No embalo do aumento nas vendas de armamento vivenciada no país desde o início do governo Jair Bolsonaro, que tem a questão como bandeira e flexibilizou regras para acesso aos itens, deputados de 23 Estados brasileiros protocolaram projetos de lei que visam reduzir ou acabar com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) aplicado ao comércio de armas de fogo. A ideia é tornar os materiais mais baratos ao consumidor. Um dos locais onde tramita proposta nesse sentido é o Rio Grande do Sul, onde a alíquota desse imposto sobre armas é de 25%.
Conforme o Instituto Sou da Paz, entidade desarmamentista que fez o levantamento, a maior parte das propostas de redução de impostos é feita por deputados estaduais oriundos das polícias, das Forças Armadas ou dos clubes de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs), que possuem licença para posse de arma emitida pelo Exército. Na maioria dos Estados, o ICMS sobre a venda de armas tem alíquota de 25%, equivalente à de algumas mercadorias não essenciais, como cigarros e bebidas alcoólicas. Mas em alguns locais, como a Bahia, a taxação de ICMS é de 38%, para desestimular a circulação de armamento.
O lobby de alguns grupos favoráveis ao direito de possuir os itens, como o ProArmas, é para equiparar o ICMS da venda de armas ao de produtos essenciais. De preferência, zerar a aplicação do imposto. Esse, por exemplo, é o teor do Projeto de Lei 435/2019, do deputado estadual gaúcho Luciano Zucco (PL). Ele preconiza isenção de ICMS para compra de armamento e munições pelos residentes em áreas rurais e, também, pelos Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs).
- Queremos facilitar que os produtores rurais possam proteger seu patrimônio e a segurança de sua família, em áreas que, muitas vezes, são distantes da proteção do poder público. E também os atiradores. A carga tributária sobre armas e munições pode chegar a 120%, extremamente prejudicial - justifica Zucco.
No Rio Grande do Sul já é isenta de ICMS a compra de armas por parte dos servidores de segurança pública.
A reportagem ouviu comerciantes de armamento. Caso aprovado, o projeto que tramita no Legislativo estadual poderia fazer com que uma pistola calibre 9 mm de última geração, por exemplo, tivesse o preço de venda reduzido de R$ 20 mil para R$ 15 mil. Modelos mais baratos, de R$ 10 mil para R$ 7,5 mil.
Conforme o Instituto Sou da Paz, dos 35 projetos de lei que tramitam em 23 estados, propondo redução ou fim de ICMS na aquisição de armas, 14 abrangem, além dos servidores da segurança, os CACs. Em quatro Estados os projetos já foram aprovados e viraram lei. Em Alagoas, a alíquota de ICMS sobre venda de armas baixou de 29% para 12%, conforme legislação sancionada em 2020. Em Rondônia, Roraima e Rio Grande do Norte, a alíquota de 25% foi zerada (não é aplicado mais o imposto).
As propostas surfam na onda de facilitação da venda de armas registrada durante o governo Bolsonaro. Nesses quase quatro anos, o número de registros de CACs quintuplicou no país (de 117 mil, em 2018, para os atuais 605 mil), conforme estatísticas compiladas pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Gerente de projetos do Sou da Paz, o advogado Bruno Langeani acredita que a redução de ICMS na venda de armas acarreta dois problemas. Um, tributário, é que o imposto não cobrado acaba resultando em menos dinheiro para investir em segurança pública. A outra consequência negativa seria a proliferação de armas que podem ir parar com o crime organizado.
- Já foram descobertos esquemas de compras de armas por pessoas sem antecedentes criminais, fingindo ser colecionadores, para abastecer facções - comenta Langeani.
Os defensores do direito de se armar argumentam o contrário. Lembram que as estatísticas de homicídio caíram no país nos últimos três anos, justo o momento de maiores vendas de armas. Garantem que o mercado legalizado de armamentos ajuda na segurança.
Gaúchos, os mais armados no ano passado
Fosse depender da vontade de muitos gaúchos, o projeto teria grandes chances de ser aprovado. Conforme o Anuário da Segurança Pública, o Rio Grande do Sul foi no ano passado o Estado com mais armas novas registradas (109 mil) no país, um crescimento de 27% em relação a 2020. Seguem-se, no ranking de populações mais armadas, os mineiros, catarinenses, paranaenses e paulistas. A estatística se refere a pessoas físicas particulares, não a empresas ou servidores públicos.
Acontece que muitos governos não encaram com bons olhos a perda de impostos. Talvez isso explique porque o projeto de zerar ICMS das armas não avança na Assembleia Legislativa, onde o governo tem maioria. A proposta do deputado Zucco tramita desde 2019 e ainda está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sem prazo definido para análise. Caso seja aprovada ali, deverá passar também pelas comissões de Segurança Pública e de Finanças, para só então ser levada a votação em plenário.
A reportagem procurou o deputado Elizandro Sabino (PTB), que deve ser o relator do projeto na CCJ, mas ele não deu retorno sobre o assunto. Tudo indica, pelos trâmites, que o projeto não será votado nesta legislatura e será então arquivado. Nada impede que a proposta seja reapresentada por outro deputado, futuramente.