Elo entre Iraí, na divisa com Santa Catarina, e Canoas, na Região Metropolitana, além de estrada da produção, a BR-386 é também uma das mais atrativas para o tráfico no Rio Grande do Sul, especialmente o comércio de maconha. Neste ano, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu 6,8 toneladas da droga na rodovia — o que representa 71% das apreensões desse tipo de entorpecente realizadas pela corporação no Estado.
Do meio de uma carga de grãos de milho, dentro de um caminhão, agentes da PRF encontraram 2,7 toneladas de maconha na noite do domingo (15) em Seberi, no norte do RS, a 415 quilômetros de Porto Alegre. O carregamento teria partido do Mato Grosso do Sul com destino a Montenegro, no Vale do Caí. Dali, seria dividido para outros municípios. Mas o motorista foi interceptado após percorrer cerca de 50 quilômetros em território gaúcho.
A constante circulação de veículos, como caminhões carregados de grãos, e o fato de ser um dos principais trajetos que ligam o RS ao oeste catarinense e ao Paraguai são pontos que tornam a BR-386 chamariz para o tráfico. Aliciar condutores que transportam carga para esconder os entorpecentes entre os produtos transportados é estratégia do crime.
— É a rota mais relevante. Grande parte da maconha que chega ao RS, quase toda, entra por essa rota, que pode abastecer vários polos consumidores, como Soledade, Passo Fundo e Lajeado. E chega até a Região Metropolitana, a mais importante. Também é uma rota bastante utilizada por caminhoneiros e isso facilita para esconder as cargas — explica o delegado Vladimir Urach, diretor do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc).
Em uma apreensão do dia 7, o motorista relatou que recebeu R$ 10 mil para fazer o transporte. O nervosismo dos condutores é um dos indícios que acende o alerta nos policiais, que também contam com informações de inteligência para filtrar quais veículos irão parar em eventual blitz.
— As pessoas perguntam como a gente sabia que a droga estava naquele caminhão. Para chegar nele, antes, revistamos muitos. É uma busca constante, trabalhosa. Mas as apreensões realizadas aqui impactam em todo o Estado. Atingem o tráfico e refletem nos homicídios, roubos de veículos, até mesmo lavagem de dinheiro — relata o chefe de operações da PRF em Sarandi, Cleverson Batista.
Outra modalidade de transporte de drogas, conhecida como "cavalo doido", é posta em prática por criminosos que recebem dinheiro para seguir em um veículo roubado até o Paraguai, abarrotar de entorpecentes e retornar. É comum que outro automóvel, sem carga, acompanhe, identifique as barreiras e alerte o outro motorista. Em julho, em Sarandi, a PRF recolheu 445 quilos de maconha em uma Palio Weekend.
Localizar os carregamentos não é tão simples, quando se tratam de veículos de grande porte. Em abril, em Seberi, os agentes reviravam de ponta a ponta um caminhão carregado de soja. O motorista estava nervoso e o cão farejador dava sinais de que havia algo suspeito no veículo. Somente após oito horas de buscas, os policiais descobriram um fundo falso na carreta. No esconderijo, havia 1,3 tonelada de maconha.
— Demanda capacitação constante e muito treinamento para identificar os compartimentos ocultos. Às vezes, não escapa de ser necessário cão farejador ou alguma outra ferramenta _ afirma Cássio Garcez, chefe da comunicação da PRF no RS.
Em abril do ano passado, seis toneladas de maconha foram apreendidas também na BR-386, em Lajeado, no Vale do Taquari. Foi a maior quantidade da droga já recolhida pela PRF no Estado. O motorista relatou que deveria seguir até Novo Hamburgo. A droga, segundo a polícia, seria entregue a uma facção criminosa, com base no Vale do Sinos.
— A 386 é a maior rota de entrega drogas no Estado e a mais antiga. A maconha que vem para cá é toda do Paraguai, o maior produtor mundial. Por questão de valores, por ser mais barata, para ter interesse econômico, a maconha tem de ser transportada em grande quantidade — diz o delegado Roger Cardoso Soares, da Delegacia de Repressão às Drogas da Polícia Federal do RS.
Outras rotas
Embora reconheça a relevância da BR-386 na rota do tráfico, o superintendente da PRF no RS, Luís Carlos Reischak, afirma que a rodovia não é a única que demanda atenção constante. A maior apreensão de pasta base de cocaína aconteceu em agosto na freeway, em Gravataí. A carga de 359 quilos da droga, avaliada em R$ 7 milhões, estava escondida no fundo falso de um caminhão de Santa Catarina.
Segundo a Polícia Civil, drogas sintéticas também costumam chegar ao RS a partir do território catarinense, pelas rodovias do Litoral, ou vindas da Europa, pelos aeroportos. Para localizar remessas de narcóticos, as polícias apostam nos trabalhos integrados, investimento em inteligência para identificar suspeitos e capacitação de agentes.
— As apreensões que a PRF vem realizando nos últimos anos na BR-386 são decorrentes das ações permanentes de enfrentamento qualificado ao crime organizado, desenvolvidas nesta e em outras regiões estratégicas. É uma rota, mas não é a única. O enfrentamento aos crimes transfronteiriços, em especial tráfico de drogas e armas, é realizado em todo o Estado — afirma o superintendente
A maior apreensão de maconha neste ano no RS não aconteceu na BR-386. Em um depósito na zona norte de Porto Alegre, a Brigada Militar descobriu 4,6 toneladas da droga. Mas neste caso a polícia também afirma que os entorpecentes tenham vindo para o RS pela mesma rodovia.
Valores
Neste ano, a PRF apreendeu 6,8 toneladas de maconha na BR-386. Cada quilo, segundo a polícia, é comprado por R$ 500. Ou seja, a polícia retirou pelo menos R$ 3,4 milhões dos traficantes.