O corpo de João Alberto Silveira Freitas, homem negro que foi espancado até a morte na noite última quinta-feira (19) em uma loja do Carrefour, foi velado e sepultado na manhã deste sábado (21), no Cemitério Municipal São João, no bairro Higienópolis, em Porto Alegre. Pai da vítima, o transportador aposentado João Batista Rodrigues Freitas, 65 anos, falou sobre o ocorrido em entrevista à GZH, enquanto se despedia do filho:
— Foi uma ação de racismo, puro racismo. Ninguém agride uma pessoa entre três com tanta violência assim se não tiver um motivo. Se o motivo é fútil, é racismo. Eu quero justiça e aguardo pela justiça — enfatiza.
Com uma bandeira do São José, seu clube do coração, estendida sobre o caixão, Freitas foi velado desde as 8h. O sepultamento ocorreu perto das 11h30min, no mesmo complexo fúnebre.
O clima no local era de incredulidade com o crime. Não houve, contudo, gritos ou demonstrações externas de ódio aos homens que atacaram a vítima no supermercado Carrefour.
A brutalidade a que o pai foi vítima encontra explicação em um único sentimento para a filha de João Alberto Freitas: falta de compaixão. Thaís Alexia Amaral Freitas, 22 anos, demonstrou revolta com o caso. Entre momentos de tristeza, quis falar. E se dirigiu aos autores do assassinato:
— Eles (seguranças) são uns animais, uns lixos, não tem amor no coração. O que fizeram com ele não se faz com ninguém, mesmo que esteja errado — disse.
Além de Thaís, Beto, como era conhecido na Zona Norte, deixou ainda outras duas filhas e um filho, de relacionamentos anteriores. Com a atual companheira, Milena Borges Alves, 43 anos, planejava um casamento no civil, que deveria acontecer até o fim do ano. Abatida, a viúva passou a manhã calada. Com aceno de cabeça e duas palavras, disse ter descansado “um pouco” após uma madrugada em claro, após o crime no hipermercado.
Na cerimônia, familiares se uniram ao redor do pastor da igreja frequentada por Beto. A leitura de um trecho da Bíblia Sagrada foi acompanhada de um discurso do pai. O transportador aposentado João Batista Rodrigues Freitas, refletiu sobre as manifestações que tomaram conta do país na sexta-feira (20), dia seguinte ao assassinato.
— Eu não queria que fosse com o filho de ninguém, queria que esse movimento saísse das salas escolares, sem agredir ninguém. Tem que acontecer um movimento desse aí. Agora no ponto que chegamos, eu acho louvável. A vida do meu filho não vai voltar mesmo, alguma coisa há de servir para os outros.
O velório foi aberto ao público. Não foram vistos manifestantes, apenas parentes e amigos — parte usava roupas identificados com a torcida do Zequinha. Também não foram vistos políticos ou autoridades no local.
Sociólogo e responsável pela coordenadoria de ação afirmativa da UFRGS, Edilson Nabarro, 67 anos, foi ao ato com uma bata estampada com símbolos do que definiu "de africanidade negra". Para ele, se o Estado não tomar medidas, os crimes contra os negros irão prosseguir.
— Um dia de celebração (20 de novembro) se transformou em uma tragédia humana. E perto de nós — disse.
O caso
João Alberto Silveira Freitas morreu após ter sido espancado na porta do supermercado Carrefour no bairro Passo D'Areia. O fato ocorreu na noite desta quinta-feira (19).
De acordo com informações preliminares, o crime foi precedido por uma discussão dentro do estabelecimento com uma funcionária, um segurança de uma empresa terceirizada e um PM temporário. Os dois homens, identificados como Magno Braz Borges e Giovane Gaspar da Silva, foram detidos e presos em flagrante por homicídio qualificado.