O laço entre o tiro esportivo e a defesa pessoal traduz-se na história de Alexandre Schirmer, proprietário de uma farmácia em Rainha do Mar, uma das praias de Xangri-lá, no Litoral Norte. Em três tentativas de assalto, entre 2013 e 2018, reagiu e matou um assaltante em cada. Elogiado pelos conhecidos, Schirmer pratica tiro há quatro décadas. Treina semanalmente em clubes de Porto Alegre e Osório.
— Há quem goste de praticar kitesurf, de andar de lancha. Gosto de atirar. Cada um, cada um.
É como dizem: gosto não se discute — diz o empresário.
Para Schirmer, o componente Jair Bolsonaro no aumento de praticantes se deu pela mudança de discurso introduzida pelo presidente. Abafada pelo Estatuto do Desarmamento, uma parcela de cidadãos passou a se sentir estimulada a atirar. Não por acaso, os atiradores costumam postar mensagens de apoio a Bolsonaro, usar camisetas com o seu rosto estampado e posar para fotos com as mãos em posição de arma.
— Os clubes de tiro apoiaram Bolsonaro em peso — reconhece Ivan Keller, presidente da Federação Gaúcha de Tiro Prático.
De sua loja em Tramandaí, o armeiro Diogo Hilário conta que a demanda por pistolas, revólveres e munição dobrou depois das eleições. Ele afirma que houve uma confusão: certas pessoas acharam que a compra de armas havia sido liberada.
— Bolsonaro fez uma propaganda de que o cidadão teria o direito à posse, criando a fantasia de que seria possível adquirir uma arma. Isso nunca foi proibido, mas a informação não chega às pessoas — analisa Hilário.
Para comprar uma arma, não é obrigatório ser sócio de um clube, nem treinar tiro. O interessado deve solicitar autorização de posse à Polícia Federal (PF) desde que cumpra os requisitos — ser maior de 25 anos, ter ocupação lícita e não ter sido condenado ou responder a inquérito criminal — e seja aprovado nos exames psicológico e prático.
No Estado, a posse de arma quadruplicou entre 2009 e 2018. No ano passado, 5,1 mil pessoas receberam a autorização para comprar uma arma e deixá-la guardada em casa. O registro vale por cinco anos. Já o porte, que permite ao cidadão carregar uma arma, é mais restrito.
Tratam-se de casos excepcionais mencionados no Estatuto do Desarmamento, de necessidade pela atividade profissional ou ameaça, e precisam ser justificados e analisados por um delegado da PF. Até 18 de dezembro, foram 1.185 novos portes no Rio Grande do Sul — 309 a mais do que em 2017, aumento de 35%.