Esquemas de fraudes e desvios de recursos em condomínios residenciais no Rio Grande do Sul estão na mira de investigações da Polícia Civil e de auditorias independentes. As apurações detectam suspeitas de superfaturamento, uso do cargo de síndico em benefício próprio e até estelionato
Na maioria das investigações, os desvios atingem residenciais mais humildes, alguns dos quais construídos pelo antigo programa Minha Casa Minha Vida. Duas das principais investigações ocorrem na serra gaúcha.
No dia 12 de setembro, os moradores do Residencial Alvorada II, em Farroupilha, acordaram com o som de policiais entrando nos prédios para cumprir buscas e prender o síndico Alexandre da Costa.
Ele teria contratado empresas dele próprio e da esposa para prestar serviços de portaria, jardinagem e limpeza no condomínio.
— Depois que ele assumiu a gestão do condomínio, imediatamente, ele criou uma empresa de zeladoria, de limpeza, enfim, da parte administrativa do condomínio, e colocou em nome da própria esposa. Porém, na prática, era ele quem administrava — diz o delegado de Farroupilha Éderson Bilhan
O valor do contrato, conforme a polícia, seria 50% maior do que o praticado pelo fornecedor anterior. Durante as buscas, o delegado descobriu ainda que o síndico usaria a sala da portaria do residencial como sede da firma de segurança. Até a central de monitoramento de clientes dele, de outras cidades, teria sido montada no local.
Também investigado por suspeitas de ameaçar moradores, Costa teria organizado um sistema clandestino de abastecimento de água, depois que a Corsan cortou o fornecimento por falta de pagamento. Moradores dizem que quem não pagava, tinha o hidrômetro retirado.
— Daí, como eu não tinha dinheiro para pagar, tive que sair de casa e ficar na minha sogra — diz uma moradora que preferiu não se identificar.
Situações semelhantes são apuradas no condomínio vizinho, o Alvorada I, onde moradores descontentes denunciaram um suposto esquema de procurações falsas que garantem a reeleição permanente do síndico. O síndico teria até forjado documentos em nome de morto, situação confirmada por uma auditoria contratada pelos condôminos, que tentam destituí-lo.
O objetivo é votar nele próprio e tomar as decisões, como contratação das próprias empresas para prestar serviços ao conjunto residencial. Em uma das assembleias, o síndico teria apresentado 157 procurações, praticamente metade do número de apartamentos.
A reportagem teve acesso à investigação, que mostra uma procuração apresentada pelo síndico em 31 de julho de 2017 para representar o morador. O problema é que esse condômino já estava morto havia quatro meses: a certidão de óbito e o registro no túmulo do cemitério de Farroupilha confirmam a morte no dia 12 de março daquele ano. Procurado pela reportagem, o síndico disse que denúncias não são fatos comprovados, e desligou o telefone.
Em Caxias do Sul, a Polícia Civil investiga desvios no condomínio Esplanada, também de caráter popular, e indiciou a ex-síndica Jacira Machado por estelionato. Ela é suspeita de vender apartamentos que nem sequer existiam. Para atrair as vítimas, alegava que os imóveis estavam prestes a ir a leilão, e teriam origem na quitação de dívidas por condôminos inadimplentes com as taxas de condomínio.
— Ela criou uma história de que havia apartamentos nesse condomínio onde ela era a síndica cujos proprietários estariam em débitos de taxas condominiais. E a partir daí, então, estavam sendo executados — explica o delegado Edinei Albarello.
Por valores abaixo do mercado, Jacira alegava que estaria disposta a negociar os imóveis, antes de serem leiloados.
— É leilão interno tá, é leilão do condomínio, não tem nada a ver com a Caixa tá. A gente tem um valor de 38 (mil reais), daí agora é 38 mil quitado — disse a então síndica em áudio enviado a uma vítima.
O inquérito policial diz que 50 pessoas teriam sido enganadas. Juntas, perderam R$ 1,5 milhão. A reportagem localizou um casal de vítimas que pensava ter comprado dois apartamentos. O dinheiro de entrada — R$ 20 mil para cada imóvel — foi depositado na conta do condomínio. Isso fez com as vítimas não desconfiassem do golpe.
— A gente não tinha desconfiado porque a toda a transferência de dinheiro, tudo era em nome do condomínio — explica o empresário Cássio Sandim
Conforme a polícia, depois de ir para a conta do condomínio, o dinheiro era transferido para a síndica e, posteriormente, sacado. Além do suposto golpe, a síndica também teria pago despesas pessoais e feito saques suspeitos. A reportagem teve acesso a um extrato bancário do condomínio que mostram retiradas de altas quantias e transferências para uma clínica de tratamentos estéticos.
Contrapontos
O que diz o síndico do condomínio Alvorada II Alexandre da Costa
Em entrevista admitiu que a empresa da família foi contratada para prestar serviços ao condomínio e que a contratação foi aprovada por assembleia. Ele negou as ameaças e disse que montou o sistema de água para os moradores não ficarem sem abastecimento. Afirmou que a qualidade da água estava certificada por exames de laboratório. Sobre a portaria do condomínio ser usada como sede da empresa de vigilância, alegou que servia apenas como "ponto de apoio".
O que diz Jacira de Lima Machado, ex-síndica do condomínio Esplanada
O advogado Fábio Fischer diz que a indiciada vem cooperando com a investigação, já tendo se apresentado à autoridade policial quando solicitado, assim como do Judiciário, se fazendo presente em todos os atos do processo. "No que diz respeito ao processo, a defesa aguarda ainda o oferecimento de denúncia por parte do Ministério Público a fim de que possa tomar ciência de todas as imputações formalizadas contra sua cliente", diz em nota.