Às 11h20min da sexta-feira (16), a médica Tamires Regina Gemelli da Silva Mignoni, 30 anos, deixava a Unidade Básica de Saúde no bairro Aldo Arioli, em Erechim, no norte do Rio Grande do Sul, quando foi surpreendida por um homem e uma mulher. Armados com uma faca, a obrigaram a seguir com eles. Inicialmente, a família pensou que estava diante de um roubo de veículo, mas o pedido de resgate, horas depois, confirmaria que se tratava de um sequestro. A Polícia Civil confirmou nesta sexta-feira (23) que o crime havia sido planejado há dois anos.
O carro de Tamires, uma Chevrolet Equinox, foi abandonado logo após ela ser levada pelos criminosos. O primeiro contato dos sequestradores com a família aconteceu na noite de sexta-feira, por volta das 19h. Por telefone, falaram com o marido da médica, um dentista de Erechim. Eles exigiram que a negociação fosse realizada com o pai dela: o prefeito de Laranjeiras do Sul, no Paraná, Berto Silva.
— Anota o telefone aí e pede para o pai dela me ligar — avisou o sequestrador.
Por telefone, em uma ligação que durou cerca de três minutos, o pai de Tamires foi informado de que os sequestradores queriam um resgate milionário. O homem questionava quanto tempo o pai necessitava para resolver a situação. Chegou a cogitar-se uma semana ou mais. Ao se referir ao valor do resgate, o sequestrador usava a expressão “doação”.
— Quer doar dez, sete, cinco ou dois? Quantos milhões quer doar? — indagava o criminoso.
O pai respondeu que não tinha condições de pagar o valor exigido. O criminoso afirmou que, se ele pagasse os R$ 2 milhões, a filha seria libertada, com vida. Os bandidos não chegaram, naquele momento, a dar nenhuma prova de que a médica estava viva e bem.
Com a confirmação do sequestro, na manhã de sábado (17), equipes do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil rumaram de Porto Alegre até Erechim. Alguns permaneceram no norte do RS, outros seguiram para o Paraná, onde acompanharam a família da médica. O trabalho da polícia, segundo o delegado João Paulo de Abreu, da Delegacia de Roubos do Deic, dividia-se em assessorar a família e descobrir quem estava por trás do crime, para tentar encontrar a médica.
Depois do primeiro contato, passaram-se três dias inteiros sem nenhum novo telefonema do sequestrador. A demora passou a gerar ainda mais apreensão na família. Na manhã de terça-feira (20), a família foi contatada novamente.
— Já conseguiu o dinheiro? — questionou o homem.
No dia seguinte, em uma terceira ligação, o sequestrador permitiu que Tamires falasse com o pai. A médica garantiu que estava bem, que vinha sendo bem tratada, recebendo água e comida. Pediu que o pai pagasse o valor, para que ela pudesse ser libertada. O bandido assumiu a ligação novamente e avisou que só ligaria mais uma vez.
— Imagina a emoção desse pai, recebendo a ligação e ouvindo a filha. Em paralelo a isso, seguimos nosso trabalho de investigação para chegar à autoria do fato — explica Abreu.
Um veículo usado pelos sequestradores para ir de Laranjeiras do Sul até Erechim para cometer o crime foi identificado pela investigação. A polícia descobriu que, dois dias antes, esse veículo havia seguido até o sul de Santa Catarina — ali os sequestradores teriam permanecido se estruturando.
No dia do sequestro, foram até Erechim, onde interceptaram a médica quando ela saía do trabalho. Por câmeras de segurança, os policiais descobriram que um casal estava a bordo do veículo. Os dois foram vistos em uma farmácia, onde fizeram a recarga de celular, e em outros pontos da cidade. O Uno, encontrado abandonado na cidade de Seara, estava em nome de um vigilante de Laranjeiras do Sul.
Os policiais conseguiram identificar como suspeitos do crime o vigilante – apontado como mentor do sequestro – e uma mulher, que tinha como função vigiar a médica no cativeiro. Na quarta-feira (21), um dia após o segundo pedido de resgate, o homem foi preso no município de Cantagalo, no Paraná. Ele estava a bordo de um Voyage, que foi usado para levar a médica até a cidade paranaense.
O vigilante não indicou, no entanto, o paradeiro do cativeiro, que foi descoberto pelos policiais naquela noite, também em Cantagalo.
— Ainda que eles tivessem um plano traçado, não era um grupo criminoso que se dedicava à prática da extorsão mediante sequestro. Precisamos destacar também, além da ação dos outros órgãos policiais, a agilidade do Judiciário — explica o delegado Abreu.