Regiões de Porto Alegre que viram a criminalidade explodir e beirar a barbárie em 2016 tiveram um ano menos violento em 2017. Levantamento da Editoria de Segurança dos jornais Zero Hora e Diário Gaúcho mostra que bairros como Bom Jesus, Vila Jardim, Jardim Carvalho, Santa Tereza, Lomba do Pinheiro, Rubem Berta e Mario Quintana tiveram quedas entre 10% e 71% no número de homicídios. A Restinga teve variação contrária, com alta de 40%.
As quedas mais expressivas ocorreram nos bairros que estiveram no centro da polarização da guerra do tráfico em 2016, quando a violência atingiu seus níveis mais altos. Naquele ano, foram 744 homicídios na Capital (53 a cada 100 mil habitantes), contra 629 de 2017. A queda de 15,45% é mais do que o dobro dos 7,5% estabelecidos como meta pelo Plano Nacional de Segurança Pública.
A redução começou em fevereiro do ano passado, após um janeiro extremamente violento. Com 95 homicídios — média superior a três por dia —, o primeiro mês de 2017 registrou o número mais alto desde o início do levantamento da Editoria de Segurança, em 2011. Neste mesmo mês, foi preso no Paraguai Jackson Peixoto Rodrigues, o Nego Jackson, apontado como principal responsável pela série de assassinatos, inclusive com decapitações e esquartejamentos, ocorridos em toda a Região Metropolitana em 2016.
Transferência de líderes impulsionou resultado
Nego Jackson, segundo a polícia, comanda aliança de quadrilhas que tem como base o bairro Vila Jardim, justamente onde foi registrada a maior queda no número de homicídios: de 34 em 2016 para 10 em 2017 (71%). Levado para a Penitenciária Federal de Catanduvas, no Paraná, o criminoso foi o primeiro líder de facção gaúcha a ser isolado no ano passado.
O segundo foi José Dalvani Nunes Rodrigues, o Minhoca, que estava na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) e foi levado, em março, para a Penitenciária Federal de Campo Grande (MS). Minhoca, segundo a polícia, estava por trás de boa parte das mortes no bairro Mario Quintana, um dos mais violentos da Capital. Nessa área, os homicídios tiveram queda mais tímida: de 40 para 36 (10%). Dando sequência às transferências, no final de julho, a Operação Pulso Firme, da Secretaria da Segurança Pública (SSP), encaminhou outros 27 líderes criminosos para prisões federais. Dois deles, por determinação da Justiça, retornaram em outubro.
— Foi importante por isolar lideranças que, de dentro das prisões, ordenavam homicídios. Talvez seja necessário transferirmos outros que ainda não foram para prisões federais — diz o diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil, delegado Paulo Rogério Grillo.
Ações em conjunto entre as polícias Civil e Militar também são apontadas como responsáveis pela queda no número de homicídios.
— De nossa parte, procuramos principalmente identificar e prender os responsáveis. Mas diante de uma ocorrência de homicídio, quando vimos que poderia ocorrer retaliação, acionamos a Brigada Militar, que impediu o revide — explica Grillo.
Comandante do 11º Batalhão de Polícia Militar (11º BPM), responsável pelo policiamento no bairro Vila Jardim, o major Douglas
Soares concorda. Com o aumento do efetivo nas áreas conflagradas, viaturas e brigadianos são posicionados estrategicamente em pontos por onde passavam grupos armados em carros para ataques em regiões inimigas:
Foi importante por isolar lideranças que, de dentro das prisões, ordenavam homicídios. Talvez seja necessário transferirmos outros que ainda não foram para prisões federais.
DELEGADO PAULO GRILLO
Diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa
— Toda a vez que ocorre um homicídio, aumentamos o efetivo na área do crime e na região de onde pode ter partido o ataque. Então, atuamos muito mais na prevenção do que na repressão,
pois a cidade mais segura não é aquela onde se prende mais, mas onde se impede que os crimes aconteçam.
Nas comunidades, medo ainda impõe silêncio
A percepção das autoridades não é compartilhada pelos moradores mesmo nos bairros onde as mortes reduziram. O medo, incluindo o de falar sobre o tema, segue imperando.
— Podem ter diminuído as mortes, mas os traficantes continuam andando por aí _ diz uma residente da Vila Jardim, pedindo para não ser identificada.
Também sob anonimato, um morador do bairro Bom Jesus tem outra visão sobre o cenário:
— Até podem ter reduzido os crimes aqui, mas, na verdade, a guerra se dissipou pela cidade.
Vizinho de bairro, outro homem, embora prefira ter o nome preservado, mostra tranquilidade:
— Aqui, agora, está bom. Parece que os crimes foram para Gravataí.
Exceção, Restinga teve alta de 41% nas mortes
Na contramão de outros bairros com altos índices de violência na Capital, a Restinga, na Zona Sul, teve alta de 41% nos homicídios. De 32 casos em 2016, passou para 45 no ano passado. Tanto para a Polícia Civil quanto para a Brigada Militar (BM), por trás do aumento está o número de quadrilhas ligadas ao tráfico de drogas no bairro.
A Restinga, nesse aspecto, é comparada pelos investigadores a uma "colcha de retalhos", devido à grande quantidade de grupos criminosos que disputam hegemonia.
Segundo o delegado Eibert Moreira Neto, titular da 4ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), responsável pela região, foram registrados menos inquéritos em 2017 na comparação com 2016, mas o número de vítimas foi maior.
— Tem a ver com o método empregado pelas quadrilhas, que chegam atirando em todos que estão na rua, no momento do ataque — explica o delegado.
O tenente-coronel Marcio Galdino, comandante do 21º Batalhão de Polícia Militar (21º BPM), que atende o bairro, afirma que os homicídios estiveram concentrados no meio do ano, quando teria ocorrido acirramento na disputa entre os grupos ligados ao tráfico de drogas.
— Houve um clímax da violência lá por junho. No mais, na maior parte dos meses, os números caíram e seguem em baixa. Estamos conseguindo isso por meio de diálogo com a comunidade — sustenta Galdino.