Em Laranjeiras do Sul, no Paraná, Berto Silva, 52 anos, questionou angustiado a um dos policiais na quarta-feira (21) sobre o que deveria responder no próximo contato dos sequestradores. A filha Tamires Regina Gemelli da Silva Mignoni, 30, havia sido levada seis dias antes em Erechim, no norte do Rio Grande do Sul, onde a ginecologista reside e trabalha. Pelo resgate, exigiam R$ 2 milhões. O agente tocou o ombro do pai da médica e sentenciou:
— A próxima ligação serei eu, dizendo que estamos com a Tamires.
Horas depois, quando o telefone de Berto chamou outra vez, o policial civil cumpriu a promessa. A médica havia sido resgatada em Cantagalo, município a cerca de 30 quilômetros de Laranjeiras do Sul. Um vigilante, considerado mentor do sequestro e que residia a poucos metros da moradia dos pais da médica, e uma mulher, que seria responsável por vigiar a vítima no cativeiro, foram presos. Outras duas pessoas, um taxista e a esposa do vigilante, chegaram a ser detidas, mas foram liberadas por não haver evidências da participação delas no crime.
Mas a ação que culminaria no resgate se iniciou bem antes daquela noite. O pai da médica, prefeito em Laranjeiras, tornou-se o centro da negociação. Às 13h da sexta-feira, dia do sequestro, foi avisado pelo genro, o dentista Lucas Centenaro Mignoni, de que Tamires havia desaparecido. A médica deixou a Unidade Básica de Saúde, em Erechim, onde trabalha, às 11h20min. Ela deveria almoçar na casa da sogra às 11h30min, mas não apareceu e não atendia o telefone.
Quando soube do desaparecimento da única filha, Berto começou viagem para Erechim. Às 19h07min, quando cruzava Chapecó, em Santa Catarina, recebeu uma ligação do genro. Um sequestrador havia feito contato e indicado o número para o qual o pai deveria ligar em dois minutos. Foi aí que ele soube que os criminosos buscavam resgate milionário.
— Vivemos um filme de terror. Por conta da minha vida pública, ele imaginou que, mesmo sem ter o dinheiro, teria influência para conseguir. Foram os seis piores dias da nossa vida. Não sabíamos onde ela estava, como estava, e com quem estava — conta o pai, que começou a reunir a quantia exigida com amigos, caso fosse preciso fazer o pagamento.
Na ligação, o criminoso ordenou que não chamasse a polícia, retornasse para Laranjeiras e minimizasse a repercussão do caso na imprensa. Berto argumentou que o genro estava muito abalado e à espera dele em Erechim. Recebeu, então, permissão para buscar Lucas.
— O que ele não imaginava é que eu voltaria com meu genro e mais 18 homens extremamente preparados. Fiquei impressionado com a qualificação desses profissionais. Esse Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais do RS) é sensacional. O trabalho deles e do Tigre (Tático Integrado de Grupos de Repressão Especial, do Paraná) foi brilhante. Não só no sentindo de conduzir as investigações, como de conduzir a família. Nos preparar para o contato com os sequestradores — elogia o pai.
Berto e o genro passaram a ser acompanhados de dois policiais, enquanto os demais permaneceram em base fora de Laranjeiras — para evitar a circulação de policiais na cidade. Após o primeiro telefonema, a família viveu os dias mais difíceis. Entre sexta-feira e terça-feira (20), nenhum novo contato foi feito.
— Foi sexta, sábado, domingo, segunda e terça nesse vazio. Sem nenhuma informação. Pensando as coisas mais horríveis possíveis — diz Berto.
Na terça-feira, o sequestrador ligou para Lucas, que tentou passar o celular para o sogro, mas o criminoso não permitiu. Orientado pela polícia, o dentista exigiu ouvir a voz da mulher. No dia seguinte, na quarta-feira pela manhã, o telefonema foi para Berto. Desta vez, o sequestrador permitiu que Tamires falasse pela primeira vez. A médica garantiu que estava bem. O sequestrador afirmou que só faria mais uma ligação. Aquilo deixou a família ainda mais tensa.
No início da noite, o pai observou os policiais se equiparem para mais uma saída. Angustiado, aproximou-se de um deles e questionou o que deveria dizer ao sequestrador. Foi quando recebeu a promessa de que o próximo telefonema seria para confirmar o resgate de Tamires. Berto tentou brincar com o policial, que carregava um boné com a imagem de um urso panda.
— Ele me olhou e disse: "Você vai entender mais tarde". Quando eles tiram ela do cativeiro, eles colocam o boné na cabeça dela e me ligam: “Berto, estamos com a Tamires”. E ele me manda a foto. Ela chorando e rindo ao mesmo tempo, com o boné. O bonezinho está com ela. Anda toda orgulhosa com ele, para baixo e para cima. Tem significado muito grande. Mesmo o sequestrador não dizendo onde era, eles estouraram o cativeiro e trouxeram nossa filha de volta. Foi brilhante — emociona-se o pai.
Retorno para Erechim
Sobre a saúde da filha, diz que ela perdeu peso, mas não sofreu agressões, embora tenha sido ameaçada constantemente. Ela contou aos familiares que foi colocado dentro de porta-malas e mantida com olhos vendados, amarrada. Para superar o trauma, buscará acompanhamento psicológico.
— Ela está bem fisicamente, mas muito abalada psicologicamente. Ela foi muito forte, agora está desabando. Agora, ela consegue relaxar e olhar de fora para aquilo que viveu — diz o pai.
Na sexta-feira, a família regressou para Erechim, onde Tamires foi recepcionada por amigos e por familiares. A mãe e a sogra haviam permanecido no RS. Em frente à residência do casal, foi estendido um banner com a imagem da médica ao lado dos policiais que participaram do resgate.