Passo Fundo, uma das maiores cidades do norte do Rio Grande do Sul, está em frenesi desde que um dos mais conhecidos policiais da região, o delegado federal Mário Vieira, foi afastado do cargo esta semana, por determinação da Justiça Federal. Ele é suspeito de ter obtido vantagens pessoais em arrecadações que fazia, destinadas a uma comunidade terapêutica que trata dependentes químicos, a Maanaim, da qual é dirigente. A investigação que levou ao seu afastamento - e também ao recolhimento de sua arma, suas credenciais e à proibição de que frequente a delegacia da PF - foi conduzida pelos procuradores da República Carlos Eduardo Raddatz Cruz, Cinthia Gabriela Borges, Fernanda Alves de Oliveira, Fredi Éverton Wagner e Ricardo Gralha Massia.
Vieira atuou como delegado em Passo Fundo diversas vezes nos últimos 20 anos. Dentre outros casos famosos, ele presidiu o inquérito que levou à prisão o advogado Maurício Dal Agnol, suspeito de ter se apropriado de dinheiro de 30 mil clientes num golpe envolvendo ações judiciais contra a extinta CRT.
O delegado também ganhou a alcunha de "xerife" na condução de inquéritos que envolvem disputas territoriais entre indígenas e colonos brancos, na região norte do Estado. Tem fama de durão.
Até por isso, foi com grande surpresa que a comunidade passo-fundense recebeu o afastamento de Vieira. Uma das suspeitas levantadas pelos procuradores é que o delegado tenha coagido pessoas investigadas em inquéritos da PF a "colaborarem" com a comunidade de tratamento de dependentes químicos. É o caso de um grupo de sócios de uma rede de farmácias, investigada por falsidade documental. Eles contribuíram com R$ 86 mil em doações para a entidade. Dois meses após fazerem depósitos em dinheiro em nome da Maanaim, o delegado arquivou o inquérito que os investigava.
O MPF considera "injustificável" que o delegado não tenha se abstido de investigar pessoas que fizeram vultosas contribuições à instituição que ele dirige, a Maanaim. Ao determinar o afastamento de Vieira do cargo, o juiz federal Rodrigo Becker Pinto ressaltou:
"Não há qualquer justificativa para que lhe tenham sido transferidos, da instituição Maanaim, R$ 148 mil em cinco anos. Nem para que a instituição arque com pagamento de seus condomínios residenciais, despesas com oficina mecânica para conserto de veículo pessoal, escola dos filhos, entre outras coisas".
A investigação do MPF relaciona também outros fatos suspeitos. Entre eles, o delegado teria deixado de indiciar criminalmente empresários suspeitos de lavar dinheiro e cometer fraudes. Eles seriam defendidos por um advogado, seu amigo, que é do conselho fiscal da entidade Maanaim. No relatório à Justiça, o MPF conclui: "No curso das investigações, foram identificadas provas de que Mario Luiz Vieira, fazendo uso do cargo de Delegado de Polícia Federal, teria solicitado e recebido valores de pessoas por ele investigadas ou com interesse direto nos inquéritos policiais sob sua responsabilidade, inclusive praticando e deixando de praticar atos de ofício".
"Perseguição irresponsável do MPF", defende-se o delegado
GaúchaZH tentou contato com Mário Vieira, mas ele não atendeu às ligações nem retornou os recados. No entanto, o delegado falou à Rádio Uirapuru na última quinta-feira (24). Em entrevista ao vivo, ele acusou procuradores da República que o investigam de "perseguição". Vieira ainda os responsabilizou, caso algo lhe aconteça. GaúchaZH reproduz trechos da fala dele:
"Deixaram um delegado federal que prendeu vários criminosos perigosos desarmado, sem carteira de polícia. Esse delegado pode ser morto facilmente, sob responsabilidade de autoridades irresponsáveis que levaram a uma decisão judicial equivocada e extravagante", disse. Vieira afirma que não tem "culpa no cartório" e desafiou todos a provarem que é corrupto.
"A minha conta bancária está negativa, o colégio do meu filho está atrasado, não sei nem como vou fazer pra pagar. Dizem que sou corrupto só porque coletei colaborações para a instituição de tratamento de dependentes químicos. Eu realmente presidi um inquérito contra o sócio de uma rede de farmácias, sobre uma farmacêutica irregular em Flores da Cunha. Eu entendi que um homem com 500 farmácias não tem como saber sobre o horário de uma farmacêutica", defendeu-se o delegado.
Vieira diz que a Maanaim é uma obra espiritual. E acredita que está sendo vítima de um equívoco. Ele diz que vai tentar voltar ao cargo por decisão judicial. O delegado convida os procuradores que o incriminam a visitar o centro terapêutico. "Tenho pouco mais de 20 internos no momento. Já cuidei de mais de 4,5 mil dependentes químicos, de quantos os procuradores já cuidaram? Tenho a maior honra disso".