À primeira vista, uma jovem de 21 anos desembarcando na rodoviária de Tramandaí parece ser mais uma das milhares de pessoas que viajam até o Litoral Norte para aproveitar o verão. Mas foi com uma garota com esse perfil, longe de despertar suspeitas, que a Polícia Civil gaúcha fez a maior apreensão de ecstasy da história do Rio Grande do Sul. Em 5 de janeiro deste ano, os investigadores encontraram com a jovem 10 mil comprimidos da droga, avaliados em R$ 1 milhão. Os entorpecentes, que vêm especialmente do Paraguai e da Europa, seriam vendidos em festas durante o veraneio.
O caso exemplifica duas situações que vêm sendo percebidas pelos investigadores: salto na apreensão das drogas sintéticas, que incluem ecstasy, LSD e lança-perfume, e perfil de traficantes distinto daquele que comercializa entorpecentes convencionais, como maconha, cocaína e crack.
O crescimento nas apreensões de sintéticas nos últimos seis anos impressiona: chega a 1.217%. Em 2013, a Polícia Civil recolheu 682 unidades de LSD e 3.042 de ecstasy, totalizando 3.724. Até novembro de 2018, foram apreendidos 39.642 comprimidos de ecstasy – 10 mil apenas neste caso em Tramandaí – e 9.414 pontos de LSD. São 49.056 unidades – e a tendência é de que o número aumente, já que o ano ainda não terminou. Outras drogas sintéticas, como o lança-perfume e entorpecentes menos populares, caso da NBomb e Michael Douglas, não são considerados na contagem.
As buscas por drogas sintéticas se intensificaram, conforme o diretor de investigações do Departamento de Investigações do Narcotráfico (Denarc), delegado Mario Souza, quando a polícia percebeu, em conversas interceptadas, menções a esse tipo de entorpecente. Além disso, pais passaram a procurar a delegacia relatando que os filhos estariam consumindo estas drogas. Em alguns casos, diziam que os jovens teriam passado mal. Os relatos preocuparam os policiais.
— É uma situação que se completa no sentido de que o aumento da apreensões tem como explicação o crescimento da circulação das drogas e a eficiência das ações nesse sentido — explica.
O consumidor de ecstasy e LSD pode ser usuário também de maconha e cocaína. Mas, salienta o delegado, os vendedores têm perfis distintos. As diferenças principais são o fato de o traficante dos entorpecentes sintéticos não ser ligado a facções criminosas, não ter antecedentes criminais e não andar armado – o que leva o consumidor a crer que seja menos perigoso. O comércio não ocorre em lugares fixos. Enquanto nas drogas convencionais há pontos de venda e grupos travam disputas pelo domínio dos locais, no caso das sintéticas, se dá de forma itinerante.
— Geralmente, os traficantes vão nas festas eletrônicas, independentemente da cidade. Esse seria o território deles, que não é fixo. O problema não é a rave, mas é lá que o traficante procura potenciais consumidores.
A organização das quadrilhas é diferente das facções criminosas e envolve menos pessoas. No geral, há um gerente, e distribuidores, que entregam os entorpecentes aos vendedores.
Traficantes usam mulheres para transportar drogas da Europa
Até chegar ao usuário, ecstasy e LDS percorrem um longo caminho. O trajeto pode começar em pequenos laboratórios no país, no Paraguai ou ainda na Europa. Dependendo da origem, muda a qualidade e o valor cobrado pelos entorpecentes.
Conforme o delegado Mario Souza, uma pequena parte dos sintéticos comercializados no Estado é produzida em laboratórios clandestinos no Rio Grande do Sul. Na semana passada, um desses locais foi descoberto em Viamão, na Região Metropolitana. Na ocasião, os policiais prenderam dois homens e recolheram 300 comprimidos de ecstasy, MDMA (princípio ativo do ecstasy), dois vidros de cetamina e LSD. O objetivo dos criminosos seria abastecer festas na região e no Litoral Norte. A Polícia Civil tem informações de que existem locais de produção de entorpecentes sintéticos também em Santa Catarina e São Paulo.
A maior quantidade dos entorpecentes sintéticos vendidos no Rio Grande do Sul vem do Paraguai. Neste caso, são trazidos por meio terrestre. Outra parte do ecstasy e LSD vem de mais longe: da Europa.
Conhecida como “droga da gringa” e considerada de altíssima qualidade, os entorpecentes europeus chegam ao país em voos. Geralmente, são transportados junto ao corpo de pessoas que não despertem suspeitas.
As mulheres são as preferidas para fazer o trabalho de “mula”– como é chamado quem traz os entorpecentes ao Brasil.
— Geralmente são mulheres. Pagam R$ 5 mil para ela transportar mil comprimidos de ecstasy, por exemplo — explica.
Risco de suicídio entre os perigos
Sob efeito das drogas sintéticas, o usuário sente euforia e tem sensação de intimidade com outras pessoas. Em alguns casos, pode ter alucinações. Coordenador do Ambulatório de Dependências Químicas do Hospital São Lucas, o psiquiatra Pedro Eugênio Ferreira explica que as substâncias agem sobre neurotransmissores do sistema nervoso central. É aí que está o risco: como elevam a pressão arterial, podem gerar complicações. Alguns usuários chegam a apresentar quadros de esquizofrenia a longo prazo.
Conforme o psiquiatra, há diferença nos efeitos causados pelo ecstasy e pelo LSD. A primeira droga, cujo princípio ativo é a metanfetamina, costuma deixar o usuário com sede, o que pode resultar em intoxicação por água.
O LSD faz com que o usuário perca a capacidade de avaliar situações de perigo. Com alucinações, pode acabar atirando-se de janelas, por exemplo.
— Outro motivo para considerarmos o LSD potencialmente perigoso: risco de desencadear surtos psicóticos com possíveis agressões físicas a terceiros — completa.
O consumo das drogas, combinado com outras substâncias, como o álcool, tende a potencializar os efeitos e os perigos.