima de estelionato praticado por outro empresário, que, segundo a versão dele, seria o verdadeiro proprietário da loja.
O ex-BBB alega ter sido contratado para fazer propaganda para a loja. A polícia passou a ouvir as vítimas e colher provas do crime de estelionato, além de investigar possíveis crimes tributários. A investigação segue em andamento.
Defesa diz que humorista foi vítima e pagou R$ 130 mil a consumidores
GZH entrou em contato com o advogado Hernani Fortini, que é responsável por representar o humorista no processo, e ele enviou manifestação sobre o caso, na qual afirma que o cliente foi utilizado como instrumento para um possível estelionato, aplicado pelo empresário citado por Nego Di como o verdadeiro proprietário da loja.
Na manifestação, o advogado afirma ainda que o cliente não recebeu nenhum valor da venda dos produtos e não tem ligação nenhuma de gerência e administração da mesma. Por esse motivo, segundo o advogado, Dilson segue sem saber quantas pessoas foram lesadas com as vendas e eventuais estornos da loja.
"De qualquer forma, mesmo sendo vítima e por empatia, realizou mais de R$ 130.000,00 em indenizações voluntárias no intuito de ajudar as pessoas lesadas. Todavia, por impossibilidade financeira, bem como pela enxurrada de ações judiciais (+ de 200) buscando a sua condenação em danos materiais e morais, como se sócio fosse, fez-se necessário a suspensão da iniciativa voluntária", segue a manifestação.
O advogado afirma ainda na manifestação que o cliente continua à disposição da polícia, para eventuais esclarecimentos e "espera que a justiça criminal seja célere e encontre os verdadeiros responsáveis, possibilitando a restituição dos valores dispendidos pelos consumidores na aquisição de produtos ofertados pela Loja".