O aumento no roubo de cargas está fazendo com que transportadoras ampliem ainda mais as medidas de segurança para evitar ataques. Passada a greve dos caminhoneiros, que durou dez dias no mês de maio, esse outro problema volta a atormentar o setor e chamar a atenção para os reflexos no bolso dos consumidores, já que os gastos com segurança no transporte refletem no preço dos produtos.
Paulo Roberto de Souza é coronel da reserva do Exército e atual assessor de segurança da Associação Nacional de Transporte de Carga e Logística, a NTC & Logística. Ele admite que o crescimento desses crimes vem preocupando ainda mais nos últimos anos.
— Esse roubo de cargas vem crescendo ao longo de 20 anos, mas de maneira mais acentuada, nos últimos quatro anos, particularmente nos estados de Rio e São Paulo. A maioria dos roubos acontece em áreas urbanas, quando os veículos saem de suas bases para abastecer os pontos de consumo da sociedade, nos shoppings, mercados — afirma o coronel.
A maioria dos roubos acontece em áreas urbanas, quando os veículos saem de suas bases
PAULO ROBERTO DE SOUZA - ASSESSOR DE SEGURANÇA DA NTC & LOGÍSTICA
Os veículos transportadores mais visados são os de menor porte, porque são os que podem circular nas áreas urbanas. Por terem menor volume de carga, os ataques se repetem com maior frequência. Esses são os chamados "roubos de oportunidades", que são 80% das ocorrências.
— Os demais ataques ocorrem nas rodovias, tanto no transporte intermunicipal, como no interestadual e no internacional. Aí muda o padrão. Você tem veículos grandes com quatro, cinco, seis eixos, grande capacidade de volume e alto valor agregado.
Os outros 20% se referem a roubos em rodovias, onde os veículos transportam mercadorias em maior quantidade e de maior valor agregado. Souza afirma que os receptadores é que fomentam os roubos de carga.
— Ele vai receber essa carga de maneira ilegal, pagar a esse agente criminoso e ele vai recolocar esse produto no mercado por ganância, com grandes lucros, não pagando imposto. Temos que combater fortemente a receptação — declara o coronel.
Gastos com segurança representam 14% do faturamento das transportadoras
Os transportadores vêm se cercando de alternativas para evitar o roubo de cargas, intensificando ações preventivas.
— Quando você vê as empresas investindo em rastreamento e escolta, por exemplo. É caro, mas é a maneira de evitar o pior. Em termos de tecnologia, de normas de segurança durante o percurso. Por exemplo, não circular à noite, não dar carona.
Souza lembra que esse custo é alto, chegando a 14% do faturamento das empresas, e é repassado ao consumidor final. Mas o assessor de segurança da NTC & Logística destaca que a responsabilidade maior para evitar os roubos cabe ao Estado.
— Nós não podemos investir em repressão. O que cobramos são ações em nível federal e nos estados, ações das polícias no sentido de combater o roubo.
O coronel destaca que em quase todos os estados houve vitória da categoria para criação de delegacias especializadas para investigar esses crimes, mas que essas estruturas não têm se mostrado suficientes.
Medidas adotadas no RS
O ex-comandante-geral da Brigada Militar, João Carlos Trindade, é consultor de segurança do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs). Avalia que, apesar de preocupante, o roubo de cargas no Estado se manteve estável neste ano, e explica quais são os motivos.
Desconfiança com a movimentação, desconfiança com alguém que liga de fora pedindo informação sobre determinadas cargas
EX-COMANDANTE-GERAL DA BRIGADA MILITAR E ATUAL CONSULTOR DE SEGURANÇA DO SETCERGS - JOÃO CARLOS TRINDADE
— Primeiro, pela eficiência das polícias. Segundo, a espetacular relação de confiança entre as instituições policiais e o mundo empresarial. Essa mesma confiança a gente não encontra em outros locais do país, onde é difícil sentar na mesma mesa representantes da iniciativa privada e das instituições policiais.
Para Trindade, as regiões mais visadas do Estado são entre as cidades de Porto Alegre e Novo Hamburgo e de Montenegro até Lajeado. O consultor faz um alerta aos transportadores.
— Desconfiança com a movimentação, desconfiança com alguém que liga de fora pedindo informação sobre determinadas cargas, desconfiança e antecipação com funcionários que eventualmente possam estar envolvidos. E, no caso das cargas grandes, as transportadoras contratam gerenciadoras de risco para fazer o acompanhamento — afirma Trindade.
Ação das polícias
Com postos distantes e o número de equipes longe do ideal, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) reconhece a dificuldade no trabalho para coibir estes crimes. Em alguns trechos de rodovias, são centenas de quilômetros de distância entre as unidades da instituição, o que facilita a ação dos assaltantes. De acordo com o inspetor Alessandro Castro, há também casos em que os caminhões são levados para estradas vicinais para fazer o transbordo da carga durante a noite, se tornando complicada a identificação e abordagem. Ele pede que as ações suspeitas sejam informadas para os postos da PRF.
Os motoristas que, por ventura, perceberem alguma atividade suspeita devem sempre entrar em contato com nossos postos ou pelo telefone 156
INSPETOR DA PRF - ALESSANDRO CASTRO
— Os motoristas que, por ventura, perceberem alguma atividade suspeita devem sempre entrar em contato com nossos postos ou pelo telefone 156. Quando isso acontece, conseguimos enviar equipes e fazer abordagens — declara Castro.
Depois de ocorrido o crime, cabe, na maioria dos casos, à Polícia Civil investigar. Conforme dados da instituição, as quadrilhas costumam agir em regiões diferentes, de acordo com o tipo de carga. Atualmente, a maior parte dos assaltos considerados de grande porte no Rio Grande do Sul ocorre na BR—386, no trecho entre Porto Alegre e Lajeado, no Vale do Taquari.
São quadrilhas que miram, principalmente, cargas de eletrônicos, como televisores e telefones celulares. Conforme o delegado Alexandre Fleck, da Delegacia de Roubo de Cargas do Departamento Estadual de Investigações Criminais da Polícia Civil gaúcha, os criminosos costumam utilizar carros potentes e armamento longo para abordar os motoristas.
— São quadrilhas com uma organização maior. Utilizam armamento pesado e equipamentos para bloquear os rastreadores. Eles costumam restringir a liberdade dos motoristas até concluir o transbordo dessas cargas. A gente tem notado que esse trecho da BR-386 tem sido onde as quadrilhas mais tem atuado — afirma Fleck.
São quadrilhas com uma organização maior. Utilizam armamento pesado e equipamentos para bloquear os rastreadores.
DELEGADO - ALEXANDRE FLECK
Em muitos casos, a polícia flagra produtos roubados sendo revendidos até mesmo pela internet. As investigações apontam ainda para a fronteira, onde cargas grandes que entram no Brasil têm sido atacadas em rodovias de São Borja, Rosário do Sul, São Gabriel, Uruguaiana e Itaqui.
Nesses casos, os produtos são os mais variados, desde alimentos até eletrodomésticos que, posteriormente, são vendidos dentro do Brasil. Conforme o delegado, também há um número grande de crimes cometidos na Região Metropolitana, em cargas de menor valor, que variam entre R$ 30 mil e R$ 60 mil e que abastecem mercados e pequenos estabelecimentos.
Sobre esses crimes, muitas vezes, não envolvem quadrilhas organizadas, mas sim criminosos que atuam em várias áreas. No ano passado, ao menos 170 pessoas envolvidas com este tipo de crime foram presas. Em 2018, de janeiro até maio, o número de criminosos que foram para a cadeia por roubo de cargas chega a 60 no Rio Grande do Sul. Só que sempre surgem novos integrantes e as investigações prosseguem com o objetivo de diminuir os crimes.
Os dados oficiais da Polícia Civil indicam que em 2017 foram registrados 434 roubos de cargas e 226 furtos, totalizando 660 ocorrências.
Confira os áudios das reportagens:
Matéria 1:
Matéria 2: