Em maio de 2013, o aniversário de quatro anos de Kaíke Sodré Drosdosky foi interrompido por uma forte dor no corpo seguida de vômito. Pouco depois de conseguir atendimento médico em Dom Feliciano, cidade onde vivia com a família no sul do Estado, o menino não resistiu ao quadro de intoxicação e morreu.
Sem problemas de saúde, a suspeita dos médicos e familiares era de envenenamento na alimentação. Pouco antes de passar mal, Kaíke havia tomado um pote de iogurte dado como presente de aniversário pela madrinha – que até então não despertava desconfiança. Mesmo assim, os procedimentos fúnebres seguiram normalmente. Responsável pela investigação na época, a delegada Vivian Sander Duarte lembra que o menino já estava sendo velado no dia seguinte à morte quando uma familiar apareceu na DP de Dom Feliciano com dois potes de iogurtes, dizendo que Kaíke havia sido envenenado – a madrinha, Laura Fernandes da Luz Drosdosky, 47 anos, está condenada por essa e outra morte.
— Na tampa, parecia que tinha um furinho. Na mesma hora, pedi para que lacrassem o caixão e levassem o menino para necropsia. O IGP (Instituto-Geral de Perícias) foi super-rápido e em menos de uma semana emitiu laudo apontando que havia carbofurano (inseticida) no corpo.
A análise dos potes de iogurte – um aberto e outro fechado – foi realizada pelo Departamento de Perícia Laboratorial do IGP. O setor que fica na Avenida Ipiranga, na área central de Porto Alegre, é responsável por análises de todo o Rio Grande do Sul. Nesse caso, duas perícias diferentes foram realizadas, uma no iogurte (chamado de material bruto) e outra em amostras do estômago e fígado (material biológico). As peritas Carolina Lupi Dias e Viviane Fassina foram as responsáveis pela análise, considerada um sucesso pelo IGP e apresentada em congressos de perícia criminal.
A primeira fase foi analisar o iogurte fornecido pela madrinha ao menino. Com todo o material à disposição, as peritas precisaram realizar uma filtragem prévia no iogurte, trabalho praticamente manual com usos de solventes. A ideia com esse procedimento é diminuir a quantidade de componentes para facilitar o trabalho dos equipamentos na busca pelo veneno.
— (No material) tem o que tu estás procurando, mas também tem o que tu não queres, então temos de fazer seleções prévias. Ao invés de pegar mil substâncias, tu vais pegar 150. E talvez dentro disso tu vais pegar a do teu interesse — explicou a perita Viviane.
O resultado dessa extração inicial é levado a um equipamento usado para separar as substâncias, chamado de cromatógrafo. A primeira análise é feita por meio de detecção ultravioleta. Se houve indicativo de presença de veneno, o material é levado a outro cromatógrafo, o gasoso, que consegue identificar a massa de cada um dos componentes.
— Ela vai te mostrar fragmentos específicos da massa daquelas substâncias. O carbofurano tem massa específica, com um espectro (forma que aparece na tela de um computador) que já existe em uma biblioteca, com padrões. E a gente compara esse espectro padrão com o que a amostra está apresentando — explica Viviane.
Ao lado da máquina, um gráfico é exibido na tela de um computador mostrando o espectro de cada um dos componentes encontrados. Um pico no monitor é o sinal de que o carbofurano foi localizado. Por ser substância comum em investigações, o formato do inseticida foi reconhecido pelas peritas e confirmado pelo computador em consulta aos padrões cadastrados.
Mesmo com a descoberta do veneno no iogurte, era necessário comprovar que o mesmo composto estava presente também no corpo do menino. Esse procedimento foi feito pela perícia biológica, que analisa os restos mortais da vítima.
— Recebemos o estômago e fígado do menino e realizamos as análises. Esse material é submetido a uma extração, com solventes, e esse extrato é encaminhado para análise instrumental — conta a perita Caroline.
A partir disso, o processo a ser realizado com o extrato é semelhante ao que foi feito com o iogurte. Nesse caso, foi localizado também no corpo de Kaíke o carbofurano, confirmando o crime.
— Os médicos quando atendem uma pessoa percebem sinais de envenenamento, mas, para comprovar, somente através de laudo pericial — completou a delegada.
Morte da avó foi com mate
Imediatamente após descobrirem que o menino havia sido morto pela madrinha, a família recordou que a avó do menino – e também sogra da acusada – Cecília Drosdosky, 72 anos, havia morrido repentinamente 45 dias após tomar um chimarrão servido por Laura. Até então, sem nenhuma suspeita, a morte da idosa foi considerada natural.
— Depois que confirmou que o Kaíke havia morrido envenenado, pedi a exumação do corpo da Cecília e foi constatado o veneno — disse a delegada Vivian Duarte.
Nesse caso, por envolver um corpo em decomposição havia mais de 45 dias, o tipo de perícia precisou ser alterado. O estômago está vazio e seu conteúdo não pode ser analisado. Aos peritos, resta identificar uma “membrana seca” semelhante a um pequeno pedaço de papel.
— Nesses casos, a gente procede com uma lavagem, e essa solução é submetida ao mesmo processo de extração (do caso de Kaike). Mesmo sendo a lavagem, foi suficiente para trazer carbofurano presente ali —disse a perita Carolina Dias.
Essa análise, somada à investigação na morte do menino, foi essencial para a mulher ser condenada também por esse assassinato.
— A gente deu materialidade à prova para a delegada conseguir indiciar essa pessoa por dois homicídios. Se não tivéssemos conseguido detectar no material biológico da exumação, não poderia ser relacionado — completou a perita Viviane Fassina.
AS SENTENÇAS
-No dia 30 de maio, Laura Fernandes da Luz Drosdosky foi condenada a 29 anos e seis meses de prisão por homicídio quintuplicamente qualificado pelo Tribunal do Júri por causa do assassinato de Kaíke. As qualificadores do homicídio foram motivo fútil, com emprego de veneno, mediante dissimulação, recurso que dificultou defesa da vítima e também por ser crime cometido contra criança.
-Ela já havia recebido antes a condenação a 23 anos e seis meses de prisão pela morte da avó do menino, Cecília Drosdosky, 72 anos, por homicídio qualificado.
-Uma terceira condenação é a 16 anos e 4 meses de prisão por tentar matar, duas vezes, a ex-cunhada também com uso do carbofurano.
-A mulher cumpre pena no regime fechado no Presídio Feminino Madre Pelletier.
CONTRAPONTO
À Justiça, Laura negou a autoria dos quatro crimes pelos quais responde.