O policial militar que matou quatro pessoas da mesma família na madrugada de 13 de junho dentro de uma pizzaria em Porto Alegre foi preso nesta quarta-feira (18). O soldado Andersen Zanuni Moreira dos Santos, 25 anos, foi chamado a se apresentar no batalhão em que está lotado. A decisão é da juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva, da 2ª Vara do Júri de Porto Alegre, e atende ao pedido de prisão preventiva feito pelo Ministério Público (MP).
A Justiça também aceitou a denúncia do promotor André Goncalves Martinez por quatro homicídios qualificados, violação de domicílio qualificado e agressão. A partir de agora, o soldado é réu por esses crimes. A magistrada e o MP discordam da tese de legítima defesa sustentada pelo soldado e apontada no inquérito policial da 5ª Delegacia Homicídios e Proteção a Pessoa (DHPP).
Na decisão, a juíza afirma que a legítima defesa não está "suficientemente demonstrada" e não pode ser acolhida especialmente levando em consideração os depoimentos das duas mulheres que presenciaram a morte das vítimas. Os irmãos Christian e Cristiano Lucena Terra, o sobrinho deles, Alexsander, e o primo Alisson Corrêa Silva foram mortos dentro de uma pizzaria delivery da Zona Norte após uma discussão que começou na residência da família, a 180 metros dali. Eles não tinham antecedentes criminais e estavam desarmados.
A magistrada argumenta que as imagens de câmeras de segurança do delivery mostram que, ao ver o soldado escondido no banheiro, Christian abriu os braços para impedir a passagem dos demais, quando Alexsander fura o bloqueio e é baleado pelo soldado.
"Após, a câmera não registrou qualquer tentativa de agressão pelas vítimas, apenas ficaram registradas as quedas de Christian, Cristiano e Alisson, após serem alvejados com disparos de arma de fogo na cabeça, momento em que Andersen sai do mencionado banheiro com a arma em punho, apontando em direção a outras pessoas", diz a magistrada no despacho.
A juíza também cita que Alexander foi ferido com tiro na cabeça, no abdômen e na palma da mão, fato revelado por GZH em reportagem publicada em 9 de agosto, o que indica que "tenha esboçado algum movimento de tentativa de defesa", conforme o laudo. O gesto da vítima, nas palavras da magistrada, também põe em dúvida a tese de legítima defesa do soldado. A defesa diz que considera a prisão "desnecessária" e que deverá recorrer (leia abaixo na íntegra).
"A excludente de ilicitude, para ser acolhida, ainda nessa fase, deve ser incontrovérsia, amparada na completude dos elementos constantes dos autos da investigação. Não é esse o caso deste feito, em que a solução de acolhimento da tese de legítima defesa se mostraria por demais prematura", diz a magistrada.
Pelos relatos, compareceu a local onde a festa familiar ocorria e teria gerado situação de conflito que redundou nas mortes. A prática das mortes se mostra inopinada e irrefletida além de conter alto teor de violência.
LOURDES HELENA PACHECO DA SILVA
Juíza da 2ª Vara do Júri de Porto Alegre, no despacho
Lourdes Helena entende que a versão do soldado deve ser melhor analisada com a produção de prova judicializada, ampliando a discussão da tese de defesa e de todos seus requisitos para além do que foi apontado no inquérito policial.
Ao aceitar o pedido de prisão, a juíza afirma que Andersen praticou quatro homicídios, "em tese qualificados", como policial militar fora de serviço. Argumenta a necessidade de manter a ordem pública, considerando a gravidade do fato e do soldado ter utilizado arma funcional. "Pelos relatos, compareceu a local onde a festa familiar ocorria e teria gerado situação de conflito que redundou nas mortes. A prática das mortes se mostra inopinada e irrefletida além de conter alto teor de violência."
Soldado da Brigada Militar desde 2018, o policial chegou a ser ser afastado durante inquérito policial militar (IPM). O procedimento não viu indícios de crime militar em sua conduta e Andersen retornou as funções pública em setor administrativo. Para a magistrada, isso é um equívoco. Manter Andersen em liberdade "traz inquestionável descrédito a Justiça, pois o fato trouxe abalo e comoção social ao mesmo tempo que o denunciado permanece no exercício da função pública, contrassenso que não pode perdurar."
Também argumenta que a necessidade de detenção se dá por "conveniência da instrução criminal", para impedir que o soldado ameace testemunhas e frustre a veracidade de depoimentos, tendo em vista que os depoimentos das duas mulheres que presenciaram as mortes colocam dúvida na tese de legítima defesa.
Em 30 de junho, a 5ª DHPP concluiu que o soldado agiu em legítima defesa na noite de 13 de junho e, por isso, não o indiciou pelas quatro mortes. No relatório final do inquérito, o delegado Gabriel Lourenço considerou que o banheiro da pizzaria, usado pelo policial para se refugiar dos integrantes da família Lucena que o perseguiam, não dava outra alternativa para o soldado, se não atirar.
Lourenço argumentou que o local era "extremamente pequeno e não apresentava qualquer alternativa para que o autor continuasse fugindo e evitando os disparos de arma de fogo, de modo que esta passou a ser a única escolha que poderia ser tomada pelo agente para sobreviver".
Contraponto
O que diz David Leal, advogado de Anderson Zanuni Moreira dos Santos
"Acredito que é uma prisão totalmente desnecessária. Serve apenas para mostrar serviço e vamos recorrer aos tribunais superiores se for necessário."