Por Sérgio da Costa Franco
Historiador
Não é preciso ser muito idoso para ter conhecido uma Porto Alegre mais segura e menos medrosa, quando os jardins não tinham grades, nem portas e janelas eram gradeadas como celas de prisão. Posso dizer que fui testemunha desse processo de encarceramento da classe média e do pânico que tornou nossas ruas desertas à noite, apenas frequentadas as que têm bares abertos e movimento de automóveis. Vivi essa transição da liberdade e da segurança para o cativeiro e o medo generalizado.
Quando era funcionário de um banco, recebia às vezes a tarefa de conduzir numerário para as agências do Interior. Isso se fazia de ônibus ou de trem, às vezes de avião. Eram sempre dois funcionários encarregados, sem nenhuma proteção ou guarda especial, salvo às vezes um revólver, que eu nunca portei. Chamava-se um táxi da Praça da Alfândega, o motorista sabendo o conteúdo de nossa bagagem.
Certa vez, levávamos 20 milhões de cruzeiros para Santa Maria, viajando no trem noturno, a mala recheada mal escondida embaixo do assento. Eis que o trem ficou parado por três horas na Estação Diretor Pestana, por causa de um acidente sobre a linha. Ali ficamos à espera, revezando-nos na vigilância quando ia um ou outro ao sanitário ou ao vagão-restaurante. Mas nada nos aconteceu, até as 12 horas do dia seguinte, quando afinal chegamos ao destino.
Entre 1954 e 1957, morei num apartamento alugado na Avenida Pernambuco, esquina Ernesto Fontoura, no andar térreo, com várias janelas para a calçada da frente. Sem trancas e sem grades. E nunca sofri sequer tentativas de furto. Muito menos assalto, quando saía à noite, para alguma volta no bairro ou ida aos cinemas. Vivia-se em paz em Porto Alegre.
Deixei o banco, ingressei no Ministério Público e estive 12 anos no interior do Estado. Mesmo na minha atividade na promotoria de Justiça, nunca me defrontei com criminalidade violenta contra a propriedade. Tive fartura de brigas, lesões corporais e homicídios; o uso da arma de fogo era frequente, mas não para o hoje corriqueiro "assalto a mão armada". Meus réus brigavam por negócios mal feitos, por litígios de terra ou por passionalidade, mas não para arrancar o alheio mediante violência ou ameaça.
Ao voltar a Porto Alegre, vivi a década de 1970 ainda sem grades e sem temores. Caminhava-se de noite, mesmo nas ruas escuras, sem correr risco, salvo se se procurasse áreas conturbadas das periferias. Tanto que, em 1978, comprei casa e fui morar no bairro do Jardim Olímpico, onde os jardins não tinham altas grades, e a minha, sequer um murinho que a separasse do passeio. Assim ficou durante vários anos.
O alvitre que faço aos repórteres é de uma pesquisa às estatísticas policiais, para ver quando começou a engrossar a cifra dos crimes de roubo, mais uma investigação junto às serralherias para apurar quando iniciaram o seu ciclo de prosperidade. Pois, num sinistro momento, a cidade inteira comprou grades para as janelas, as portas e os muros.