Quem acompanhava as redes sociais de Daniel Lopes da Silveira, 38 anos, poderia mesmo acreditar que se tratava de um agente federal. Especialmente se não tivesse conhecimento apurado na área de segurança. Nesses perfis, Dan, como era conhecido, exibia fotos com símbolos da corporação e, inclusive, ao lado de viaturas. Usava roupas pretas, coletes táticos e portava armas.
Todos os itens, segundo investigação da própria Polícia Federal (PF), eram falsos. Boa parte deles adquiridos pela internet. No caso dos veículos, aproveitava-se do momento em que passava próximo de um deles, como no acesso ao Aeroporto Internacional Salgado Filho, para capturar a imagem. Aliado a isso, aparentava ter boa situação financeira. Circulava em bons carros. Um deles um DS 5, adquirido por uma das mulheres que afirma ter sido vítima de estelionato. Vestia-se com roupas de grife e era assíduo nas redes sociais.
As mulheres ouvidas pela investigação, que apura as acusações de estelionato contra o falso agente, preso no dia 24 de julho em São Paulo, contam que ele costumava andar armado e enviar fotografias como se fosse policial.
— Além de se apresentar como policial federal, usava uniforme ostensivo da PF. Portava arma. Sempre uma pistola com ele. Elas (vítimas) não sabem dizer se a arma era verdadeira ou não. É o que elas relatam. E trouxeram imagens para comprovar isso. Fotos que ele enviava, conversas. Todos depoimentos estão bem embasados — explica o delegado João Rocha, que coordena o inquérito na PF de Porto Alegre.
Em buscas realizadas na casa de uma das mulheres, na Região Metropolitana, os federais encontraram dois coletes, um deles com inscrição da PF, uma xícara com símbolo da PF, capacete tático, botas operacionais, coldres, algemas e bastão retrátil. Além disso, havia um fuzil, espingarda e pistolas de airsoft. Segundo o delegado, ele teria retirado a extremidade (de cor laranja), que diferencia das armas reais.
— Ele dava "carteiraço", dizendo que era da Polícia Federal, que precisavam respeitar ele. Ameaçou amigos meus, quando viram ele com outra mulher. Sempre dizendo que era policial. Usava isso — relata uma moradora da Região Metropolitana, que afirma ter sido enganada por ele.
Quando tiveram acesso às imagens em que o suspeito aparece portando armas, os policiais federais identificaram incoerências. Os modelos de armamentos não condizem com os utilizados pela corporação. A forma de segurar uma das pistolas exibidas em uma foto também é equivocada.
— Se um policial ou instrutor de tiro vê isso, percebe que esse cara não pode ser da PF — explica um dos agentes.
Juntas, as mulheres descobriram que o mais perto que Dan havia chegado da profissão de agente federal que ostentava nas redes sociais foram três semanas cursando Direito, em uma faculdade no Paraná. Sem apresentar documentos que comprovassem que havia concluído o Ensino Médio, interrompeu os estudos. A algumas mulheres, ele teria afirmado que tinha formação em turismo.
— O estelionatário tem esse perfil bom papo. Nunca é um cara desagradável. Ele se aproveitava disso — afirma o delegado Rocha.
Além da verdadeira escolaridade, Dan também escondia um histórico de registros policiais. Em outubro de 2017, quando esteve no Rio Grande do Sul em busca dele, uma servidora pública de Santa Catarina descobriu que havia mantido relacionamento com um suspeito de estelionato. Pediu a policiais que consultassem o nome dele.
— Aí que foi cair a ficha. Depois que já tinha terminado. Até então, acreditava que ele era policial — recorda.
As mentiras repetidas são um dos pontos que coincidem nos depoimentos das mulheres ouvidas pela PF. Dan afirmava fazer parte do Comando de Operações Táticas (COT), a tropa de elite da PF. E, por isso, precisava viajar constantemente para outros locais, como São Paulo ou Brasília. Para a vítima que mora na Região Metropolitana, teria forjado uma missão de captura de um foragido na Venezuela. Para isso, passava dias longe de casa.
Dan, segundo as mulheres, afirmava com frequência estar precisando de dinheiro para negociações e investimentos. Também dizia que poderia favorecer amigos e familiares das vítimas em alguns serviços prestados pela PF em troca de dinheiro. Era a forma de obter valores que chegaram a até R$ 100 mil, conforme uma delas . O comportamento ciumento e explosivo também é relatado com frequência.
— No início, era uma pessoa muito boa, até que começou a ter crise de ciúmes doentias. E aí eu que terminei. Dava uns rompantes que não era muito comum — relata uma das mulheres que afirma ter sido vítima.
Para o delegado Rocha, os ataques de ciúmes faziam parte de uma estratégia para encerrar o relacionamento e afastar as vítimas.
— Estava sempre buscando uma maneira de arrumar algum dinheiro. Quando estava devendo muito, sendo cobrado, buscava por meio de uma situação de ciúmes terminar aquele relacionamento. Ele gerou um prejuízo enorme para todas as pessoas para quem se passou por policial federal, com o objetivo do lucro financeiro. Traía não apenas a confiança das companheiras, mas dos parentes e amigos — afirma o policial.
O falso agente foi preso dentro de um shopping em São Paulo, carregando uma mala com roupas, notebook, agenda e celular. Os materiais serão encaminhados para perícia. Em depoimento, em Porto Alegre, segundo o delegado Rocha, ele admitiu que enganou as mulheres. O homem está detido no Presídio Central da Capital.
Contraponto
A advogada Josiane Schambeck informou que ingressou com pedido de liberdade do cliente e que Silveira está colaborando com as investigações. Ela enviou nota à reportagem.
"O pedido de liberdade do Daniel já foi protocolado, e o Ministério Público já foi intimado também para apresentar seu parecer sobre o pedido. Após isso, irá para apreciação e decisão do juiz responsável pelo processo. Por enquanto vamos aguardar tal decisão e, se for o caso, entramos com o pedido de habeas corpus para que ele responda pelas acusações em liberdade. Os fatos já estão sendo melhor esclarecidos e algumas acusações nem deveriam estar sendo discutidas na esfera criminal. Mas, por enquanto vamos aguardar a decisão do juiz referente ao pedido de liberdade e seguiremos trabalhando para este fim."
Josiane Schambeck
Como denunciar
Caso você tenha alguma informação, procure a Polícia Federal. O contato pode ser feito pelos telefones 51-3235-9013 ou 51-32359000 (horário comercial). Vítimas de outros golpes, que não tenham competência federal, podem procurar outros órgãos de segurança, como Polícia Civil (197).