Um jornalista mexicano que está preso há dois anos e nove meses no Presídio Central de Porto Alegre ingressou com pedido de asilo político. Vladimir Leonel Valero Canseco, que morava em Canoas, teve prisão preventiva decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017 para fins de extradição a pedido do governo do México.
A captura teve como origem uma investigação iniciada na Costa Rica sobre tráfico de pessoas e distribuição de fotos de pornografia infantil pela internet. Valero é apontado como envolvido no suposto esquema.
A defesa do jornalista alega que a ligação do nome de seu cliente com a investigação transnacional decorre de perseguição política, já que ele teria se destacado como crítico do governo de seu país, ainda que usando pseudônimos. É isso que o advogado Demetrius Barreto Teixeira sustenta no pedido enviado ao Ministério da Justiça.
Preso desde janeiro de 2018, Valero, 48 anos, já teve a extradição julgada e aprovada pelo STF. O mexicano pretende agora que a solicitação de asilo, entregue na segunda-feira (26), seja analisada antes que o presidente Jair Bolsonaro dê o canetaço final no caso da extradição.
Valero saiu do México em 1998 e, depois de passar por vários países, instalou-se no Rio Grande do Sul a partir de 2003. Conforme apresenta em seu currículo e na defesa perante o STF, Valero explica ter vindo ao Estado pela primeira vez a convite do então governador Germano Rigotto para fazer uma matéria para a revista The Economist sobre as vantagens de investir no Rio Grande do Sul. Depois disso, teria decidido morar no Brasil.
GZH fez contato com o ex-governador, que negou ter feito qualquer convite a Valero. Questionada sobre a negativa, a defesa do jornalista explicou então que, na verdade, partiu da agência de jornalismo em que ele trabalhava — a Globalpress — um pedido de entrevista, que teria sido aceito pelo governo gaúcho à época. Segundo o advogado, com o posterior fechamento da agência, Valero recebeu indenização e investiu na compra de uma casa em Canoas.
Passou então a atuar com sites em que agências de modelo podiam divulgar trabalhos. Esta conexão é que teria ajudado a envolver o nome do jornalista na investigação da Costa Rica.
Pessoas daquele país e do México teriam usado a hospedagem para divulgar material pornográfico, sustenta a defesa do jornalista. Em junho de 2017, a Justiça do México emitiu ordem de prisão contra Valero pelos crimes investigados. Foi quando a Procuradoria-Geral do México realizou ação coordenada com autoridades da Costa Rica que prendeu 11 integrantes de uma organização transnacional de pornografia infantil nos dois países. Segundo a denúncia, Valero estaria envolvido com essa quadrilha.
A partir da identificação de vítimas que seriam brasileiras, foi apurada a ligação com o Brasil. A Interpol emitiu alerta vermelho e, em 2017, a Polícia Federal (PF) do Estado abriu inquérito para investigar o fato.
GZH apurou que o jornalista teve equipamentos apreendidos e periciados, mas nada relativo a pornografia infantil foi encontrado. A PF informou que não se manifesta sobre eventuais investigações em andamento. O advogado de Valero alega que o inquérito foi concluído e que a PF se manifestou pelo arquivamento da investigação.
A defesa e a extradição
Depois que Valero teve prisão decretada naquele país, o governo do México fez pedido de extradição. Em depoimento determinado pelo STF, Valero alegou constar de uma "lista negra" por ser crítico do governo.
Confirmou que esteve na Costa Rica — onde começou a investigação de tráfico humano e pornografia infantil — para trabalhar com jornalismo sobre desenvolvimento tecnológico. Contou que um amigo do México desenvolveu um negócio familiar de fotografias e de modelagem. Explicou que apenas emprestou o nome para constar como presidente da empresa, mas que não tinha atuação. Negou ter produzido vídeos. Além disso, negou ter produzido ou divulgado vídeos envolvendo crianças e adolescentes ou ter se associado a pessoas para tais fins. Ressaltou ser possível rastrear quem produziu o material.
Em seu voto, o relator do processo de extradição no STF, o ministro Ricardo Lewandowski, registrou que "qualquer tese acerca de suposta falsidade das acusações, ou mesmo de que terceiros teriam confessado a autoria dos delitos, não obsta a extradição, visto que as partes devem limitar-se, nos termos do disposto no art. 91, § 1º, da Lei de Migração, à identidade da pessoa reclamada, a eventual defeito de forma de documento apresentado ou à ilegalidade da extradição".
A defesa de Valero pediu revogação da prisão ao STF, mas não teve sucesso. Ele está na ala destinada a presos com curso superior no pavilhão E do Presídio Central.
Encontros com personalidades e reportagens de economia
Antes de morar em Canoas, na Região Metropolitana, o jornalista mexicano Vladimir Leonel Valero Canseco viveu ou trabalhou em pelo menos três outros países, na Bélgica, na Holanda e na Costa Rica. Nesses locais, afirma ter trabalhado produzindo reportagens sobre economia, mercado e oportunidades de investimentos locais.
Além de ter sido recebido por autoridades do Rio Grande do Sul, Valero também apareceu ao lado de personalidades internacionais, encontros esses documentados em fotos acompanhadas de cartas de recomendação de chefes de governo.
Uma delas foi assinada pelo então primeiro-ministro da Bélgica, Jean-Luc Dehaene, que governou o país europeu entre 1992 e 1999. No documento, em seu último ano de mandato, o governante afirma que uma empresa chamada US Media fora convidada para escrever uma reportagem sobre oportunidades de negócios no país para o jornal The Daily News, dos Estados Unidos.
Valero, repórter encarregado do trabalho, aparece em foto ao lado de Dehaene. Em 7 de junho do mesmo ano, o jornalista entrevistou Vicente Fox, então governador de Estado mexicano de Guanajuato. Um ano depois, Fox seria eleito presidente do país, colocando fim à hegemonia do Partido Revolucionário Institucional (PRI), legenda que governou a nação por sete décadas e acusada de corrupção e fraudes eleitorais. O partido voltaria ao poder em 2012 com Henrique Peña Nieto.
Valero é recomendado por cartas de autoridades também na Costa Rica. Em 26 de julho de 2001, um documento do governo da nação caribenha atesta que o então presidente Miguel Ángel Rodríguez Echeverría recebeu representantes da Globalpress, entre eles o jornalista. O conteúdo é semelhante à carta escrita por autoridades belgas, só que, dessa vez, recomendando a empresários e políticos dessa outra agência de notícias, que estaria "interessada em escrever uma extensa reportagem sobre oportunidades e investimentos na Costa Rica" a ser publicada nas revistas The Economist e Red Herring.
Em sua defesa, Valero alega perseguição política no México. Ele afirma que deixou o país devido ao "desencanto com fraudes eleitorais" e por ter tomado parte do movimento estudantil de oposição ao governo do PRI. Em depoimento, destacou que, por conta de suas posições políticas, estaria em uma suposta "lista negra".
O jornalista conta que desde 1998 exilou-se na Holanda, tendo morado em Alphen aan den Rijn. Em sua defesa, destaca que o sistema jurídico mexicano "exerce controle político dos opositores, dissidentes e críticos e que as instituições não funcionam".
Longe de seu país, o advogado afirma que Valero passou a se manifestar ativamente em redes sociais, usando pseudônimos contra o PRI e Peña Nieto. Foi sob esse governo que, em junho de 2017, a Procuradoria-Geral do México realizou a ação coordenada com autoridades da Costa Rica, que prendeu 11 integrantes de uma organização transnacional de pornografia infantil nos dois países.
Em seu perfil na rede de contatos profissionais LinkedIn, Valero afirma ter trabalhado entre 2000 e 2009 como "jornalista e coordenador internacional para Globalpress Premiernews Corp". A descrição informa que se trata de uma agência independente de notícias baseada em Calgary, Canadá, e que tem em seu cardápio serviços prestados para publicações como The Economist, Wired, OECD Observer e Red Herring.
"Eu era dedicado a organizar, supervisionar e dar suporte editorial e de venda aos times da Globalpress no mundo", escreve no perfil.
Quase concomitantemente, entre 2002 a 2008, ele afirma ter trabalhado como consultor freelancer na empresa Comércio Eletrônico S.A, em San José, capital da Costa Rica. Antes, de 1998 e 1999, teria trabalhado com vendas de anúncios internacionais no Media Business Center em Overpelt, Bélgica.
Formado pela Universidade Nacional Autónoma do México, em Artes Livres e Ciências, onde estudou entre 1987 e 1990, Valero começou a vida profissional trabalhando com marketing na rede de hotéis Meliá, em 1997, em Punta Cana (República Dominicana) e em Cancún (México) e no hotel Plaza las Glorias, à época administrado pela Rede Sidek-Situr.
No Linkedin, Valero se apresenta atualmente como presidente do Grupo Runtz, supostamente com sede na capital paulista, desde fevereiro de 2017. Na foto do perfil, aparece segurando produtos de estética e suplementos alimentares. Ele também afirma trabalhar há oito anos como coaching, formado pela Sociedade Brasileira de Coaching, em 2012. Além de espanhol, seu idioma nativo, diz ser fluente em inglês, e ter nível básico de português e russo.
GZH não conseguiu localizar na internet as reportagens que Valero afirma ter escrito para revistas como The Economist. Também enviou e-mails às sedes das publicações, nos EUA, Canadá e Europa, questionando se o jornalista de fato publicou trabalhos nesses veículos, mas não recebeu resposta até a tarde desta terça-feira (27).