A prisão de Paulo Renato Abreu de Carvalho, conhecido como Gão e apontado pela Polícia Civil como um dos líderes do tráfico de drogas no Condomínio Princesa Isabel, no bairro Azenha, em Porto Alegre, poderia ter acontecido no Rio de Janeiro ou em Santa Catarina. Acabou ocorrendo na Capital, na tarde de sábado (26), um dia após o Natal, depois do homem de 32 anos passar algumas horas andando de jet ski em uma marina na Ilha dos Marinheiros.
A captura veio após um ano e meio de investigação. Com prisão preventiva decretada há um mês, Gão desafiava a polícia trocando de carro com frequência, sem endereço fixo e viajando entre Rio e Santa Catarina. Discreto, despistava a polícia e não chamava atenção. Não andava armado, mas era acompanhado por seguranças. Não tem carros ou imóveis no nome. Para checar ao paradeiro do suspeito, a polícia monitorou pessoas próximas a ele, locais que ele frequentava e pontos de tráfico dominados pelo grupo criminoso do qual faz parte.
A ação que resultou na prisão foi um trabalho integrado do Departamento de Investigações do Narcotráfico (Denarc) e do setor de inteligência do Comando de Policiamento da Capital (CPC) da Brigada Militar:
— Neste último sábado soubemos que ele estaria na marina usando um Audi. Verificamos que o Audi estava lá de fato e que por algumas horas ele andou de jet ski. Então tivemos o cuidado ao agir para que ele não fugisse pelo rio. Às 18h40 ele saiu do estabelecimento, com dois indivíduos que demonstravam intimidade com ele, e cumprimos a prisão. A ideia era fazer sem disparo. Quando ele ingressa no Audi, demos voz de prisão. Ele não reagiu. Essa é uma característica de quem exerce liderança — afirma o delegado Alencar Carraro, da 3ª Delegacia de Investigações do Narcotráfico do Denarc.
Na avaliação do policial, na tarde em que foi preso Gão baixou a guarda — não havia tomado as mesmas precauções de sempre — o que acabou auxiliando o trabalho de integração do Denarc e do CPC. Gão já foi indiciado por tráfico e associação ao tráfico, e denunciado no Ministério Público pelos mesmos crimes:
— Estávamos de olho nele, mas achávamos que ele seria capturado em outro Estado e que seria difícil pegá-lo até o final do ano. A partir da prisão, vamos conseguir desenvolver as investigações para verificar lavagem de dinheiro e organização criminoso.
Dentro do Denarc, a investigação que seguia os passos de Gão envolveu poucos agentes, focados em tarefas especificas, e contou com inteligência do CPC, e troca de informações com outros órgãos:
— Estávamos com levantamento de dados em relação ao Gão, sabíamos que ele estava rondando alguns lugares, monitoramos os locais. A ida e vinda dele de vários lugares dificultou nosso trabalho. Durante todo esse período, não se teve uma informação tão concreta como tínhamos agora. Nossa integração com Denarc é muito importante, a BM está no dia a dia na rua, temos muita informação do que acontece nas regiões e uma análise de inteligência — explica o comandante do CPC, tenente-coronel Rogério Stumpf Pereira Junior.
Junto com Gão, foi apreendido um carro Audi A4, o jet ski e correntes de ouro. Nos veículos não havia armas ou drogas. Conforme Carraro, ocorreram tentativas de prisão de Gão no Rio e em Santa Catarina com o apoio das autoridades locais. A mobilidade de Gão pelos três Estados foi um dos obstáculos da investigação:
— Com a facilidade dos meios de comunicação, os líderes conseguem administrar os negócios à distância, mas há necessidade de retornar para eventualmente acompanhar algo de perto. O suspeito é um cara muito organizado, encara o crime como um negócio, possui muitos contatos e parcerias no RS. E o indivíduo sabe que está sendo investigado. Tem uma rede muito grande de apoio. Tivemos dificuldades de robustecer as provas para conseguir a prisão e a responsabilização. Foi um esforço muito grande. Sem outros órgãos e a polícia militar, que tem acesso a outras informações, fica muito difícil. A dificuldade maior é conseguir elementos que ligam a pessoa ao crime. Temos que ter provas efetivas.
Liderança reconhecida no Condomínio Princesa Isabel, Gão ascendeu a partir do assassinato de Alexandre Goulart Madeira, o Xandi, morto em Tramandaí, no Litoral Norte, em janeiro de 2015. Na época, Xandi era o único chefe do local conhecido como Carandiru. Gão era um dos seus gerentes e nos últimos anos conquistou posição de comando, à frente do tráfico na Cidade Baixa e na região central de Porto Alegre.
Durante a investigação, a polícia apurou que há uma divisão na comercialização de drogas no condomínio. A venda de narcóticos no local funciona com um revezamento: em uma semana é administrada pelo grupo liderado pelo Gão e na outra, por outro líder. Ambos são ramificações de uma facção com base no Vale do Sinos.
— A área deles é voltada para atender a classe média e tem uma movimentação muito grande de drogas. Tem bocas de fumo que chegam a render R$ 30 mil por dia — afirma Carraro.
No âmbito das investigações do narcotráfico, um dos principais focos da Polícia Civil é mirar o patrimônio de lideranças como Gão. O diretor de Investigações do Denarc, delegado Carlos Wendt, explica que muitos criminosos são habituados a serem presos e, dias depois, colocados em liberdade. Na prática, muitos deixam de temer a detenção:
— O que incomoda eles é a questão patrimonial. Tirando patrimônio, ficam sem dinheiro para sustentar as famílias, tem dificuldade de pagar advogado, isso acaba enfraquecendo o poderio deles lá fora. A liderança também se dá pela ostentação. Outro medida que também os preocupa é a transferência para presídio federal — pontua Wendt.
Ao avançar sobre os bens de líderes do tráfico, os investigadores conseguem provar as fortunas obtidas por meio da comercialização de entorpecentes e ter mais êxito na responsabilização:
— Essas lideranças não colocam a mão na droga, dão a ordem. Se pegamos o patrimônio, provamos que é deles. Com patrimônio se consegue o indiciamento e o enfraquecimento do próprio negócio — diz Wendt.
Contraponto
Responsável pela defesa de Gão, o advogado Alencar Coletto Sortica afirma que não teve acesso à íntegra o inquérito. Segundo ele, Gão nega veementemente que é líder do tráfico no Condomínio Princesa Isabel. Coletto afirma que irá tentar provar isso durante o processo. O advogado também reforça que Gão nunca teve condenação por tráfico e nem foi preso com drogas.