No início de abril, os pais de Rafaella Freese da Silva pediram que ela optasse entre uma festinha para comemorar a chegada dos 10 anos e uma bicicleta. A menina escolheu o brinquedo como presente de aniversário. Divertiu-se pedalando poucos dias, até ter a rotina interrompida pela violência. Na última sexta-feira (17), foi baleada nas costas dentro de casa na Vila Universal, em Viamão. Segundo a polícia, os criminosos tinham como alvo rivais, que haviam morado na mesma residência. A família da criança, que segue hospitalizada sem movimentar as pernas, havia se mudado para o local há pouco mais de uma semana.
A sequência que culminaria com Rafaella ferida gravemente aconteceu rápido. A menina estava na sala com a irmã de seis anos, e o irmão caçula, de apenas três meses. O bebê repousava no carrinho e as duas assistiam desenho na televisão. Os pais, Carlos Rafael Matos da Silva, 29 anos, e Valeria Freese Salvador, 26 anos, dormiam na cama, quando começaram a ouvir estampidos, por volta das 8h30min. Levantaram num salto. As crianças correram assustadas. A mais nova, com o bebê no colo, escondeu-se na cozinha, e Rafaella no quarto dos pais.
Não se sabia se abria a porta, chorava, gritava. Quando parou o último tiro, saí correndo e gritando, com ela no colo. Pensamos que ela ia morrer. Ela é tão forte que me dizia “calma, pai, eu tô bem”
CARLOS RAFAEL MATOS DA SILVA
Pai de Rafaela
Valéria seguiu até a cozinha para acudir os dois menores, enquanto o marido foi até a porta da frente para entender o que acontecia. Retornou em disparada ao perceber que os tiros agora vinham da parte de trás da casa, perto do quarto onde estava Rafaella.
— Pensei em jogar ela para a cozinha, para se proteger. Mas eles acertaram um tiro no telhado e tomei um susto. Quando olhei para a janela do quarto, vi que três balas tinham perfurado. E a minha filha caiu na minha frente. Pensei que ela tinha tropeçado, no susto. Me joguei em cima dela. Foi muito rápido. Não vi que ela tinha tomado um tiro — recorda Carlos Rafael.
“Levanta, levanta. Pelo amor de Deus”, pedia o pai. Quando tocou o ombro da filha, percebeu que estava ensanguentado. Um tiro havia acertado a menina nas costas e transfixado o corpo, atingindo coluna e o pulmão. A sequência de estampidos ainda não havia terminado e a família entrou em desespero.
— Não se sabia se abria a porta, chorava, gritava. Quando parou o último tiro, saí correndo e gritando, com ela no colo. Pensamos que ela ia morrer. Ela é tão forte que me dizia “calma, pai, eu tô bem” — relata.
No táxi de um vizinho, rumaram em direção ao hospital de Viamão, onde a menina recebeu o primeiro atendimento. A criança, que passaria por mais duas casas de saúde, permanece internada em uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) na Região Metropolitana. Desde então, os dois revezam a permanência no hospital. A mãe passa o dia com a filha e o pai cuida da criança à noite.
— Só pedia para Deus salvar minha filha — conta Valéria.
— A gente está feliz por ela estar viva. Feliz demais. Ela poderia estar morta. Está se alimentado, conversando. Todo mundo alegrando ela. Mas não consegue mexer as pernas, não tem movimentação — completa o pai.
A família ainda não sabe por quanto tempo Rafaela precisará permanecer hospitalizada. A equipe médica não deu esperanças de que a criança recupere os movimentos, por conta da gravidade da lesão. Ainda assim, os pais rezam por outro desfecho: que ela retorne para casa, para poder brincar com os irmãos e pedalar, como havia pedido.
— Só queremos que a nossa filha volte a andar. Temos esperança. Ela tem uma fé tão grande. Ela não está triste. A gente se inspira nela mesmo, nesta força que ela tem. Para Deus, não é impossível — roga Carlos Rafael.
Doações
Além do drama, a família precisa lidar com a falta de recursos. Sem ter onde morar, os dois, desempregados, contam com a solidariedade de familiares e conhecidos, que têm contribuído com doações. Quem quiser auxiliá-los pode realizar depósito pela Caixa Econômica Federal nas seguintes contas:
Valéria Freese Salvador
- Agência: 0959
- Operação: 013
- Conta: 00034322-2
Valentina F Salvador
- Agência: 0959
- Operação: 013
- Conta: 00043198-9
Apenas correntistas podem fazer a transferência, ou qualquer cidadão pode ir a uma agência da Caixa e realizar a operação.
Investigação
Segundo o delegado Guilherme Calderipe, da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Viamão, quando efetuaram os disparos de pistola calibre 9 milímetros contra a casa da família os criminosos acreditavam que rivais residiam nela. Mas a família havia comprado o imóvel e se mudando há cerca de 10 dias.
— Atiraram na casa porque pensaram que os outros moravam ali. Os outros alvos. Mas eles mudaram de endereço — relata o policial.
Os mesmos criminosos teriam sido responsáveis por matar um rival em outra casa próxima com cerca de 20 tiros. O crime está vinculado à disputa entre facções. Conforme o delegado, um suspeito do crime já foi identificado. A polícia trabalha para identificar os demais envolvidos. Ainda apuram quantos atiradores participaram da ação.