Um ano após se tornar centro da trama na qual é apontado como falso agente da Polícia Federal, Daniel Lopes da Silveira, 39 anos, deixou o Rio Grande do Sul e vive em Santa Catarina, monitorado por tornozeleira eletrônica. Depois de permanecer sete meses detido no Presídio Central, em Porto Alegre, Dan, como é conhecido, foi solto, com pagamento de fiança, e responde na Justiça Federal por forjar ser policial e por seis estelionatos.
Em fevereiro deste ano, a defesa conseguiu obter a liberdade provisória, desde que ele seguisse medidas ordenadas pela Justiça Federal. Entre elas, a proibição de manter contato com testemunhas de acusação ou familiares delas, obrigação de se manter afastado há mais de cem metros da ex-companheira (que levou o caso à PF), pagamento de fiança (inicialmente de R$ 30 mil, mas depois reduzida para R$ 5 mil) e monitoramento eletrônico. A fiança foi paga em 5 de fevereiro e Daniel foi solto no mesmo dia.
Desde então, é controlado pela Justiça Federal, por meio da tornozeleira eletrônica. Após receber a liberdade, seguiu para o Estado vizinho, onde vive nos últimos meses em condomínio residencial em São José, na Grande Florianópolis. Nesse período, retomou a relação com uma das mulheres que namorava em São Paulo antes de ser detido e divulga com frequência imagens dos dois juntos nas redes sociais.
Procurado por GaúchaZH, disse que está tentando trabalhar e retomar a vida. Declarou, por meio de mensagem enviada pelo WhatsApp, que foi vítima de vingança e que as acusações apresentadas contra ele são falsas. Dan disse que já apresentou sua defesa e que possui provas de sua inocência. Contou ainda que foi procurado por uma editora e pretende narrar o que passou em um livro.
— Preciso recomeçar minha vida, trabalhar e lutar para poder rever minha filha. Quero continuar acreditando na Justiça. E já paguei por qualquer erro que eu tenha cometido, ficando preso em um presídio, onde existem verdadeiros bandidos e criminosos de verdade. Os traumas de um presídio, a forma de tratamento, humilhação, onde se perde qualquer dignidade existente, jamais serão apagadas — disse.
"Se fosse filme, ainda seria muito surreal"
Entre as mulheres que afirmam ter sido vítimas de Daniel, está uma servidora pública de Santa Catarina, que relata ter começado a se relacionar com ele acreditando que era um policial federal. A mulher, que prefere manter a identidade preservada, diz que ele contava histórias ao filho dela, com quatro anos na época, porque o menino sonhava ser policial, atendia ligações, como se fossem de colegas da PF, e discutia as operações em andamento.
— Às vezes, ele vinha fardado e até deixava meu filho brincar com o coldre (da arma). Ele dizia ser da divisão de narcotráfico e contava muitas histórias. Em todos os lugares que íamos, ele estava armado — recorda.
Demorei a conseguir confiar e me relacionar com alguém de novo, e ainda hoje tenho meus momentos de insegurança, alguns dias são mais difíceis do que outros
SERVIDORA PÚBLICA
28 anos
A servidora diz ter emprestado cerca de R$ 30 mil ao então namorado, para a negociação de um terreno. Para isso, pediu dinheiro a familiares e fez empréstimos. Com o tempo, a relação passou a ficar conturbada, até que terminou, sem que ela recebesse o valor de volta. Quando descobriu que ele tinha registros na polícia por estelionato, percebeu que havia sido enganada. Por conta das dívidas, diz que voltou a morar com os pais, e passou a trabalhar muito e sofrer com depressão. Só soube da dimensão do caso quando ele foi preso. Para tentar reaver o dinheiro, moveu ação na Justiça.
— É comum homens que ocultam o verdadeiro estado civil, ou que mentem para a parceira para sair com outras mulheres. Mas que criam uma vida fictícia, quantos você conhece? Não conhecia nenhum, e nem achei que alguém seria capaz de fazer isso. É o tipo de história que se fosse filme, ainda seria muito surreal. Demorei a conseguir confiar e me relacionar com alguém de novo, e ainda hoje tenho meus momentos de insegurança, alguns dias são mais difíceis do que outros — relata.
Como agia
O caso foi descoberto em julho do ano passado, depois que a então companheira de Daniel, moradora da Região Metropolitana, procurou a PF. A assistente social, mãe de uma filha dele, contou aos policiais ter descoberto que Dan forjava ser agente federal há um ano e meio. Relatou que o companheiro saía de casa vestido com uniforme e guardava na residência colete com emblema da PF e armas — os materiais foram apreendidos (todos falsos, segundo a PF, assim como os armamentos eram de airsoft).
Quem acompanhava as redes sociais de Dan, encontrava fotos com símbolos da PF e, inclusive, ele posando ao lado de viaturas. Segundo as mulheres ouvidas no caso, ele afirmava fazer parte do Comando de Operações Táticas (COT), a tropa de elite da PF. Por isso, precisava viajar constantemente para outros locais, como São Paulo ou Brasília. Teria forjado uma missão de captura de um foragido na Venezuela e afirmado que seria transferido para os Estados Unidos. Para a PF, era tudo pano de fundo para obter vantagem das pessoas com quem se relacionava.
A partir do relato da primeira mulher, um grupo de outras ex-companheiras passou a procurar a polícia e relatar situações semelhantes. Ouvidas pela investigação, contaram que ele costumava andar armado e enviar fotografias como se fosse policial. Daniel foi preso de forma preventiva em 24 de julho do ano passado em shopping em São Paulo, onde mantinha relacionamento com outra mulher. Depois, foi trazido para o Rio Grande do Sul, onde permaneceu detido, até o início deste ano.
Os processos
Para o Ministério Público Federal (MPF), Daniel cometia os estelionatos de duas formas. Em uma delas, convenceria vítimas de que era agente federal e tinha influência para conseguir vistos e liberar mercadorias por valores mais acessíveis. E, com isso, obteria valores das vítimas. Foram constatados seis casos de golpes com essa prática. Na segunda modalidade, teria convencido mulheres, especialmente companheiras e namoradas, de que precisava de dinheiro para trocar de veículo ou regularizar imóveis. Foram identificados três casos com esse contexto.
Na Justiça Federal, Daniel responde a duas ações penais: uma aguarda sentença e a outra está em fase inicial. A primeira foi movida a partir de denúncia do MPF em setembro do ano passado. Nela, responde por dois estelionatos e por uso indevido de sinal público, por usar a marca, logotipo e sigla da PF, aparentando fazer parte do quadro de servidores. Este processo está pronto para receber sentença.
Em fevereiro deste ano, segunda ação foi movida por outros quatro casos — nos quais o MPF havia pedido mais informações à PF antes de apresentar a denúncia. Nesta mesma ação, ele responde por uso de documento falso e falsificação de documento público. Naqueles em que não havia envolvimento direto do nome da PF, o MPF requereu que os casos seguissem para a Justiça Estadual. Os três processos foram remetidos para as comarcas de Cachoeirinha, na Região Metropolitana, Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, e Criciúma, em Santa Catarina.
Contraponto
Responsável pela defesa de Daniel na primeira ação, o advogado Elton Soares, de Caxias do Sul, sustenta que o cliente não cometeu os estelionatos. O advogado reafirma que Daniel recebeu o direito de permanecer fora da prisão, com monitoramento por tornozeleira eletrônica e diz que agora ele aguarda a sentença.
— A defesa reitera a inocência do réu. Os fatos não se deram exatamente como constam na peça acusatória — argumenta.