O ingresso de novos servidores nos últimos meses vem como promessa para reduzir o déficit histórico nos órgãos de segurança. Mas vai ser preciso mais para atacar o problema. Dados obtidos por GaúchaZH via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que, nos últimos cinco anos, mais servidores saíram do que ingressaram.
Entre 2014 e 2018, os desligamentos passaram de 20,5 mil. Por outro lado, entraram 10,5 mil funcionários — um déficit de cerca de 10 mil. É como dizer que a cada dois servidores que saíram dos órgãos de segurança, um novo foi contratado.
Ano a ano, mais de 4 mil servidores deixaram os órgãos públicos, à exceção de 2018, quando foram pouco mais de 3,1 mil. O ano passado foi o único com saldo positivo — mais ingressos do que desligamentos — resultado de concurso de mais de 6,1 mil servidores para segurança anunciado em 2017.
Nos cinco anos analisados, a aposentadoria foi o principal motivo para a redução de servidores nos quadros. Durante o período, foram mais de 11 mil — o que representa 54,3% do total. Em 2016, houve pico de saída de servidores. Deixaram os órgãos de segurança 4.760 funcionários — quase 80% são da Brigada Militar e 16% da Polícia Civil. Deste total, 3.130 se aposentaram — o que representa 66%. A maior parte das aposentadorias foi de policiais militares (75%).
De acordo com o comandante da Brigada Militar, coronel Mario Yuko Ikeda, a saída por este motivo começou a ser registrada a partir de 2015, quando o Estado deixou de conceder abono de permanência para os PMs.
— O que nos preocupou bastante foi o período de 2015 a 2016, quando o número de reservas passou de 2 mil servidores. O que se precisa é de inclusão regular da Brigada Militar e da Polícia Civil, para ter números que não oscilem tanto. O problema é que não há regularização — observa Ikeda.
Conforme o subchefe da Polícia Civil, Fabio Motta Lopes, a saída significativa em 2016 reflete o término do tempo de serviço de uma turma grande que ingressou em 1996 — o que também ocorreu na Brigada Militar. No modelo atual de aposentadoria, para se desligar da corporação, é preciso ter 30 anos de contribuição para homens (desses, 20 anos de atividade policial) e 25 anos para mulheres (desses, 15 anos de atividade policial).
— Quem tem tempo de contribuição, corre e se aposenta — salienta o delegado.
Para o presidente do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil (Sinpol), Emerson Lopes Ayres, um dos motivos para explicar as aposentadorias é a inexistência de benefício para a permanência na atividade, passado o tempo de contribuição. Para o sindicalista, o governo deveria fazer concursos anualmente, chamando mil servidores por vez.
Na Polícia Civil, o segundo motivo para saída de servidores são os desligamentos. O subchefe da corporação reconhece que a situação está relacionada a busca por melhores remunerações encontradas em outros órgãos.
— Isso aconteceu muito na última turma quando se teve muitos aprovados na Polícia Rodoviária Federal (PRF). Em alguns casos, eles optam por receber até menos, mas ficar perto de casa — observa Motta.
Para o presidente do sindicato, os desligamentos estão relacionados ao plano de carreira na corporação, que não prevê adicional para quem tem pós-graduação, por exemplo. No entanto, o subchefe da Polícia Civil observa que, apesar disso, a formação adicional conta pontos para promoções.
O corte de horas extras e o pagamento parcelado de salários —registrados a partir do governo de José Ivo Sartori — é uma das explicações para a saída dos servidores da BM, na avaliação do presidente da Associação dos Sargentos Subtenentes e Tenentes da Brigada Militar e Bombeiros do RS, Aparício Santellano. Segundo o policial, o Estado registrou aumento da população nos últimos 20 anos, enquanto o número de PMs diminui.
Na Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), mais de mil servidores saíram nos últimos cinco anos. Apesar da situação, houve mais ingressos do que saídas no órgão durante o período de cinco anos, com saldo positivo de 1.046 funcionários. Entretanto, de acordo com o primeiro-secretário da Amapergs, Rogério Mangini, sindicato que representa os agentes penitenciários, durante o período foram abertos pelos menos duas prisões — o Complexo Prisional de Canoas e a Penitenciária Estadual de Porto Alegre, que exigiram novos servidores.
O sindicalista defende a convocação dos mais de 500 aprovados no último concurso, que vai vencer em agosto. Segundo Mangini, o sindicato já pediu a prorrogação para o governo do Estado, mas ainda não houve retorno.
Soluções para o problema
Na Polícia Civil, 412 inspetores e escrivães se formaram no começo de julho e, no dia seguinte, já passaram a trabalhar em delegacias. Conforme o subchefe da Polícia Civil, outros 1,2 mil foram aprovados e a intenção é chamar entre 200 a 300 novos agentes no segundo semestre. Já sobre o concurso de delegados, que está em andamento, a previsão é iniciar o curso no segundo semestre.
Na Brigada Militar, ocorreu na sexta-feira (26) a formatura de 507 PMs, em Porto Alegre. No total, 2 mil concluíram o curso preparatório. A intenção do governo é garantir a permanência de cinco policiais militares em cada município gaúcho, além do policiamento 24 horas em todas as estradas estaduais cobertas pelo Comando Rodoviário.
Contraponto
GaúchaZH procurou a Secretaria da Segurança Pública para entender o que tem sido feito para reverter essa situação. Confira a nota enviada na íntegra:
A Secretaria da Segurança Pública já concretizou, em apenas seis meses de governo, o ingresso de 412 novos inspetores e escrivães da Polícia Civil e de cerca de 2 mil policiais militares, cujas formaturas serão realizadas a partir dessa sexta-feira, reforçando a presença da Brigada Militar em todas as regiões e garantindo efetivo mínimo de cinco policiais militares em todos os municípios do Estado.
Em abril, se formaram 120 novos agentes penitenciários que já estão atuando no sistema carcerário. No mesmo mês, o governo convocou mais 250 aprovados em concurso para compor o efetivo da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), que devem começar a atuar a partir de setembro. No Corpo de Bombeiros Militar, há 149 alunos em curso de formação, que irão reforçar a tropa a partir de setembro.
Embora se compreenda as cobranças das categorias por reposição de pessoal, é de conhecimento de todos a grave situação financeira enfrentada pelo Estado. A possibilidade de novas nomeações não se trata, portanto, de uma questão de vontade, e, sim, de observar a sustentabilidade das contas e os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal para gastos com pessoal, sob pena de o Estado sofrer bloqueio de repasses federais, o que ampliaria o já grave quadro financeiro.
Como obtivemos os dados dessa reportagem?
GaúchaZH fez dois pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) para a Secretaria da Fazenda referente ao período de 2014 a 2018. No primeiro, foram solicitadas contratações de servidores da Polícia Civil, Brigada Militar, Instituto-Geral de Perícias, Superintendência dos Serviços Penitenciários e Corpo de Bombeiros. No segundo, saídas de funcionários, no mesmo período, dos mesmos órgãos. A partir dos relatórios, fizemos dois cruzamentos: do número total de desligamentos e de contratações, que resultou na proporção de um ingresso para cada duas saídas, e também por órgão — neste caso, verificamos que apenas a Susepe teve saldo positivo de contratação de agentes penitenciários.