Um dia depois da visita guiada pelo secretário da Segurança Pública, Cezar Schirmer, à imprensa, nas instalações do Módulo 2 da Penitenciária de Canoas (Pecan 2), foi a juíza Patrícia Fraga Martins, titular da 2ª Vara de Execuções Criminais (VEC), responsável pela determinação de interdição das instalações, quem abriu os portões do local à reportagem de GaúchaZH.
Enquanto a magistrada explicava ponto a ponto as contrariedades em relação à penitenciária aberta às pressas no último dia 29 de outubro, como forma de desafogar as delegacias, ela era informada pela direção da casa prisional:
— Chegou um enfermeiro, doutora — dizia um dos funcionários da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe).
Pouco tempo depois, o mesmo servidor complementava:
— Nesta semana, vieram recolher as roupas para uma lavanderia terceirizada. Devem entregar no começo da semana que vem.
Positivamente surpresa, a juíza disse:
— A nossa intenção ao tomar a decisão judicial de interdição não foi prejudicar o Estado. Nós queremos que este complexo prisional funcione, mas do jeito certo. O nosso modelo tem que ser a Pecan 1, que é diferente de todo o atual sistema na Região Metropolitana — aponta Patrícia.
Atualmente, já são 295 presos na Pecan 2.
Entre os principais pontos da medida que poderá impedir a entrada de novos presos na Pecan 2 estavam justamente a ausência de lavanderia e de atendimento de saúde próprios às novas instalações. Ambos os serviços, até então, vinham sendo absorvidos pela estrutura da Pecan 1, que está no seu limite de 377 presos.
— Se um médico, que ainda não foi apresentado na Pecan 2, tem uma carga de trabalho determinada para a capacidade de presos de uma casa prisional com 377 presos, é claro que terá o trabalho prejudicado se tiver de atender ao dobro. A saúde prisional exige um trabalho preventivo diferenciado, e não temos visto isso, nem em projeto, até agora — aponta a juíza.
Alimentação precária
Conforme Patrícia Mendes, ainda é esperado que as melhorias informadas pela direção da penitenciária sejam apresentadas, com documentos, pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) como resposta ao despacho desta semana. Ela também espera que a Secretaria da Segurança Pública (SSP) apresente alternativas para o terceiro grave problema no atual funcionamento do Módulo 2: não há cozinha própria. A alimentação é dividida entre o que é feito na Pecan 1 (arroz e feijão) e no Presídio Central, de acordo com a juíza, com uma logística precária.
— De um lado, a cozinha da Pecan 1 é projetada para alimentar um número x de presos. Nós compreendemos o grave problema das delegacias e avaliamos o quanto aquela instalação poderia ajudar neste plano da Pecan 2, pois a produção de alimentos já está no dobro da capacidade. De outro lado, a alimentação que é feita no Central é trazida em viaturas da Susepe, em panelões, sem acondicionamento. Como vai ser no verão? E o risco de tensão aqui? Outro dia, o almoço chegou às 15 horas — critica a magistrada.
Em sua visita à Pecan 2, na quinta-feira (16), Schirmer desafiou a juíza:
— Tem algum problema? Qual? Se algum dia faltou alimentação, que dia? Se algum dia um preso ficou doente e não foi atendido, quando e quem? Não precisava interditar.
A interdição, determinada na última terça-feira (14), deu prazo de sete dias para que o governo desse início aos trabalhos de um técnico jurídico (advogado), um médico e um enfermeiro, e de 10 dias para a apresentação de projeto de cozinha/alimentação, lavanderia e ambulatório. Se cumprir, a capacidade da Pecan 2, limitada a 300 presos, poderá ser ampliada em 20 presos a cada 10 dias. O Módulo 2 tem capacidade para 800 presos em seis galerias. Já há detentos em quatro delas.
Nota da Ajuris
Ainda na quarta-feira (15), a Schirmer divulgou nota criticando a decisão judicial. Nesta sexta, a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), manifestou-se também em nota, defendendo a magistrada:
A Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS) se solidariza com a juíza da 2º Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre, Patrícia Fraga Martins, que, após a decisão de determinar a interdição parcial da Penitenciária Estadual de Canoas 2 (Pecan 2), em razão da ausência de condições estruturais para abrigar os apenados, tem sofrido uma série de ataques por parte daqueles cuja responsabilidade deveria ser a condução das políticas públicas carcerárias no Rio Grande do Sul.
A AJURIS há anos denuncia as péssimas condições do sistema prisional, alertando para os seus reflexos na segurança pública do Estado. Neste sentido reafirmamos, mais uma vez, a preocupação com a ocupação da Pecan 2, para que não se transforme em um novo Presídio Central, no qual a ingerência do Estado é mínima.
Entendemos que a questão penitenciária não pode ser resultado de uma política de improvisação e, neste sentido, conclamamos o Governo do Estado para que proporcione todas as condições – de pessoal e estruturais – para que ocorra a real ocupação dos módulos, em um formato que aposte na recuperação dos presos, conforme as determinações da Lei de Execução Penal.
Ressaltamos, ainda, que dentro das atribuições constitucionais, cabe ao Poder Judiciário o controle e a fiscalização dos presídios, o que tem sido feito de forma incansável por todos os magistrados que atuam na área. Assim como é dever do Poder Executivo a criação de política públicas para o sistema carcerário e para a segurança pública.
Por fim, destacamos que a AJURIS segue à disposição do Governo do Estado para dar continuidade ao debate sobre a criação do programa estadual penitenciário, proposto pela Associação e demais entidades do Fórum da Questão Penitenciária, para que Rio Grande do Sul desenvolva uma política integrada para enfrentar a gravidade da situação e possa ter projetos para obter as verbas federais oriundas do Fundo Penitenciário Nacional.
Gilberto Schäfer
Presidente da AJURIS