A juíza da Vara de Execuções Criminais (VEC), Sonáli da Cruz Zluhan, pediu providências à corregedoria do Tribunal de Justiça (TJ) após relatar "falta de condições" para fiscalizar o Presídio Central, na última quarta-feira (21). Em um documento, a magistrada relata uma série de situações que impossibilitou a tarefa. Na ata da inspeção, ela cita uma indisposição com o diretor do presídio, tenente-coronel Marcelo Gayer, que tentou impedir a visita ao Centro de Triagem e montou uma escolta que nunca havia ocorrido:
"Tendo em vista a total falta de condições para prosseguir no trabalho de fiscalização (pois não cabe ao diretor da casa prisional fiscalizar a fiscalização feita por essa magistrada), com obstaculização por parte das autoridades da Cadeia Pública de Porto Alegre (inclusive com intimidações, tais como filmagem através de celulares, sem autorização)".
Entre os relatos da magistrada, está o acompanhamento de dois brigadianos que filmaram todo o deslocamento da equipe de fiscalização, o que, segundo ela, estava ocorrendo pela primeira vez. Além disso, diz que durante o atendimento, recebeu ordem de se afastar, pois os presos estavam gritando e batendo nas celas.
As inspeções são realizadas uma vez por semana pela juíza da Vara de Execuções Criminais.
O diretor do Presídio Central disse que cumpriu todos os pedidos feitos pela juíza, e que montou a escolta para garantir a segurança da magistrada durante a visita.
Sobre a filmagem, Gayer alega que não foi realizada como forma de intimidação, mas sim para registrar todos os fatos que ocorrem dentro do presídio. De acordo com o tenente-coronel, quem filmou a vistoria foi a equipe de inteligência, que realiza esse tipo de serviço diariamente.
Associação de Juízes critica
Em nota, a Associação Juízes para a Democracia (RS) repudiou as restrições denunciadas pela juíza da VEC.
"As restrições e dificuldades que a administração da Cadeia Pública de POA, através da atuação do tenente-coronel Gayer, têm tentado impor na atuação fiscalizatória do Poder Judiciário acerca das condições de encarceramento atentam contra a ordem jurídica e democrática, pois buscam obstaculizar ou, no mínimo, dificultar, o cumprimento de dever legal, o qual a Constituição Federal exige que se dê na defesa dos que estão sob a tutela do Estado, o que é sabido que não tem acontecido – mesmo que minimamente.
A atuação dos magistrados gaúchos com tal atribuição é, nesse – infeliz – momento de nossa história, elevada expressão de liberdade, coragem e comprometimento humano e judiciário – virtudes essenciais em momentos de ataques à democracia e aos setores sociais mais vulneráveis, do que os encarcerados são a melhor expressão.
Muito provavelmente alicerçado e protegido pelos anteriores atos do Secretário estadual de Segurança Pública, que evidenciou só respeitar a Segunda Instância do Poder Judiciário, o comportamento do tenente-coronel Gayer é expressão máxima do desrespeito ao Judiciário, à Constituição e ao Povo gaúcho, pois não apenas tenta impedir o pleno exercício de um dever do Estado, como dificulta que a sociedade gaúcha tenha conhecimento da real situação da Cadeia pública de POA, o que inclusive tem assento em decisão judicial, com vigência desde 2009.
O procedimento em voga evidencia, uma vez mais, a disposição do Poder Executivo Estadual de não cumprir ordens judiciais e de não observar o dever de transparência, atuando como se fosse proprietário das estruturas do Estado e assim pudesse atuar apenas e tão somente por suas preferências ideológicas, em completa desconsideração com a ordem jurídica e constitucional.
Quando grandes atos passam a ser reforçados por acontecimentos aparentemente menores tem-se a confirmação de que se está diante de um estado de exceção.
Por tudo isso, muito mais do que nossa solidariedade aos colegas envolvidos, emprestamos-lhes nossa força pessoal e judicante."