Há cerca de três semanas, na manhã de 11 de agosto, um casal seguia pela Avenida Edvaldo Pereira Paiva, a Beira-Rio, em Porto Alegre, quando ouviu um veículo buzinar e derrapar perto deles. O carro avançou em direção ao arquiteto de 33 anos, que seguia logo à frente da esposa, a engenheira civil de 28 anos. Assustados, os dois precisaram subir na calçada, batendo no meio-fio.
— Sinalizei porque ia subir na ciclovia. Só percebi quando ele estava em cima. Cantou pneu do lado da minha esposa, e avançou para cima. Buzinando com força. Dava para ver a roda. Se não tivesse conseguido entrar na ciclovia, ia bater a roda e cair — descreve o ciclista, que, assim como os demais ouvidos por GaúchaZH, pediu para manter a identidade em sigilo.
O relato dele se soma ao de outros ciclistas, que contam terem sido perseguidos e atacados pelo mesmo veículo: um Voyage branco. A maioria diz ter sido alvo também na Beira-Rio, normalmente ao amanhecer, por volta das 6h, no sentido Zona Sul-Centro ou contrário. Mas há casos em outras avenidas, como a Ipiranga e a Loureiro da Silva, e horários distintos — pelo menos um deles no início da noite.
— Infelizmente, não pude ver quem era o condutor nem se ele estava só ou acompanhado, já que o carro tem película escura. Continuamos o trajeto pela ciclovia, mas sempre olhando tudo, para ver se ele não surgiria de repente. Há vezes em que as pessoas são meio grosseiras, buzinam, jogam luz ou algum distraído passa perto. Mas a esse ponto de jogar o carro para cima, nunca tinha me acontecido — conta o arquiteto, que pedala desde 2018.
Ele entrou na ciclovia, veio invadindo e me empurrando, numa velocidade bem alta. Se não tivesse saído, teria me atropelado. Nunca tinha visto isso. É um potencial assassino. Está no trânsito com uma ferramenta que pode matar um de nós.
CICLISTA
Relata ter sido perseguido no bairro Cidade Baixa à noite
Embora não tenha visto quem estava na direção, assim como outros ciclistas, ele conseguiu anotar a placa do veículo. Isso trouxe a confirmação de que se tratava do mesmo carro branco, do qual já tinha lido relatos em grupo de WhatsApp. Quando percebeu que não era algo pontual e sim uma conduta repetitiva, considerou a situação mais grave e decidiu procurar a polícia. Até agora, pelo menos cinco vítimas foram ouvidas na investigação que apura o caso.
Quatro dias antes do episódio com o casal, outro ciclista pedalava pelo bairro Cidade Baixa, na Avenida Loureiro da Silva, por volta das 19h, quando o veículo se aproximou, com o mesmo comportamento. O porto-alegrense, que pedala como esporte há cinco anos, conta que logo depois o condutor diminuiu a velocidade e começou a gritar, com o vidro abaixado.
— Ele entrou na ciclovia, veio invadindo e me empurrando, numa velocidade bem alta. Se não tivesse saído, teria me atropelado. Depois seguiu gritando, como se estivesse me chamando para briga. Nunca tinha visto isso. Foi um susto. Quando olhei em um grupo, percebi que era o mesmo cara. É um potencial assassino. Está no trânsito com uma ferramenta que pode matar um de nós — preocupa-se.
Outro ciclista relata ter passado pela mesma situação mais de uma vez, mas não chegou a registrar o caso. Segundo a polícia, nos casos informados até o momento, não houve relato de lesões.
— Tentou me derrubar várias vezes, vem fazendo isso desde o ano passado. É extremamente perigoso — diz.
Temos indícios robustos de que esses fatos estão acontecendo. Não identificamos que seja um ataque contra pessoa específica. Não teria, até onde apuramos, uma vinculação. Trabalhamos na confirmação do veículo e da autoria.
MARCO ANTÔNIO DUARTE DE SOUZA
Delegado da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core)
Advogado foi alvo duas vezes
Um advogado de 56 anos conta ter sido alvo do mesmo veículo duas vezes. A primeira aconteceu no fim do ano passado, quando estava em um grupo de quatro ciclistas, pedalando também pela Beira-Rio.
— Estava por último e percebi que tinha um motorista bem perto. Pensei que talvez estivesse incomodado porque atravessamos a pista da esquerda para a direita. Ele deu uma fina em mim, passou perto de todo mundo, mesmo tendo espaço — relata.
Na segunda vez, em janeiro deste ano, o advogado pedalava sozinho, próximo à Rótula das Cuias, quando o mesmo veículo se aproximou em alta velocidade e passou próximo dele, quase batendo no meio-fio. O ciclista, que pedala desde 1983, diz que se preocupa especialmente com os que praticam a atividade há menos tempo. Com receio de que possa acontecer algo mais grave, também decidiu procurar a polícia.
— É um perigo. Quem é experiente no ciclismo, percebe quando está vindo, mas se é um iniciante, pode se desequilibrar. Neste período da pandemia muitas pessoas migraram para o ciclismo, como meio de transporte e de atividade física. Precisamos da consciência de todos, inclusive dos próprios ciclistas. Mas o maior deve defender o menor e não atacar — afirma.
Investigação
Segundo o delegado Marco Antônio Duarte de Souza, da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), com base no depoimento das cinco vítimas ouvidas, a polícia acredita que elas sejam escolhidas de forma aleatória. Em relação ao veículo, embora os ciclistas relatem que se trata do mesmo Voyage branco, e tenham anotado as placas, a polícia diz que ainda precisa confirmar, com provas, de que se trata deste carro e do condutor.
— Temos indícios robustos de que esses fatos estão acontecendo. Não identificamos que seja um ataque contra pessoa específica. Não teria, até onde apuramos, uma vinculação. Trabalhamos na confirmação do veículo e da autoria. Não temos essa informação de forma cabal — diz o delegado.
Em relação ao tipo de delito que o condutor pode responder, Souza afirma que dependerá de cada situação. Mas ele pode ser responsabilizado por tentativa de lesão corporal ou mesmo tentativa de homicídio.
— Se a lesão ou mesmo o homicídio só não aconteceu por ação da vítima, ele poderia vir a responder por esses crimes mais graves, usando o veículo como arma. Tudo depende de análise criteriosa. Estamos buscando imagens e trabalhando nesse sentido — garante.