Peça rara forjada especialmente para as gravações do filme O Tempo e o Vento, um punhal de aço damasco foi recuperado pela Polícia Civil em Cruz Alta, no interior gaúcho, depois de quase cinco anos de sumiço. A arma, usada no filme pelo personagem Pedro Missioneiro, foi esculpida artesanalmente pelo cuteleiro de Porto Alegre Cassio Selaimen. Ele diz que a sua criação deveria ir a leilão após as filmagens, com a reversão do dinheiro arrecadado para a Santa Casa de Misericórdia, na capital do Rio Grande do Sul.
Isso não ocorreu porque o objeto foi furtado. Não se sabe se o crime ocorreu na cidade cenográfica Santa Fé, instalada à época no interior de Bagé, ou no set de filmagens no Rio de Janeiro. O tempo passou sem solução para o caso, mas, em abril deste ano, após receber uma informação de que o objeto estaria em Cruz Alta, Selaimen decidiu registrar boletim de ocorrência na cidade.
— A pessoa comprou no leilão recentemente, pagou R$ 1,9 mil. E agora estava tentando revender em grupos de colecionadores do WhatsApp. Printaram as telas e me avisaram. É uma peça que ficou famosa por ter sido furtada. Eu conheço a pessoa que estava com a peça, é de boa-fé. Eu avisei para que não vendesse porque iria se incomodar. E registrei o boletim de ocorrência — conta Selaimen, ortodontista que se dedica à cutelaria nas horas vagas.
Nesta sexta-feira (21) pela manhã, agentes da 1ª Delegacia de Polícia de Cruz Alta apreenderam a arma, que estava em posse de um morador da cidade gaúcha que havia adquirido o punhal em um leilão virtual promovido por uma casa do ramo do Rio.
O delegado Josuel Muniz diz que o comprador não agiu de má-fé. Ele não teria conhecimento, no ato do arremate, de que a peça havia sido utilizada nas gravações do filme e esculpida especialmente para esta finalidade.
— Não vejo como indiciá-lo. Estou certo de que não houve dolo. E não me parece que ele teve culpa porque comprou em uma casa de leilão famosa, tem a documentação da compra, tem nota fiscal — avalia Muniz.
A Polícia Civil apurou, junto a especialistas e colecionadores, que o punhal vale aproximadamente R$ 25 mil devido a fatores como originalidade, estética, qualidade, fator histórico e autoria, já que Selaimen é um dos cuteleiros mais conhecidos do país.
O delegado pretende finalizar o inquérito em 30 dias. Ele irá expedir carta precatória para que a Polícia Civil do Rio ouça o leiloeiro. A intenção é esclarecer como a peça chegou ao local e verificar se a casa tem responsabilidade no caso.
— Vamos tentar identificar o furto, onde e como ocorreu. E, se possível, quem foi o autor — explica Muniz.
Enquanto perdurarem as investigações, o punhal ficará no cofre da 1ª Delegacia de Polícia de Cruz Alta. O destino da raridade ainda está indefinido.
— Provavelmente vá a leilão para beneficiar a Santa Casa de Misericórdia, como era o plano inicial, ou volte para o Cassio Selaimen — diz o delegado.
O criador da relíquia traça planos semelhantes.
— Certamente essa peça vai ser devolvida para mim. Como estou sempre envolvido em leilões beneficentes, não vai faltar oportunidade para fazer uma festa e o leilão desse punhal para a Santa Casa de Porto Alegre — projeta Selaimen.
O filme e o punhal
Dirigido por Jayme Monjardim, o longa-metragem O Tempo e o Vento foi baseado na obra homônima do escritor Erico Verissimo. Gravado e lançado em 2013, trouxe no elenco Thiago Lacerda, Cleo Pires, Marjorie Estiano, José de Abreu e Fernanda Montenegro, entre outros.
O punhal esculpido pelo cuteleiro Cassio Selaimen foi utilizado pelo personagem Pedro Missioneiro, interpretado pelos atores Matheus Costa e Martín Rodriguez nas fases jovem e adulta, respectivamente. O objeto foi concebido para reproduzir as características de um punhal trazido pelos jesuítas da Europa. Selaimen foi responsável pela confecção da peça, com a forja da lâmina, o cabo, o desenho e a montagem. A prataria, que consiste nos enfeiteis de prata do punhal, são de autoria de Flávio Marson.
— No meio das gravações, a produtora do filme me ligou para dizer que o punhal tinha sumido. Eles tiveram que nos pedir uma réplica. É um processo demorado, conseguimos fazer outro muito similar em duas semanas. Eu até fiz com pequenas diferenças para que elas pudessem ser identificadas. Eu acreditava que a original iria aparecer em algum momento — recorda Selaimen.