Quatro anos depois de um crime que chocou Parobé, no Vale do Paranhana, a motivação para o assassinato de Eloísa Freitas de Moraes, 56 anos, ainda é um mistério para sua família. A empregada de uma fábrica de calçados que vivia sozinha no interior do município teve a casa arrombada, objetos levados e desapareceu em março de 2017.
O corpo foi encontrado próximo dali, oito dias depois, com 58 facadas. Um casal e um pai de santo estão presos pelo crime e vão a júri nesta terça-feira (1º) a partir das 9h30min no fórum da cidade.
O Ministério Público (MP) aponta que o casal Daniel da Silva, 26 anos, e Adriana Moreira dos Santos, 44 anos, e o pai de santo Kennedy dos Santos Pires, 55 anos, praticantes da religião umbandista, teriam matado Eloísa para atender a um sacrifício religioso, ritual que receberia a vida de vítima como oferenda.
A industriária teve perfurações em diferentes partes do corpo, o que indicaria, conforme a acusação, que seu sangue foi retirado para fins religiosos. Na época do assassinato, a Polícia Civil fechou a investigação definindo o crime como latrocínio (roubo com morte), versão que foi revertida pelo MP ao fazer novas apurações. O trio responde por homicídio qualificado, furto qualificado e ocultação de cadáver.
Nilza de Moraes Bennech, 58 anos, está convencida que a irmã não foi vítima de um assalto. Até hoje, a família busca respostas para a motivação do crime e acredita que mesmo após o julgamento essas explicações poderão não aparecer. Eloísa era divorciada há 20 anos, deixou quatro filhos, era religiosa e morava sozinha em uma casa na localidade de Vila Cristina. A família irá acompanhar o júri do lado de fora do fórum de Parobé.
— Não foi roubo com morte, ninguém dá 58 facadas em uma pessoa de 1m48cm, sem ter como se defender. Depois de todo esse tempo e da tragédia que foi, nem sei se a condenação é a Justiça. Espero que seja feito o que é correto e certo. Estamos encerrando um ciclo, faz quatro anos e dois meses que estamos sob pressão. Ela não será esquecida, estamos diretamente envolvidos com essa dor — diz Nilza.
Conforme o MP, 17 pertences foram levados da casa de Eloísa na noite do crime, entre eles televisão, cafeteria, liquidificador, torradeira, micro-ondas, nebulizador e ferro de passar. Os objetos foram apreendidos na casa do casal — na mesma data em que foram presos — e avaliados em R$ 3.560.
Na fase do inquérito policial, o pai de santo já aparecia como suspeito, mas a participação dele no assassinato não chegou a ser comprovada. Após colher novos indícios, o MP acabou incluindo-o na denúncia e apontando-o como mandante do crime. O promotor Daniel Ramos Gonçalves será responsável pela acusação no júri. Procurado por GZH, ele preferiu não se manifestar.
Não foi roubo com morte, ninguém dá 58 facadas em uma pessoa de 1m48cm, sem ter como se defender.
NILZA DE MORAES BENNECH
Irmã da vítima
O julgamento será coordenado pelo juiz Juliano Etchegaray Fonseca. A expectativa é de que o veredito saia até o final do dia. Não foram chamadas testemunhas para depoimento em plenário. Dois dos três advogados de defesa dos réus procurados pela reportagem optaram por se manifestar apenas por meio de nota.
Em depoimento à Justiça, Daniel da Silva responsabilizou a mulher e Kennedy pelo crime, afirmando que a vítima teria sido morta por eles em um sacrifício. Desde que virou réu, Kenedy nega o crime e permanece em silêncio quando é ouvido. No júri, a defesa adianta que ele deve falar. Representante de Adriana Moreira dos Santos, o advogado Nemias Rocha Sanches afirma que elaborou 300 perguntas para os três réus e diz que pretende explorar o interrogatório dos acusados:
— Temos interesse que eles falem. Vamos desafiar Daniel a confessar.
A tese de defesa de Adriana é de que ela não participou da execução, mas ajudou a ocultar o corpo, iluminando com uma lanterna o local onde Eloísa foi escondida após ser morta. Conforme Sanches, que irá defender a hipótese de latrocínio, Adriana auxiliou por coação de Daniel. O companheiro teria contado a ela que, na data do crime, saiu de casa para procurar emprego mas acabou roubando uma pessoa que o reconheceu e, por isso, a matou. A defesa afirma que Adriana nem sequer viu o corpo mas admite que a quantidade de facadas é um ponto em aberto no processo:
— Entendemos as 58 facadas como algo estranho. Um relapso de raiva. Se deu por qual motivo? Isso ficou no ar.
Contrapontos dos réus
Kennedy dos Santos Pires
Os advogados Viviane Dias Sodré, Rafael Ries Dorneles e Marcelo Von Saltiel de Andrade enviaram a seguinte nota: "A defesa do réu Kennedy dos Santos Pires, vem, inicialmente, reiterar as condolências e a solidariedade aos familiares e amigos da vítima Eloisa Freitas de Moraes. Com relação ao julgamento, esperamos e acreditamos que será feita Justiça, devendo ocorrer a condenação do único responsável por ceifar, prematuramente e de maneira tão cruel, a vida de Eloisa. Quanto a tese que será apresentada aos jurados, essa somente será aberta no momento oportuno, qual seja, durante os debates orais, a fim de evitar eventuais pré-julgamentos."
Daniel da Silva
O defensor público Henrique Marter Da Rosa informou que irá se manifestar apenas no plenário e, neste momento, não falará sobre a linha de defesa que será adotada.
Adriana Moreira dos Santos
O advogado Nemias Rocha Sanches, responsável pela defesa da ré, afirma que a cliente teve participação na ocultação do cadáver, mas não no assassinato.