Nos últimos cinco anos, entre 2014 e 2018, 29 adolescentes internos da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (Fase) foram vítimas de mortes violentas. Do total, 18 foram assassinados durante saídas autorizadas pelo juízo para visitar familiares ou realizar cursos. Um outro caso foi de execução de um adolescente enquanto ele se deslocava para uma audiência judicial sob escolta, o que não impediu quadrilheiros de fazerem a abordagem fatal a tiros.
Autoridades e especialistas nos temas da infância e juventude são unânimes ao apontar que a letalidade contra adolescentes infratores é reflexo da guerra entre facções do tráfico, que desde cedo estão cooptando jovens, os tornando alvos de inimigos ou mesmo vítimas de queima de arquivo. Confira abaixo a entrevista com André Severo, diretor socioeducativo da Fase.
Qual a avaliação sobre as mortes violentas de 29 internos?
São números significativos. Nos casos que ocorreram nas saídas externas, certamente foram alvejados por desafetos, pela conexão que eles têm com o crime organizado. Um menino em cumprimento de medida tem um passado criminoso em relação às facções. É uma coisa que não damos muita ênfase dentro do sistema socioeducativo porque isso passa a ser nocivo.
Às vezes, apenas por residir em determinado bairro, ele acaba se intitulando 'faccionado' e isso cria conflitos na vida dele. Dentro das unidades da Fase, mantemos eles sem separação, convivendo juntos e com grande vigilância. A gente procura fazer trabalho de integração, com todo o cuidado, porque sabemos que eles têm os seus vínculos. Eles participam de oficinas profissionalizantes, atividades ocupacionais, o cotidiano é de integração sob vigilância.
Mas, quando eles saem sob autorização judicial para ir em casa, muitas vezes voltam para onde certamente tem seus conflitos. Acaba sendo a hora da prestação de contas. Alguns deles não retornam das saídas autorizadas, acabam evadindo. A saída é na sexta ou sábado, com retorno na segunda pela manhã. Quando ocorre evasão, comunicamos ao judiciário, que emite mandado de busca e apreensão. O jovem regride para o sistema em que as saídas não são autorizadas.
O caso em que um interno matou o colega de alojamento por sufocamento teve relação com disputa de facção?
Não. O adolescente que praticou o assassinato fez isso porque queria ir para o sistema penal adulto. Ele verbalizou a intenção. Ele estava cumprindo medida socioeducativa, completou 18 anos aqui dentro e praticou esse ato com o intuito de ir para o presídio. Alguns jovens acreditam que o sistema penal adulto pode dar maior liberdade. Eles não gostam muito de cumprir regras, e nós temos na Fase muitas regras, com horário para acordar, ir para a escola e cursos. Temos um plano de atendimento rigoroso. Esse jovem acabou conseguindo o que queria (depois de estrangular e matar o colega, foi para o sistema prisional adulto pelo assassinato). Veja a que ponto chega o ser humano.
As quadrilhas estão monitorando os internos para saber dos seus deslocamentos externos?
Ocorreram execuções em algumas situações, como demonstram os números. Tivemos também casos em que o grupo ao qual o jovem pertence faz a abordagem, sabendo onde ele vai estar, que é para fazer o resgate e levá-lo de volta à facção. As pessoas e os familiares sabem onde eles têm audiência judicial e acabam acontecendo contatos. A Brigada Militar (BM) é nossa parceira e faz a escolta quando se trata de um adolescente de risco. Tentamos compartilhar informações com a BM para verificar o risco real de resgate ou de execução. Mas há ocasiões em que as informações não batem ou em que o adolescente não relata nada.
Ampliar o Programa de Oportunidades e Direitos (POD) é um meio de proteção e ressocialização?
Quando o jovem adere ao POD, o reingresso dele na Fase é de apenas 8%. Já entre os que não aderem, o reingresso sobe para 32%. A adesão fica a critério do adolescente. Por vezes, o comprometimento dele com o crime organizado é tão grande que acaba não aderindo. Os jovens que participam são acompanhados por equipes de assistentes sociais e psicólogos por mais um ano depois que se tornam egressos da Fase. Eles são encaminhados para cursos profissionalizantes pelo CIEE e tem direito a uma bolsa.