Nas duas últimas manhãs, as crianças que foram até a sede da ONG Coletivo Autônomo Morro da Cruz, no bairro São José, em Porto Alegre, tiveram a aula de informática substituída por um filme. Foi a forma criativa que a equipe encontrou de driblar um episódio ocorrido no local, que atende 55 alunos no contraturno da escola. Seis notebooks doados para o projeto há menos de um mês foram levados após o imóvel ser invadido nesta semana.
Vice-presidente da ONG, que atua há quase uma década no bairro da Zona Leste atendendo crianças e adolescentes de diferentes comunidades, Nira Pereira, 60 anos, chegou à sede do projeto Integração, na Rua Martins de Lima, na manhã de segunda-feira (6) antes dos alunos, e descobriu o furto. Para ingressar no prédio, uma casa alugada e adaptada para as atividades do coletivo, o criminoso usou uma janela dos fundos, que foi forçada até abrir.
Os seis notebooks estavam em uma sala na área da frente, onde as crianças permanecem nos turnos da manhã e da tarde. Ali, normalmente elas têm aulas de informática, inglês e outras atividades que buscam tanto o desenvolvimento como a valorização da comunidade onde vivem. Os equipamentos tinham sido doados por uma empresa em maio – parte deles foi para o projeto voltado para adolescentes, em outra sede da ONG, e outra disponibilizada para as crianças.
— A nossa sala de informática mesmo fica lá em cima no Morro da Cruz. Antes de ter esses computadores, as crianças saíam daqui e subiam todo o morro para ter aula de informática lá em cima — explica Nira.
Nascida na comunidade, Nira relata que esta foi a primeira vez que a ONG passou por esse tipo de situação. Mesmo com o contratempo, as atividades do Coletivo não pararam. Na manhã desta terça-feira (7), as crianças ocupavam a mesma sala de onde os notebooks foram levados. Cerca de 15 alunos assistiam com olhos atentos ao filme na televisão, único equipamento que restou no cômodo. Ao fundo, as mesas vazias.
— Acreditamos que essa pessoa que fez isso não conhece o nosso trabalho, que é mostrar para as crianças um mundo melhor. Acolhemos, ensinamos o que é o amor, tanto que elas nem sabem direito o que aconteceu. Não vamos fechar nossas portas porque aconteceu isso. Encontramos formas de seguir. Essa ONG é desta comunidade — diz a vice-presidente.
Trabalho reconhecido
Na mesma sala de onde foram levados os computadores está um troféu conquistado com orgulho pela ONG. No ano passado, em razão do seu trabalho, a entidade foi premiada na categoria Referência Educacional no prêmio Líderes e Vencedores, que valoriza lideranças da comunidade gaúcha e é promovido pela Assembleia Legislativa e pela Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande Sul (Federasul).
Na ONG, além de informática e inglês, as crianças têm aulas de ginástica, dança, teatro, reforço escolar e cidadania. Um dos objetivos do projeto é mostrar os aspectos positivos da comunidade onde elas vivem.
— Aqui as crianças aprendem os valores da vida, aprendem que este morro aqui é muito bom para elas viverem, que elas têm um futuro pela frente, por meio da educação, do estudo. A nossa ONG foi fundada pela educação, para as crianças saberem que, mesmo vivendo numa situação vulnerável, somente a educação, a qualificação, vai transformar o mundo — completa a vice-presidente.
Somam-se às 55 crianças atendidas na sede da Martins de Lima outros 20 adolescentes que participam do projeto Decola, um preparativo para o primeiro emprego, na sede da Travessa 25 de julho, também no bairro São José.
Prédio receberá faixas de identificação
Por acreditar que a pessoa que levou os notebooks poderia nem conhecer o trabalho da ONG, além de reforçar a segurança do local, a entidade decidiu fixar faixas na frente dos três prédios onde o coletivo mantém atendimento para facilitar a identificação. Isso deve acontecer nos próximos dias.
— A ONG é um espaço para acolher, para ajudar, para incluir. A ONG é para todo mundo, e esses computadores são para gerar felicidade, benefício. Não queremos nos envolver em episódios de vingança. Não é isso que buscamos. A ONG é e vai continuar sendo para acolher e ajudar — reforça a presidente Lucia Scalco.
O caso foi registrado na polícia e está sob investigação da equipe da 19ª Delegacia de Polícia. Segundo o delegado Mário Mombach, o fato é apurado.
— Estamos fazendo alguns levantamentos. Esperamos ter novidades em breve — afirma.
Para colaborar
Quem tiver interesse em contribuir com a ONG pode entrar em contato pelo telefone (51) 98182-6538.