Com problemas históricos de infraestrutura precária e ambiente de pouca receptividade a pessoas que enfrentam a dor do luto, o Departamento Médico-Legal (DML) de Porto Alegre está passando por reformas que prometem dar nova cara e funcionalidade ao espaço erguido na década de 1970.
No necrotério, o foco de melhorias é a câmara fria, local onde ficam armazenados os corpos não identificados ou com pendência de liberação para sepultamento. A clínica médica, onde são feitos exames periciais em vítimas de violência e em suspeitos de crimes, também está sendo modernizada.
O investimento é de R$ 2,3 milhões, vindos do Fundo Especial de Segurança Pública. O prazo de conclusão do trabalho é de até seis meses. Conforme a diretora-geral do Instituto-Geral de Perícias (IGP), Heloisa Helena Kuser, as obras não vão alterar o fluxo de atendimento:
— A direção do DML fez o planejamento para cada etapa do trabalho. Além disso, o necrotério já usava um contêiner como apoio à câmara fria.
Em 2019, GZH retratou a crise no trabalho do DML, com acúmulo de corpos e situações de risco à saúde de funcionários. Também à época, a diretora-geral afirmou que os problemas não seriam solucionados com "remendos" no prédio.
De fato, o objetivo é erguer um novo local para o DML. O terreno, de 3 mil metros quadrados, já está garantido. Mas como ainda faltam projeto, liberação de recursos e a obra em si, o IGP buscou alternativas para melhorar o serviço na atual sede, que fica na Avenida Ipiranga, junto ao Palácio da Polícia.
— Não podemos esperar o prédio novo para qualificar o atendimento. E também não adiantava ampliar espaço e continuar com acúmulo de corpos. Desde 2019, implementamos a instrução normativa que nos ajudou a acabar com isso. Chegamos a ter até 80 corpos na câmara fria. Com a instrução, o prazo máximo para sepultamento de pessoas não identificadas é de 30 dias — explica Heloisa.
O espaço, que até agora era para 54 corpos, terá capacidade para 72 na câmara fria. Atualmente, em média, há 30 corpos no local esperando liberação.
Serão instalados módulos autônomos de congelamento e resfriamento, que depois podem facilmente ser transferidos para um novo prédio. A obra prevê ainda troca de revestimento das paredes internas da antecâmara e a renovação do piso de todos os ambientes do necrotério. Novas mesas para necropsia serão adquiridas. Conforme o IGP, no ano passado, a parte elétrica já havia sido reformada para colocar em funcionamento o scanner de corpos — equipamento que auxilia a localização de projetis durante a necropsia.
Depois que GZH retratou a situação precária do DML, em 2019, auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE) fizeram uma auditoria no local para verificar a situação dos serviços realizados. A equipe constatou que a falta de pessoal e a precariedade das instalações e de equipamentos acabaram por afetar os processos e a capacidade operacional do IGP.
A partir dos apontamentos dos técnicos e do voto do conselheiro Cezar Miola na análise das Contas do Governador, no exercício de 2019, o TCE-RS recomendou ao administrador que buscasse uma solução definitiva para os problemas, “bem como alocasse recursos humanos e financeiros necessários à regularização das falhas apontadas”.
Clínica médica será modernizada
Integra o projeto ainda a repaginação da sala disponível aos familiares de falecidos, que passam tempo no local até concluírem os trâmites de liberação dos corpos. Outra novidade são as melhorias na clínica médica do DML, que custarão em torno de R$ 100 mil.
Este trabalho ainda não começou. O local recebe público diariamente. Os atendimentos são a suspeitos presos, que passam por exame de corpo de delito, e também a vítimas de violência, que fazem exames de lesão corporal, de violência sexual e perícia psíquica. São feitas coletas para exames de teor alcoólico, toxicológico, residuográfico, pesquisa de espermatozoides e DNA. A seção psicossocial atende vítimas de violência com o propósito de realizar acolhimento e escuta, atuando como fonte de apoio às investigações, além de realizar encaminhamento à rede de enfrentamento à violência.
A Sala Lilás, destinada a mulheres vítimas, receberá nova pintura e ficará em uma área mais reservada, com acesso direto à sala de perícia ginecológica. No local antes ocupado por ela, funcionará o atendimento psicossocial, que poderá receber também familiares das vítimas atendidas no necrotério. Outra mudança ocorrerá no sistema de atendimento aos custodiados: agentes de segurança que acompanham os presos ficarão em uma sala isolada, sem presenciar o exame feito pelo perito médico-legista.