Maria Helena Oliveira Lima, 64 anos, precisou reunir forças para desembrulhar o presente do último Dia das Mães. Fez isso na segunda-feira (11), mesma data na qual sepultou o filho Morôni Oliveira, 31 anos, em Porto Alegre. Retirou do pacote um copo de vidro com a inscrição “Mãe. Te amo. Obrigado por tudo”. Em busca de algum conforto, apegou-se naquela frase, como se pudesse encontrar nela as últimas palavras do caçula.
Morôni havia se mudado da casa dela no bairro Sarandi, na zona norte da Capital, há cerca de um ano. Alugou um apartamento em Alvorada, na Região Metropolitana, para ficar mais perto do filho. O menino completou cinco anos em março. No domingo (10), o rapaz foi encontrado morto dentro do imóvel, com pés e mãos amarrados. Duas hipóteses são investigadas pela polícia: homicídio ou latrocínio (roubo com morte), já que eletrônicos sumiram da moradia dele.
A mãe começou a desconfiar na noite de sexta-feira (8), quando enviou mensagem por WhatsApp para o filho e ele não respondeu. Os dois se falavam diariamente por telefone, desde que ele deixou de ir na residência dela devido à pandemia do coronavírus. Maria Helena está no grupo de risco porque, além da idade, sofre de diabetes e hipertensão. Antes disso, era comum o filho almoçar com ela. Morôni trabalhava em um supermercado no bairro Higienópolis, na Capital.
No domingo, recebeu um telefonema da mãe do filho de Morôni. Ela queria saber se ele estava na casa de Maria Helena e estava preocupada porque Morôni não fazia contato. O telefone estava desligado. Foi então que a família decidiu ir até o apartamento e descobrir o que estava acontecendo. Encontraram a porta aberta, somente com a grade fechada.
Podiam ter levado tudo, mas não a vida dele. Ele confiava tanto nas pessoas, não tinha maldade. Meu filho era muito querido, honesto e trabalhador. Foi muito cruel isso
MARIA HELENA OLIVEIRA
Mãe
Quando entraram no apartamento, com chave extra, encontraram o corpo dele. Segundo a mãe, desapareceram do imóvel três televisões, um notebook, um aparelho de som, dois relógios, um par de tênis e casacos de invernos, entre outros itens.
— Podiam ter levado tudo, mas não a vida dele. Ele confiava tanto nas pessoas, não tinha maldade. Meu filho era muito querido, honesto e trabalhador. Foi muito cruel isso — lamenta.
Adoção
Morôni era natural de Manaus, no Amazonas, onde Maria Helena morou por 11 anos. Ele foi adotado, assim como a irmã, e passou a viver com a família quando tinha um dia de vida. O recém-nascido recebeu o nome de um profeta do Livro de Mórmon. A mãe nunca escondeu a verdade sobre sua origem. Quando pequeno, o garoto insistia em saber se ela realmente o amava.
— A mãe te ama até o infinito — respondia todas as vezes, até que ele não precisou perguntar mais.
Quando Maria Helena se separou, ela e os dois filhos se mudaram para o Rio Grande do Sul. Morôni tinha cerca de seis anos quando passou a viver com a mãe a irmã na zona norte de Porto Alegre, na casa da avó materna. A mãe recorda do dia em que, ainda adolescente, ele recebeu o primeiro salário do estágio que havia conquistado. O filho chegou na porta de casa e entregou a ela o dinheiro.
— É para a senhora. Quero ajudar — disse.
O jovem depois trabalhou em um supermercado da Avenida Sertório e como vendedor em uma loja de roupas no Shopping Total. Seguia ajudando a mãe com as despesas. Mesmo quando estava sem emprego, auxiliava limpando a casa e varrendo o pátio. Mas sonhava em ter seu próprio lar. O emprego mais recente era como repositor de vendas de um supermercado.
Mesmo trabalhando na Capital, Morôni decidiu ir morar em Alvorada, para ficar mais perto do filho. Chegou a viver com a mãe do menino, mas depois decidiram que ele residiria sozinho no apartamento no bairro Onze de Abril, onde acabou acontecendo o crime.
— Ele era apaixonado por aquele filho. Tudo na vida era aquele filho. Eu às vezes até dizia “Morôni, não pode querer dar tudo. O dia que não puder, ele vai cobrar”. Mas ele queria dar o melhor. O menino agora chora muito por ele — lamenta Maria Helena.
O corpo de Morôni foi sepultado no início da tarde de segunda-feira, no Cemitério Jardim da Paz. Maria Helena recebeu, depois da morte do filho, o presente que ele havia pedido que entregassem a ela pelo Dia das Mães. Como não podia ir até a casa de Maria Helena, por conta do distanciamento social, ele já tinha comprado a lembrança e entregue a uma amiga. Com a tragédia, a mãe relutou em abrir o pacote. Não queria o presente. Mas então encontrou coragem e desembrulhou o copo, onde leu as últimas palavras de afeto do filho.
— Parecia uma despedida onde ele agradecia por tudo e dizia que me amava. Tenho impressão de que essa dor pode amenizar com o tempo, mas nunca mais vou ser a mesma. Tiraram um pedaço de mim — descreve.
A investigação
A polícia suspeita que Morôni tenha sido asfixiado e trabalha com duas hipóteses para o crime. Investiga se ele foi assassinado e depois teve parte dos pertences levados – eletrônicos desapareceram do apartamento – ou se foi alvo de um assalto e acabou sendo morto. O delegado Edimar Machado, da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Alvorada, diz que a causa da morte ainda não está esclarecida, assim como a motivação.
— Ele não tinha sinais aparentes de violência, nem mesmo estrangulamento. Pode ter sido sufocado, com um travesseiro, mas isso a perícia que irá apontar. Ou podem ter deixado amarrado e ele acabou tendo um infarto — afirma o policial.
Segundo o delegado, estão sendo ouvidas testemunhas e familiares da vítima. O prédio, conforme Machado, não possui câmeras de segurança. A polícia ainda está tentando localizar o prestador de serviço que teria ido ao apartamento para instalar o ar condicionado. A polícia acredita que o crime tenha acontecido entre sexta à noite e sábado.
— Não sabemos se, após isso, ele teve contato com outra pessoa. Por enquanto, não temos suspeita sobre a motivação. Ele não tinha antecedentes, não havia indicativo de briga no apartamento. Estamos tentando refazer os passos dele — disse.