Quando chegaram a uma casa no município de Cantagalo, no Paraná, na noite de quarta-feira (20), os policiais suspeitavam que ali poderia ser o cativeiro de Tamires Regina Gemelli da Silva Mignoni, 30 anos – sequestrada cinco dias antes em Erechim, no norte do Rio Grande do Sul. A moradia, desabitada e pouco cuidada, destoava das demais naquela rua. Um vigilante havia sido preso horas antes, mas se recusou a indicar o local onde a vítima vinha sendo mantida.
Os agentes vasculhavam o acesso ao local, quando ouviram os pedidos de socorro de uma mulher. Entraram na casa, andaram pelos cômodos escuros, cobertos de embalagens com restos de comidas, guiados pelos apelos da vítima. Quando abriram uma das portas que levava a um corredor estreito, deram fim às horas intermináveis de terror vividas pela médica. Para os policiais, que não haviam descansado em busca do paradeiro dela, era a recompensa que esperavam: resgatar Tamires com vida.
Mas para chegar até aquele momento, agentes do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, passaram por exaustivas horas de investigação.
Na manhã desta sexta-feira, o delegado João Paulo de Abreu, da Delegacia de Roubos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), detalhou em coletiva de imprensa o sequestro e o trabalho das polícias, que culminou no resgate. A apuração descobriu, inclusive, que o crime já havia sido planejado dois anos antes.
A versão foi contada por um dos presos, um vigilante de banco na cidade de Laranjeiras do Sul, no Paraná, de onde Tamires é natural. É nesta cidade também que o pai dela, Berto Silva, é prefeito.
Considerado mentor intelectual e executor do sequestro, o vigilante confessou aos policiais que há dois anos já havia tentado sequestrar a médica. Ele relatou que, com outro comparsa, planejou o crime, para tentar tirar dinheiro do pai da ginecologista. Para isso, os dois chegaram a alugar uma casa que serviria de cativeiro e agendar uma consulta com o marido da vítima, um dentista de Erechim.
A partir desta consulta, os dois pretendiam sequestrar Tamires e pedir o resgate. No entanto, algo deu errado naquele momento e eles desistiram da ação. Dois anos depois, o mesmo vigilante teria decidido colocar o plano em prática. Desta vez, tomou como comparsa uma mulher, ex-companheira do homem que teria lhe ajudado a planejar o sequestro inicialmente.
Segundo o delegado, em um Uno os dois seguiram do Paraná até Erechim, onde chegaram a vigiar a rotina da médica, para então cometer o crime. Na manhã da sexta-feira (16), seguiram de táxi até o posto de saúde onde Tamires realiza os atendimentos. Aguardaram até por volta das 11h20min, quando a médica deixou a unidade. Os dois abordaram a vítima com uma faca e obrigaram a seguir com eles.
A bordo do carro da vítima, eles rumaram em direção a uma área de matagal, onde Tamires foi amarrada e deixada com a mulher. O vigilante retornou no carro da médica para a área urbana. Lá, abandonou o veículo e conseguiu uma carona para ir até o local onde estava o Uno. Com este veículo, resgatou as duas e seguiu com elas em direção ao município de Itá, em Santa Catarina.
Cativeiros
Uma cabana de veraneio, alugada pelo período de 30 dias, na localidade de São Roque, no município de Itá, deveria ter sido o cativeiro de Tamires durante todo o sequestro. Foi para lá que o vigilante levou a médica inicialmente. No entanto, a repercussão do sequestro levou os criminosos a repensarem a estratégia. Eles souberam que a polícia estava em busca da vítima e, por isso, decidiram abandonar esse local e levá-la para o Paraná.
O vigilante seguiu sozinho até o município de Seara, onde abandonou o Uno, chaveado. Dali, foi em uma corrida de aplicativo até uma locadora de veículos em Chapecó, onde alugou um Voyage branco. Neste carro, retornou para o local do cativeiro em Itá, para transportar Tamires. A médica foi mantida na parte de trás do carro e os criminosos usaram uma coberta para impedir que ela pudesse ser vista. Antes de deixar a cabana, no entanto, teria limpado o local para não deixar vestígios. A polícia segue em Santa Catarina, tentando localizar este imóvel.
O vigilante então teria alugado por 15 dias uma segunda casa, em Cantagalo, no Paraná, município próximo a Laranjeiras do Sul. O imóvel, com cerca de 200 metros quadrados, tinha vários cômodos, que foram trancados. Um colchão foi depositado em um corredor com cerca de dois metros quadrados. Ali, Tamires foi deixada, desamarrada. Daquele local, ela só tinha acesso a um banheiro.
As refeições eram entregues pelos criminoso por meio de uma das portas. Ela era orientada a aguardar para abrir a porta, pegar o alimento e fechar novamente. A ação tentava evitar que Tamires tivesse contato visual com os sequestradores, embora ela já tivesse visto os dois.
— Nos preocupava muito a possibilidade de ele pegar o pagamento de resgate e depois tirar a vida dela. Até porque confirmamos com a investigação que a vítima poderia reconhecer o sequestrador. Mesmo não morando em Laranjeiras, ela ia toda semana lá. Por isso, ao mesmo tempo em que dávamos toda a assistência para a família, na negociação com os criminosos, tínhamos equipes tentando localizá-la o quanto antes e com vida — explicou o delegado.
Foi ao passar em frente a esta residência, na noite de quarta-feira, que os policiais suspeitaram estar diante do cativeiro de Tamires. A investigação indicava que o local deveria ser por aquela região. Quando as viaturas cruzaram na frente da casa, que destoava das demais da rua, por ter a pintura desgastada e estar mal cuidada, alguém se apressou em apagar as luzes.
Quando retornaram ao local, perceberam que a casa estava trancada e ninguém atendia. Enquanto vasculhavam no escuro, dentro da moradia, ouviram os gritos de Tamires. Era a certeza de que ela estava ali. Emocionada, a médica foi retirada pelos policiais de dentro do corredor e levada até Laranjeiras do Sul.
— Ela é muito comunicativa, ficou extremamente feliz. É algo especial para nós — disse o delegado.
Presos
Antes de chegar ao cativeiro de Tamires, os policiais já tinham prendido, a bordo do Voyage alugado, o vigilante, apontado como mentor do sequestro. Quando chegaram no local do cativeiro, a mulher responsável por monitorar Tamires não estava na casa. Os agentes começaram a vasculhar o bairro, informando moradores sobre as buscas. Em um terreno próximo, a mulher foi encontrada escondida atrás de um arbusto e acabou presa.
Aos policiais, o vigilante preso disse que escolheu Tamires como vítima pelo fato do pai dela ser uma pessoa conhecida – ele é prefeito em Laranjeiras do Sul. O homem disse que acreditava que a família teria condições de pagar o resgate exigido, embora, segundo a polícia, não se tratem de pessoas de grandes posses. O vigilante detalhou também que pretendia pedir o resgate de R$ 2 milhões em duas parcelas de R$ 1 milhão e, com o dinheiro, queria abrir uma empresa para fazer a “lavagem” da quantia.
Além dos dois, também foram presos de forma temporária um taxista, de Cantagalo, e a esposa do vigilante. Mas, segundo o delegado, a polícia não encontrou evidências da participação dos dois no crime. Por isso, eles devem ser soltos ainda nesta sexta-feira (23). Os outros dois permanecem presos e deverão ser indiciados pela extorsão mediante sequestro.
— O que queríamos desde o início era localizar a Tamires, seja pelo pagamento do resgate ou pelo trabalho da investigação. Nunca queremos pagar para não capitalizar o crime. Mas também queríamos que ela permanecesse o menor tempo possível em cativeiro. Conseguimos, felizmente, prender esses criminosos e trazer ela de volta — disse o delegado.