A prisão de uma mulher em Porto Alegre, há um ano e meio, foi o ponto de partida para o Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) descortinar uma organização criminosa da Região Metropolitana, com ramificações no Interior. Alvo de operação nesta quinta-feira (6), o grupo é considerado um dos maiores distribuidores de cocaína e crack no Rio Grande do Sul. O esquema abastecia traficantes de uma facção, com berço no Vale do Sinos e atuação em diferentes regiões do Estado.
Até o momento, são 10 pessoas com prisão preventiva (sete delas já estavam no sistema prisional e duas foram detidas em Alvorada, na Região Metropolitana) e uma presa em flagrante por porte ilegal de arma de fogo, em Eldorado do Sul. Um dos presos em Alvorada estava sendo monitorado por tornozeleira eletrônica.
No topo da organização alvo da Operação Elo Perdido está um detento do Presídio Central, em Porto Alegre. Segundo o Denarc, ele era responsável por manter contatos, chefiar o recebimento de carregamentos de drogas de outros Estados e a distribuição em território gaúcho. O nome do investigado não foi informado pela polícia devido à Lei de Abuso de Autoridade. Mas GaúchaZH apurou que se trata de Rodrigo Afonso Bandeira dos Santos, 37 anos, o Rodrigo das Correntes.
Com antecedentes por tráfico, homicídio e porte ilegal de arma de fogo, o porto-alegrense já havia sido preso em outra operação do Denarc, na Capital, em 2012. Na época, era considerado principal distribuidor de drogas em Eldorado do Sul e apontado como "dono" de pontos de prostituição na Capital. Desde então, segundo a polícia, o criminoso ascendeu no universo do crime e, a partir de contatos com distribuidores de fora do Estado, passou a organizar o recebimento da droga e o repasse para outros traficantes.
— Trata-se de um grande atacadista da droga. Temos elementos que indicam, inclusive, a existência de laboratórios que realizavam a mistura da cocaína — explica o delegado Thiago Bennemann, titular da 1ª Delegacia do Denarc e responsável por coordenar a investigação.
Em uma das conversas interceptadas, em dezembro de 2018, Rodrigo das Correntes trata com outro membro do grupo — que estaria logo abaixo dele na cadeia hierárquica da organização — sobre o carregamento de 240 quilos de crack e 82 quilos de cocaína. Sete dias depois, recebem 132 quilos de crack e mais 32 quilos de cocaína. Em 12 de janeiro de 2019, em nova conversa, ele questiona sobre nova remessa e recebe imagens dos 173 quilos de crack e 50 quilos de cocaína. A droga, segundo apurou a investigação, era misturada com insumos e repassada para ser revendida pela organização.
— Este grupo se tornou um importante braço dessa facção, e atuava na distribuição de grandes quantidades de drogas. É, com certeza, um dos maiores distribuidores de crack e cocaína. Estamos atacando o topo da pirâmide do tráfico. Toda prisão contra o tráfico é importante, mas quando se impacta nas lideranças, o golpe é ainda maior — avalia o delegado Vladimir Urach, diretor do Denarc.
Ao longo da investigação, a polícia obteve conversas nas quais um dos integrantes do grupo prestava contas ao líder, enviando fotos das quantias de dinheiro adquiridas com a venda das drogas. Em uma das mensagens, conforme a apuração, Rodrigo das Correntes promete ao investigado — que seria responsável por armazenar e transportar os entorpecentes e fazer a contabilidade do grupo, entre outras funções — que em breve ele acumulará R$ 500 mil obtidos com o tráfico.
O Denarc estima que o grupo comercializasse mais de cem quilos de cocaína por mês. A movimentação de drogas e as somas de dinheiro fizeram a polícia comparar o esquema à atuação empresarial. Até maio deste ano, Rodrigo das Correntes cumpria pena com uso de tornozeleira eletrônica, mas foi alvo de outra operação, contra lavagem de dinheiro, e retornou para a prisão.
Os mandados
Além do chefe do grupo, a ação desta quinta-feira mira também investigados como distribuidores da organização criminosa, entre eles outras lideranças do tráfico de drogas, em cidades como Passo Fundo, Carazinho e Camaquã. Eles são apontados como os elos do grupo com o Interior. Ao todo, são cumpridos nove mandados de prisão preventiva (seis homens e três mulheres) em Porto Alegre, Montenegro, Guaíba, Charqueadas, Alvorada, Carazinho e Camaquã. A maior parte dos investigados já está na cadeia, mas teve prisão decretada novamente.
— Este núcleo que está sendo preso coordenava toda a parte operacional, da distribuição de drogas, principalmente na Região Metropolitana e também no Interior. Essas novas prisões, trarão novos processos, que fazem com que permaneçam presos por mais tempo — detalha o delegado Bennemann.
A operação também tem como objetivo tentar localizar residências e propriedade rurais utilizadas pelo grupo criminoso, como pontos de armazenamento e até produção da droga. A polícia interceptou conversas nas quais o grupo troca imagens de tijolos de cocaína, recém produzidos e usam a expressão "diretamente da cozinha". Nas mesmas trocas, segundo o Denarc, citam lideranças da organização criminosa como compradores das drogas produzidas.
Durante conversas interceptadas, a polícia descobriu que parte dos entorpecentes e valores são enterrados em toneis em diferentes áreas — estratégia usada por traficantes para tentar dificultar a localização por parte da polícia.
Por isso, foram cumpridos 18 mandados de busca e apreensão. As buscas foram realizadas em Porto Alegre (em quatro locais), Viamão (três pontos), Alvorada (três), Passo Fundo (três), Eldorado do Sul (dois), Canoas, Rio Grande e Cachoeirinha.
— É importante destacar o foco da investigação nas lideranças dessas organizações criminosas responsáveis pela distribuição de grande quantidade de drogas. E também a integração com outras instituições da segurança pública, já que o trabalho teve origem em uma parceria com a Brigada Militar — afirma o diretor de Investigações do Denarc, delegado Carlos Wendt.
O início
Em fevereiro de 2019, a prisão de uma mulher pela Brigada Militar, em Porto Alegre, deu início à investigação que culminou na operação desta quinta-feira. Enquanto tentavam localizar um veículo roubado, no bairro Santa Cecília, os policiais militares descobriram que o veículo estava no interior de um edifício. No local, prenderam uma mulher com drogas. Descobriram ainda no apartamento mais entorpecentes, armas e cerca de R$ 50 mil em dinheiro.
O local, segundo a polícia, era utilizado como base operacional do grupo criminoso em Porto Alegre. A mulher, de 29 anos, segue presa na Penitenciária Feminina de Guaíba, e é uma das pessoas que teve prisão preventiva decretada na operação. Ela seria uma das responsáveis por fazer o transporte de crack, cocaína e dinheiro, além de enviar entorpecentes para outros municípios, especialmente no Interior.