No início de março de 2017, a família de Eloísa Freitas de Moraes, 56 anos, deparou com a casa dela, no interior de Parobé, no Vale do Paranhana, completamente revirada. Boa parte dos pertences com algum valor tinham sido levados, e a mulher havia desaparecido. Os dias de buscas culminariam em desfecho trágico: o corpo foi encontrado enterrado em área próxima à residência.
Para o Ministério Público, a vítima foi morta com 58 facadas por um casal e um pai de santo durante um ritual. Quatro anos depois, os três réus presos pelo crime deveriam ir a júri nesta terça-feira (16), mas a sessão precisou ser adiada, em razão do agravamento da pandemia. O júri foi reagendado para 1º de junho, às 9h30min.
Apesar do adiamento, a família de Eloísa acredita que agora está perto de ter um desfecho para o caso, e confia na versão apontada pelo Ministério Público, de que a mulher foi sacrificada em um ritual. Pelo crime, foram presos os vizinhos dela Daniel da Silva, 26 anos, e Adriana Moreira dos Santos, 44 anos, além do pai de santo Kennedy dos Santos Pires, 55 anos.
— Espero conseguir colocar um ponto final nisso. É uma dor muito grande. Queremos justiça e que essa dor acabe. A dor dos filhos, da família. De tudo que passamos naqueles dias — diz a irmã Nilza de Moraes Bennech, 58 anos.
Sem nunca antes de ter faltado ao trabalho em uma fábrica de calçados, Eloísa logo despertou a atenção dos colegas de serviço por não ter aparecido. Foram eles que alertaram um dos quatro filhos dela. Quando a família foi até a casa no distrito de Santa Cristina do Pinhal, na área rural de Parobé, descobriu que o local havia sido arrombado e que a mulher havia desaparecido. As buscas tiveram início com ajuda da comunidade, onde a moradora era conhecida e querida, até que o corpo foi encontrado enterrado em uma área a cerca de um quilômetro de onde ela morava sozinha.
— Ela era uma pessoa que só vivia para o trabalho e para a igreja. Uma pessoa reservada, mas muito de bem com a vida. Tinha uma coisa de ajudar o outro. A necessidade do outro sempre se sobrepunha à dela. Ela podia estar numa situação difícil. Mas entendia que o outro precisava mais. Era muito querida pelas pessoas na comunidade e na igreja, onde era diaconisa. Era um ser humano admirável — diz a irmã.
O casal de vizinhos foi preso primeiro, após uma sacola com pertences da vítima, ensanguentados, ser encontrada nos fundos da residência. Dias depois, vizinhos, já desconfiados do fato de que eles não estavam auxiliando nas buscas, descobriram toalhas sujas de sangue em um saco de lixo descartado pelos dois. Os objetos levados da casa da vítima – avaliados em R$ 3,5 mil – foram apreendidos no forro da casa de Adriana e Daniel, que foram presos. Depois disso, eles indicaram o local onde estava enterrado o corpo de Eloísa, descoberto no dia 17 de março.
A Polícia Civil concluiu inicialmente que o caso se tratava de um latrocínio (roubo com morte) e indiciou o casal. O pai de santo já aparecia como suspeito na investigação, mas a participação dele no crime não foi comprovada. O Ministério Público entendeu que havia pontos a serem esclarecidos e pediu novas diligências. Meses depois, acabou incluindo na denúncia a participação de Kennedy, que é acusado de ter sido o mandante do crime.
Para a acusação, os três invadiram a casa da vítima em 9 de março de 2017, após arrombarem a porta dos fundos. Eloísa foi atacada com golpes de faca. O MP apontou que a vítima teve perfurações em diferentes partes do corpo, o que indicaria que seu sangue foi retirado para fins religiosos, como uma oferenda.
Após o assassinato, o corpo foi carregado o até uma área a cerca de um quilômetro da residência, onde foi enterrado em cova rasa. O cadáver estava limpo e vestido com roupa limpa, sepultado em posição fetal. Essas circunstâncias também levantaram suspeitas sobre um possível ritual. A vítima e Adriana teriam já discutido por motivos religiosos – enquanto Eloísa era adventista, a vizinha seguia o pai de santo.
O casal apresentou versões diferentes para o que aconteceu. Adriana disse que foi o companheiro quem matou a vítima ao tentar roubar a casa e ela só ajudou a ocultar o corpo. Silva, ao contrário, responsabilizou a mulher e Kennedy, afirmando que a vítima teria sido morta por eles em um sacrifício. Já o pai de santo ao ser interrogado disse que as acusações contra ele não eram verdadeiras e depois optou por permanecer em silêncio.
Os crimes
Os réus respondem pelos crimes de homicídio qualificado por motivo torpe, já que no entendimento da acusação o crime teria sido cometido durante sacrifício religioso, num “ritual que recebeu a vida de Eloísa como oferenda”. Há ainda a qualificadora de meio cruel, em razão das 58 facadas, e recurso que dificultou a defesa da vítima, pelo fato de ter a casa invadida, durante a noite, e terem investido contra a mulher, ambos armados. Também respondem pelos crimes de ocultação de cadáver e furto qualificado.
Contrapontos
O que diz a defesa de Adriana Moreira dos Santos
O advogado Nemias Rocha Sanches, responsável pela defesa da ré, afirma que a cliente teve participação na ocultação do cadáver, mas não no assassinato. Confira a nota da defesa:
“Lamenta a transferência do plenário do júri, pois é prejudicial pelo excesso de tempo, contudo inevitável pela pandemia. Com certeza, será um julgamento de grande relevância, no qual Adriana Moreira dos Santos provará sua inocência no caso do homicídio, pois os fatos imputados não condizem com a verdade.
Nesse dia, a defesa provará a verdadeira história ocorrida, desejando justiça e punição dos culpados, pois ocorrerem inúmeros equívocos, juntamente com a exposição midiática em suposto ritual de religião africana, talvez fruto de preconceito estrutural da sociedade, o que é lamentável.
Desta forma, somente no plenário do júri, a participação dos três acusados e as testemunhas que o Ministério Público provavelmente arrolou, poderemos discutir a veracidade das acusações, determinando a culpa ao (s) autor (es) deste horrendo crime.”
O que diz a defesa de Daniel da Silva
O defensor público Henrique Marter Da Rosa é o responsável por atuar em nome do réu. A Defensoria Pública encaminhou manifestação sobre o adiamento. Confira:
“A sessão plenária do Tribunal do Júri, inicialmente designada para a data de 16/03/21, foi transferida para 1º de junho de 2021, a pedido da defesa do corréu Kennedy dos Santos Pires, que alegou dificuldade de comunicação com o acusado no parlatório da Cadeia Pública de Porto Alegre, em razão do agravamento da pandemia do covid-19.
Em que pese indesejável o adiamento de qualquer ato processual designado em processo de réu preso, como no caso em apreço, não seria admissível a realização da sessão plenária mediante o sacrifício do direito de mais ampla defesa, de modo que justificado o adiamento da solenidade.”
O que diz a defesa de Kennedy dos Santos Pires
Os advogados Marcelo Von Saltiel de Andrade, Rafael Ries Dorneles e Viviane Sodré encaminharam manifestação sobre o adiamento do júri. Confira:
“A Defesa do réu Kennedy dos Santos Pires, vem, através desta, manifestar seu mais profundo respeito aos familiares e amigos da vítima Eloísa Freitas de Moraes, solidarizando-se com o sentimento de angústia que clama por Justiça, para que possam obter o mínimo de paz.
Com relação ao adiamento do julgamento dos réus, a Defesa entende como acertada a decisão do Magistrado, diante do agravamento da crise sanitária ocasionada pela covid-19 em todo o Estado do Rio Grande do Sul, somado ao fato de que o réu representado pelos signatários pertence ao grupo de risco para a covid-19 e, ainda, considerando-se que estão suspensos os atendimentos na Cadeia Pública de Porto Alegre, sendo que essa última situação exposta comprometeria o exercício da plenitude de Defesa.
Além disso, adiando-se o Plenário do Tribunal do Júri assegura-se a segurança de todos os envolvidos, uma vez que o julgamento deverá ocorrer diante de 07 jurados, com a oitiva de diversas testemunhas, dos réus, bem como com debates orais por parte do Ministério Público e das Defesas, o que colocaria a vida de todos em risco diante do alto índice de contaminação pelo vírus covid-19.”