Entorpecentes com valores mais elevados estão no topo da lista que demonstra aumento nas apreensões do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) no Rio Grande do Sul em 2022. Cocaína e produtos sintéticos, como ecstasy, LSD e MDMA, tiveram salto nas quantidades localizadas entre janeiro e julho deste ano. As ofensivas se deram na Grande Porto Alegre e no Interior.
Tanto do lado de quem vende quanto de quem compra, os policiais perceberam incremento no envolvimento de jovens de classe média, que contribuem para que esse mercado de entorpecentes mais caros inflacione. No período do distanciamento em razão do coronavírus, as investigações passaram a descobrir mais casos de novos criminosos com esse perfil, que eram usuários e migraram para a venda.
De janeiro a julho, foram apreendidos 493,807 quilos de cocaína pelo Denarc — aumento de 240% em relação ao mesmo período do ano passado. Essa quantidade representa prejuízo milionário às organizações criminosas. Facções pagam entre R$ 22 mil e R$ 25 mil pelo quilo da cocaína na Bolívia, ou seja, só esta soma equivale à perda de cerca de R$ 12 milhões. Mas é preciso considerar que a droga quando chega ao Brasil é misturada e fracionada. Cada quilo pode ser convertido em até cinco e revendido por R$ 30 e R$ 50 a grama. Na ponta, a cifra milionária é multiplicada quatro a cinco vezes.
— Ano a ano viemos aumentando as apreensões de drogas. Infelizmente, há um consumo desenfreado e a pandemia aumentou esse fluxo. Quem comprava uma a duas gramas de cocaína, começou a comprar cinco a seis — afirma o delegado Alencar Carraro, diretor de Investigações do Denarc.
Por telentrega
Nesse mesmo período, também houve aumento de apreensões das chamadas drogas sintéticas. Entorpecentes que tinham consumo mais limitado a festas ou eventos privados passaram a se espalhar usando estratégia que teve salto: a telentrega de drogas. Numa modalidade mais cômoda e menos perigosa, criminosos cooptam entregadores para levar o produto até o cliente.
Assim, o usuário se expõe menos e o criminoso consegue por vezes convencer quem compra a adquirir quantidades maiores, já que terá de arcar com o custo da entrega. Já foram descobertos esquemas organizados com uso de embalagens personalizadas idênticas às de delivery de comida para disfarçar os narcóticos.
As apreensões de ecstasy, por exemplo, tiveram salto de 214%, com mais de 15 mil comprimidos encontrados. Outro que teve acréscimo foi o MDMA, o princípio ativo do ecstasy utilizado puro. Neste ano foram encontrados quase três quilos da substância, enquanto no mesmo período de 2021 tinham sido 67 gramas. O LSD também teve incremento de 23%, com mais de 4 mil pontos apreendidos. São todas drogas de valores mais elevados em relação a outras, como maconha ou crack — este último, embora tenha tido aumento no ano, cada vez se torna menos expressivo, sendo por vezes substituído pelos criminosos por cocaínas mais "batizadas".
— A grande maioria dos casos que apreendemos é de jovens de classe média, brancos, boa situação familiar, com advogados contratados quando são presos, operando por telentrega. São eles que estão envolvidos no tráfico. Não são exceções, são a maioria. É todo um esquema bem elaborado — garante o delegado Carraro.
Além do maior fluxo, as ações policiais também são apontadas pela Civil como responsáveis pelo incremento no volume de drogas apreendidas. Entre elas, está o investimento em qualificação dos policiais e a soma de esforços com outros órgãos de segurança em troca de informações, que resultam em novas descobertas de drogas a armas em poderio dos criminosos.
Do outro lado, uma estratégia percebida recentemente tem sido a pulverização das remessas de drogas pelas quadrilhas, que na chegada ao Estado distribuem as cargas em veículos de menor porte. Na Grande Porto Alegre, as facções também evitam reunir volumes expressivos no mesmo ponto.
— Eles têm usado essa estratégia, não só os pequenos e médios distribuidores, mas também os grandes. Hoje não tem grandes apreensões de maconha, como a gente via num passado não tão distante, onde, não muito raro, carretas eram apreendidas. E a mesma coisa aqui, principalmente em relação à cocaína, eles têm distribuído. Há local para armazenar a droga pura, local para fazer a mistura, local para já armazenar a droga misturada, tudo separado. Essa é uma estratégia que eles têm utilizado para evitar prejuízos maiores — explica o delegado Carlos Wendt, diretor do Denarc.
Supermaconha
As apreensões de maconha cresceram 37% no mesmo período — em volume, a droga representa a maior quantidade de entorpecentes apreendidos, com mais duas toneladas e meia. A maconha que chega ao RS tem como origem o Paraguai, mas muitas vezes o transporte passa pela Argentina antes de chegar em solo gaúcho. É comum que os criminosos mudem de rota frequentemente, para tentar fugir das barreiras.
Entre essas apreensões, o Denarc percebeu aumento da chamada supermaconha ou camarão — embora não disponha de dados contabilizados. Essa droga, que chega a ser mais cara do que a cocaína, é produzida em estufas, com controle elevado. O resultado é um narcótico considerado de qualidade superior pelos usuários, que costuma ser consumido por quem possui maior poder aquisitivo. Além de algumas plantações descobertas no Estado, a maior parte dos carregamentos desse tipo de droga chega ao RS vinda do Uruguai.
— Esse jovem de boa condição social que decide comprar está alimentando isso. A facção aumenta o lucro, compra mais armas e drogas, duela com outras e, além de morrerem pessoas do crime, algumas vezes morrem inocentes. Quem está comprando droga, não há dúvida que tem a mão suja de sangue — diz o delegado Carraro.
Outras apreensões
Além das drogas, o departamento também teve acréscimo em outras apreensões, como armas, cartuchos, veículos (tanto em quantidade quanto em valores) e em somas retiradas dos grupos organizados. A maior parte dos armamentos retidos do tráfico são pistolas, muitas vezes de calibre 9 milímetros, mas há também fuzis e submetralhadoras. Outro crescimento percebido é o de localização de coletes à prova de balas, o que demonstra que as facções estão mais preparadas para eventuais enfrentamentos.
As prisões também tiveram acréscimo no período, de 180 para 256. Houve aumento em 2022 nos procedimentos encaminhados ao Judiciário, de 1 mil para 1,4 mil.
Como forma de atingir a organização criminosa com um todo, os policiais têm buscado focar em indiciamentos de lideranças do narcotráfico. Para isso, investe-se, por exemplo, em softwares que ajudam a fazer cruzamento de informações para identificar vínculos entre os criminosos. Em cada uma das cinco delegacias do Denarc, no mínimo dois operadores trabalham com análise de dados.
— Vejo como positivo que hoje temos policiais bem técnicos e altamente preparados. O crime organizado anda muito rápido. Investigar lideranças, por exemplo, é bem complexo. As investigações hoje precisam descobrir quem está movimentando dinheiro das facções, com lavagem de dinheiro. Isso demanda uma apuração aprofundada. Tudo o que temos feito é para chegar num resultado de combate às organizações criminosas e acredito que essa preocupação vem dando resultado — diz Carraro.