A Polícia Civil realizou uma operação na terça-feira (11) contra uma facção criminosa — com base na zona leste de Porto Alegre — que comprou postos de combustíveis em todo o Estado para lavar dinheiro. O grupo, que movimentou R$ 18 milhões em 24 meses acompanhados pela investigação, teria adquirido pelo menos 12 estabelecimentos. As lojas funcionam sob as marcas de duas redes, que não são alvo da investigação. Uma delas, que fornece produtos para oito dos postos, diz desconhecer a irregularidade e aguarda a conclusão da apuração para tomar providências. A polícia diz não haver indício de participação das companhias.
A maioria dos postos com suspeita de uso para lavagem de dinheiro fica na Região Metropolitana. Dez deles estão abertos e seguem administrados pelos investigados, já que não houve decisão judicial sobre fechamento. Dois estão fechados, mas continuam ativos em juntas comerciais dos municípios onde estão localizados. Oito dos 10 que estão abertos são da mesma rede, um é de um grupo diferente, e outro funciona sem bandeira de fornecedor.
O titular da Delegacia de Repressão à Lavagem de Dinheiro do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), delegado Marcus Viafore, destaca que houve a representação, por medida cautelar, de nomeação de administradores judiciais para as oito empresas alvos de operação na terça. Porém, houve indeferimento por parte do Poder Judiciário. GZH solicitou posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado sobre a decisão, mas não teve retorno até esta publicação.
— Até o momento, não há elementos de participação delitiva de empregados das distribuidoras. Em tudo que apuramos até agora, as redes que abastecem os postos suspeitos não têm qualquer tipo de participação. Contudo, as boas práticas negociais mostram ser necessário que as empresas adotem programas de conformidade (compliance) a fim de prevenir, entre vários outros problemas, que seu negócio seja instrumento de lavagem de dinheiro ou de outro crime — explica o delegado.
Viafore diz que vai avaliar, no decorrer da investigação, se é preciso ouvir representantes das distribuidoras.
O que dizem as empresas
A polícia não informa os nomes das empresas envolvidas, mas GZH apurou que a rede RodOil distribui combustível para oito dos postos investigados, todos na Região Metropolitana.
Em nota, a RodOil informou que sempre realiza inspeção e controle rigoroso de qualidade, garantindo a procedência do combustível (leia a íntegra da manifestação abaixo). A rede ressalta que não cabe a ela fiscalizar preços e que aguarda o resultado das investigações para tomar medidas cabíveis na Justiça. Sobre os postos seguirem abertos e recebendo combustíveis, a distribuidora ressalta que os locais têm documentação em dia e estão legalizados perante as prefeituras das cidades onde funcionam.
GZH tentou, em mais de uma oportunidade desde a manhã desta sexta-feira (14), contatar por telefone e por e-mail a rede MaxSul, que distribui combustível para um dos postos investigados, mas não teve retorno. A reportagem também contatou o posto que funciona sem bandeira, no bairro Sarandi, mas não havia representantes da direção disponíveis para manifestação. GZH aguarda retorno.
O esquema
Os postos investigados teriam sido adquiridos com dinheiro obtido do tráfico de drogas e de armas, roubos e extorsões. De acordo com o titular da Delegacia de Repressão à Lavagem de Dinheiro do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), delegado Marcus Viafore, documentos, conversas por telefone, trocas de mensagens e demais materiais apreendidos há três dias — após o cumprimento de 86 mandados de busca, nove de prisão e 41 de bloqueio de contas bancárias — estão sendo analisados.
A polícia não divulgou nomes, apenas informou como ocorreria a lavagem de dinheiro. Viafore diz que era feita a chamada "mescla". Recursos lícitos — como o lucro com a operação dos postos de combustíveis — eram misturados com os recursos ilícitos — como repasses mensais de movimentações do crime via Pix ou em dinheiro vivo — e o montante final era apresentado como resultado do faturamento operacional da empresa, às vezes registrada em nome do próprio criminoso, mas em geral de propriedade de terceiros, laranjas da organização.
Em alguns casos, frentistas, que trabalhavam nos postos, eram registrados como proprietários das empresas. O nome de um suspeito morto também foi usado em uma operação fraudulenta de venda de um dos estabelecimentos a um laranja. De acordo com a polícia, o grupo usava familiares de presos para a aquisição de postos e para transferências de dinheiro. Além disso, a facção teria comprado lojas de conveniência e de celulares, 29 carros de luxo, inclusive das marcas Ferrari e Porsche, uma lancha de R$ 2 milhões e 14 imóveis, sendo um deles um duplex na Capital no valor de R$ 1,6 milhão.
Na quinta-feira (13), mais quatro estabelecimentos passaram a compor a lista dos utilizados pela facção, após análise de documentos e materiais apreendidos. No entanto, para estes ainda não foi solicitada a medida cautelar.
Viafore não divulga nomes, mas revela que os locais investigados ficam nas seguintes cidades: Porto Alegre, Eldorado do Sul, Campo Bom, Sapucaia do Sul, Canoas, Alvorada e em Frederico Westphalen, no Norte.
Nota da RodOil na íntegra:
"A RodOil, quinta maior distribuidora de combustíveis do país em número de postos, vem por meio desta reiterar que desconhecia tais práticas cometidas por este grupo.
Todo o fornecimento em questão foi feito seguindo a legislação e em nenhum momento foram apresentados documentos irregulares ou fraudulentos, o que nos fez acreditar que estávamos negociando com empresas íntegras. No papel de distribuidora de combustíveis, a RodOil somente fornecia combustível. Não cabendo a ela legalmente a gestão de preço do produto repassado ao consumidor final.
O papel de fiscalizar os preços cobrados pelos postos e garantir que não haja nenhuma irregularidade na cobrança é da ANP - Agência Nacional do Petróleo. Estes postos estão regulamentados por órgãos municipais, estaduais e federais, como a ANP. Além disso, é importante salientar que para onde fornecemos sempre realizamos inspeção e controle rigoroso de qualidade, assim garantindo a procedência e qualidade do combustível.
A RodOil está no aguardo de mais informações sobre o processo para tomar as medidas judiciais cabíveis. A RodOil é uma empresa idônea e não compactua com práticas ilegais. Está há mais de 15 anos no mercado. Atenciosamente".