A Polícia Civil prendeu nesta terça-feira (13), em Porto Alegre, três suspeitos de desviar medicamentos do Hospital de Pronto Socorro (HPS) para fabricação caseira de uma droga conhecida como "purple drank" ou "lean", produzida à base de remédios e refrigerantes.
Um dos envolvidos é funcionário de uma empresa terceirizada que atua na farmácia da instituição e foi detido dentro do HPS. Um quarto investigado já havia sido preso há um mês.
Segundo a polícia, o esquema de venda do entorpecente teria começado há mais de um ano, por meio de redes sociais. Para a produção da droga, era utilizada codeína — medicamento de uso controlado, da mesma família de produtos como morfina e heroína. Para a compra, o grupo falsificava atestados e carimbos médicos.
Nesta manhã, os agentes cumpriram três mandados de prisão e de busca nas casas dos investigados. A ação ocorreu nos bairros Partenon, onde houve uma prisão, e Santa Cecília, ambos na Capital.
A apuração começou há dois meses, quando uma médica procurou a 2ª Delegacia da cidade para informar que o nome dela estava sendo usado em atestados falsos para compra de codeína em uma farmácia na Zona Leste. A delegada Ana Caruso, que investiga o caso, diz que o farmacêutico percebeu uma situação estranha: a mesma médica estaria receitando codeína para vários pacientes, e a telentrega era sempre para o mesmo lugar.
O profissional procurou a médica, e o fato chegou à polícia. Ana instaurou um inquérito e prendeu o primeiro suspeito.
O homem confessou que havia mais participantes no esquema e que eles falsificaram os documentos para comprar medicamento de uso controlado e, depois, fabricar a droga caseira. Os policiais, contudo, seguiram com a apuração e descobriram outro crime.
Desvio de medicamento
Os outros três suspeitos foram identificados, e a polícia descobriu que eles, junto com o primeiro preso, estavam desviando codeína — analgésico derivado do ópio, usado para o alívio da dor moderada — do HPS da Capital.
O objetivo do grupo era fazer a droga conhecida como "purple drank" ou "lean". A delegada Ana destaca que os suspeitos passaram a vender o entorpecente pelas redes sociais a um preço bem abaixo do praticado por outros traficantes. Segundo a polícia, isso ocorria porque eles estavam desviando codeína do HPS.
Ana conseguiu descobrir que os quatro investigados desviaram cerca de 180 frascos do remédio depois que conheceram o homem que atua na farmácia interna do hospital.
— Esta ação visa coibir não só com o tráfico da droga, mas também evitar que um medicamento importante possa fazer falta a um paciente em atendimento de urgência, porque criminosos estavam desviando para fabricar entorpecente usado principalmente em festas — ressalta.
A investigação da 2ª Delegacia de Polícia da Capital continua, e a delegada não descarta a ação de mais envolvidos, por isso não está divulgando nomes. As três prisões desta terça-feira são de forma temporária.
O primeiro detido, durante a apuração, foi solto dias depois e responde em liberdade, porque precisou de tratamento contra as drogas. Os crimes apontados são tráfico de drogas e falsificação de documentos. A polícia ainda apura como ocorria de fato o desvio de codeína do HPS e como era feito o controle.
Riscos à saúde
A professora do Departamento de Psiquiatria da UFRGS e vice-diretora do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da universidade, em parceria com o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Lisia von Diemen, diz que a droga se popularizou nos Estados Unidos nos anos 1990. No Brasil, o entorpecente chegou em 2015.
Aqui no país, a professora ressalta que não está disponível para usuários a solução de codeína pura. Por isso, ao contrário do xarope encontrado nos EUA, a droga é feita com produtos adquiridos via uso controlado em farmácias ou, como ocorreu na Capital, por meio de desvio de hospitais.
Lisia diz que essa questão específica traz um risco diferente à saúde, dependendo da mistura das substâncias. Uma concentração elevada pode levar usuário ao coma ou à morte. O uso crônico, devido ao ópio, leva a alto grau de dependência, com síndrome de abstinência muito desconfortável.
— Conforme cada uma das substâncias misturadas, podem causar dor muscular, abdominal, diarreia, vômito, tremor e sudorese (transpiração em excesso). Outros sintomas, conforme a substância usada, pode ser intoxicação que causa delírios, agitações e convulsões. Se misturar com álcool, tudo se potencializa — explica.
Segundo a professora, os efeitos da codeína dependem de cada tipo de organismo, ou seja, pode ser leve ou intenso, dependendo de cada pessoa.
Contrapontos
GZH entrou em contato com a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) sobre o caso. Uma nota foi enviada, mas a assessoria de imprensa da pasta já informou que o hospital colaborou com as investigações e que instaurou sindicância, além do funcionário terceirizado ter sido afastado.
Nota da SMS:
"A respeito da operação realizada pela Polícia Civil nesta terça-feira, que prendeu três suspeitos de desviar medicamentos do Hospital de Pronto Socorro (HPS), a Secretaria Municipal de Saúde, através do Hospital de Pronto Socorro, informa que já vinha colaborando com as investigações, fornecendo todas as informações sob sigilo para não prejudicar o trabalho policial.
A instituição recebeu os lotes de codeína no mês de maio. A farmacêutica responsável pelo inventário percebeu a falta de 180 frascos do remédio e comunicou imediatamente os agentes. Com relação ao funcionário da empresa terceirizada apontado como envolvido no esquema, trata-se de um auxiliar de farmácia que trabalha há cerca de um ano no HPS. Ele será imediatamente afastado do cargo e a empresa terceirizada que prestava o serviço está em processo de substituição. O HPS abriu sindicância interna para apurar o ocorrido.
O Hospital de Pronto Socorro informa que vem adotando medidas para controlar com mais rigor a distribuição de medicamentos potencialmente perigosos e medicações de alta vigilância".