Os moradores do Rio Grande do Sul compraram menos armas no primeiro semestre de 2022 do que no mesmo período de 2021. A queda é indicada por números obtidos junto à Polícia Federal do RS, que mostram a compra dos equipamentos por parte de parte física e registrada junto à PF em solo gaúcho.
Na comparação, foram 8.046 armas deferidas pela PF no RS entre janeiro e junho de 2021, contra 6.167 no mesmo período de 2022, o que representa baixa de 23% na aquisição dos itens.
Para a Polícia Federal do RS, a queda indica uma estabilização na compra do armamento: quem tinha interesse em adquiri-los, já o fez, e agora os números passam a se manter estáveis.
A pauta armamentista voltou com força aos holofotes em 2018, sendo uma das bandeiras da campanha presidencial de Jair Bolsonaro. Nos últimos anos, a gestão do presidente fez alterações e flexibilizou o acesso ao armamento. Uma das mudanças foi a ampliação do número de armas adquiridas tanto pelo cidadão comum, quanto pelos caçadores, colecionadores e atiradores (CACs).
O pesquisador em Segurança Pública e coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), Fabricio Rebelo, também avalia que a queda é natural, já que o Estado gaúcho está, historicamente, entre os que possuem maior número de armas no país.
— Acredito que o RS esteja alcançando um grau de estabilização na demanda por novos armamentos antes do que outros Estados. O Rio Grande do Sul e também Santa Catarina, por exemplo, sempre tiveram um número de registro de armas superior a demais regiões, já concentravam quantidade maior de registros. Então, quando tivemos o movimento atual de expansão pelas políticas de regulamentação, e mais ainda a publicidade que se deu ao tema, o RS não tinha uma demanda reprimida tão expressiva assim, diferente de em outros locais. Essa corrida armamentista, por assim dizer, não é tão significativa em locais que já eram mais armados — avalia Rebelo.
Essa corrida armamentista, por assim dizer, não é tão significativa em locais que já eram mais armados.
FABRICIO REBELO
Pesquisador em Segurança Pública
Segundo o pesquisador, alguns fatores ajudam a explicar o apreço por armas visto no RS:
— Existem pesquisas que mostram que o tipo de colonização, o apreço da cultura do campo, e também a necessidade de donos de propriedades rurais se defenderem em suas terras contribuem para essa tendência. É uma característica típica do Sul — diz Rebelo.
O pesquisador afirma ainda que a queda também pode ter relação com o aumento significativo do desemprego e a consequente baixa do poder aquisitivo, reflexos da pandemia de covid-19.
Na visão da diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé, Melina Risso, que acompanha a questão do controle de armas desde que o Estatuto do Desarmamento entrou em pauta, é preciso aguardar mais tempo para verificar se a queda se mantém ou se ocorreu de maneira pontual.
Historicamente, o RS possui um alto volume de compra desses equipamentos. Além de ser o principal Estado produtor de armas de fogo, existe um fator cultural envolvido.
MELINA RISSO
Diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé
— Não sabemos se é uma realidade pontual ou uma tendência. Quando analisamos o monitoramento, observamos que entre 2018 e 2021, a aquisição de armas novas por pessoas físicas na PF no Estado quase quadruplicou. Historicamente, o RS possui um alto volume de compra desses equipamentos. Além de ser o principal Estado produtor de armas de fogo, existe um fator cultural envolvido. Na década de 2000, o RS foi o único Estado a autorizar a caça esportiva, medida que foi suspensa em 2008.
Mulheres buscam treinamento
Proprietário da Magaldi Escola e Clube de Tiro, em Porto Alegre, Dempsey Magaldi afirma que o local não sentiu queda na procura por serviços neste ano. O local trabalha com comércio de armas e também oferece treinamento para uso dos equipamentos, além de estandes para a prática de tiro por esporte.
Por outro lado, Magaldi afirma que percebeu uma maior dificuldade, por parte do consumidor, para adquirir os equipamentos, em razão da retração econômica vista em todo o país. Para amenizar esse impacto, o local passou a adotar alternativas: tem flexibilizado parcelas e prazos para pagamento.
— O que a gente percebe é a questão econômica, de uma dificuldade no poder aquisitivo. As pessoas têm procurado produtos mais em conta. Então, em vez de uma arma mais sofisticada, escolhem um equipamento com menor custo, mais barato. Essa troca de um tipo de arma por outro ocorre, mas a compra segue acontecendo — afirma o proprietário do clube de tiro.
Magaldi afirma ainda que, desde o ano passado, observa uma mudança no público do local, com aumento de mulheres na procura por armamento e capacitação. No clube, que funciona desde 1978, a média histórica de participação feminina girava em 20%. Hoje, o número chega a 40%. Ele aponta o período de pandemia como um divisor para as alunas:
— A pandemia trouxe muitas mudanças. Teve gente que se mudou para a praia, para a Serra, para propriedades mais afastadas. Outras passaram a trabalhar em home office, mais isoladas. Para muitas mulheres, isso traz uma sensação de vulnerabilidade, de que estariam sozinhas diante de uma invasão, um assalto a propriedade, por exemplo. Então, elas têm buscado formas de se proteger em um momento de necessidade.
O empresário ressalta, no entanto, que comprar o equipamento não garante mais segurança. Segundo ele, é preciso saber como e quando agir e até quando não usar o equipamento:
— Temos essa preocupação em relação a conscientização. Mesmo estando armado, nem sempre o confronto é a melhor opção. Vários pontos devem ser observados: como e onde se posicionar, quais cuidados tomar para evitar acidentes. O problema não é a arma, mas o usuário sem treinamento. É como ter um carro na garagem para usar só em uma emergência: quando você precisar, não vai mais lembrar como usar.
"A gente, enquanto mulher, acaba sendo vista como alvo mais fácil"
O treinamento foi justamente a alternativa escolhida pela bancária Elisabete Franco Alles, 44 anos, que passou por ao menos três ataques criminosos desde 2000. No último caso, em 2017, teve carro, notebook, celular e demais itens pessoais levados em um assalto, à luz do dia, em Canoas, na Região Metropolitana.
Ela conta que, na ocasião, iria visitar uma amiga, que havia passado por cirurgia. Elisabete relata que estacionou em frente à residência e desceu do carro, e foi abordada por um homem ao atravessar a rua.
— A gente, enquanto mulher, acaba sendo vista como alvo mais fácil, por ter menos força física, fica mais visada. Teve também uma vez que assaltaram a agência onde eu trabalhava, levaram dinheiro, celulares de quem estava lá, agrediram uma funcionária.
A bancária conta que optou pelo curso que capacita para uso de pistola e revólver. Agora, segue praticando tiros no estande, para escolher qual arma irá adquirir.
— Procurei essa capacitação porque também queria me sentir mais segura em casa, por morar próximo de uma região de risco. Esse treinamento aperfeiçoou o que eu já sabia sobre técnicas de segurança. É muito positivo, percebo que estou ainda mais atenta, observando ainda mais as orientações para evitar passar por assaltos e ações do tipo.