A família da motorista de aplicativo morta em uma emboscada na última sexta-feira (29), em Rio Grande, no sul do Estado, ainda tenta aceitar a perda. Kelen Barbosa, 37 anos, era a quem os familiares recorriam para resolver questões práticas, como levar a avó ao médico, mas também era a animadora oficial de rodas de conversa e festas entre parentes e amigos.
Na noite da última sexta, ela foi baleada e morreu dentro do veículo que utilizava para fazer corridas por aplicativo, no carro que havia começado a pagar há menos de um ano, segundo familiares. Kelen foi vítima de uma emboscada armada por dois adolescentes, em que o alvo era o passageiro que ela levava, de 17 anos.
— Ainda parece que não é verdade. A gente está perdido, avoado. Ela era uma pessoa muito especial, vivia ajudando, não tinha quem não gostasse dela. Era como uma filha para a nossa avó, uma senhora de 87 anos. A Kelen era o apoio dela, ajudava em tudo, levava para onde precisasse, cuidava. Nossa avó está sofrendo demais. Todos estamos, é muito difícil — conta o primo da motorista, Aéverton Junior.
Além da avó, Kelen deixa também a filha, uma menina de 12 anos, e a esposa, com quem estava casada há cerca de sete anos. As três moravam em uma casa em Rio Grande. A educação da pequena era compartilhada com o ex-marido, pai da garota, com quem Kelen mantinha amizade. A motorista deixa também os pais e uma irmã, grávida de sete meses, além de uma "infinidade de amigos", conta Aéverton.
Segundo o primo, Kelen atuava como motorista há cerca de dois anos. Antes, ela trabalhou para uma empresa de segurança, como vigia terceirizada em um prédio de Rio Grande, por cerca de 15 anos. Quando a empresa faliu, Kelen passou a atuar como motorista.
Natural do município no sul do Estado, foi ali que Kelen cresceu e morou ao longo dos anos. Segundo a família, ela gostava de reunir amigos e de sair, frequentando bares e festas pela cidade. O primo, que mora em Capão do Leão, lembra o último pedido de Kelen a ele, poucos dias antes da morte:
— Ela me ligou e disse: "Abriu uma festa nova em Rio Grande, tu tem vir aqui para a gente ir". Foi o último desejo dela comigo. Ela era assim, animada, cheia de amigos, feliz. De alguma forma, ela te fazia rir, te arrancava uma risada. Era uma mãe maravilhosa e uma amiga muito querida por todos.
Em nota, o Sindicato dos Empregados em Empresas de Vigilância de Rio Grande e Região lamentou a morte de Kelen e prestou solidariedade aos familiares. A motorista é descrita como "grande amiga e profissional", que deixou "um lindo legado".
Kelen foi sepultada na cidade de Pedro Osório. No sábado (30), dia seguinte à morte, motoristas de aplicativo da região organizaram uma carreata. O grupo saiu do Hospital Santa Casa de Rio Grande junto do carro que levava o corpo da colega e se deslocou em cortejo até a prefeitura do município. Em vídeos e mensagens nas redes sociais, os motoristas homenagearam a colega e protestam contra a insegurança.
Após perda, família enfrenta problemas financeiros
Com a perda de Kelen, os familiares tentam se estruturar também financeiramente. Aéverton afirma que a família busca atendimento psicológico para a filha da motorista e também precisará arcar com o conserto do carro e as parcelas da casa que Kelen ajudava a quitar.
— Precisamos consertar o carro, que ficou com vários furos por causa dos disparos. Depois queremos colocar para vender para não precisar ficar com as parcelas. Tem também as prestações da casa. O funeral ainda estamos pagando. É uma família humilde, que está precisando de ajuda. Os pais são de idade, tem a avó. Ainda estamos vendo como fazer.
Para arrecadar doações de quem quiser ajudar, a família criou um Pix. A chave é o e-mail aevertonjunior@yahoo.com.br.
Dois adolescentes internados
Após o crime, os dois adolescentes suspeitos de armar a emboscada, de 16 e 17 anos, se apresentaram na 1ª Delegacia de Polícia Civil de Rio Grande, acompanhados dos responsáveis legais e de advogados. O Ministério Público do Estado solicitou a internação provisória deles ao Tribunal de Justiça, que foi aceita. Os dois têm antecedentes por atos infracionais.
— Em princípio, eles alegaram que a motivação seria por desavenças banais, anteriores, envolvendo problemas que tiveram na vida pessoal, não teria relação com crime. Mas a investigação ainda segue em andamento para esclarecer esse e outros pontos. Infelizmente, a ação acabou ocasionando a morte da Kelen, que não tinha nada a ver com o que ocorreu — explicou o delegado Alexandre Mesquita.
O caso ocorreu no dia 29, no bairro São Miguel, em Rio Grande, quando os dois adolescentes passaram de carro pelo veículo da motorista, atirando. Em seguida, tentaram fechar o carro de Kelen. O passageiro que seria alvo da emboscada tem 17 anos e chegou a ser baleado na ação, mas conseguiu fugir do local. Ele recebeu atendimento médico e não corre risco de morte. Foi o depoimento do jovem que levou as equipes ao dois autores dos disparos.
Segundo a polícia, a motorista não tinha antecedentes criminais nem relação com os envolvidos no ataque. A necropsia constatou que Kelen morreu em razão do choque causado pela perda de sangue após ser baleada. A perícia também indicou que o tiro que atingiu a motorista foi feito de fora do veículo. As equipes ainda aguardam o resultado de demais laudos do caso.