Episódio recente da relação entre criminosos urbanos e índios ocorreu em fevereiro, na reserva da Guarita, a maior do Estado, localizada no Noroeste e encravada entre três municípios – Redentora, Miraguaí e Tenente Portela. Dois assaltos simultâneos e violentos a duas agências bancárias em Miraguaí, com uso de reféns como escudo e queima de viatura policial, resultaram na fuga dos criminosos para dentro da área caingangue.
Quem passou pela única agência do Banrisul da cidade, no início da tarde de 6 de fevereiro deste ano, não esquece o que viu. Tudo começou com estouros, semelhantes aos de bombinhas juninas. Em seguida, dois carros que subiam uma ladeira estacionaram cantando pneus em frente ao banco – cada um dos veículos tinha um refém amarrado sobre o para-brisa.
– Os bandidos disparavam com fuzis e escopetas para o alto, estilo faroeste. Apavorante – recorda um segurança bancário entrevistado por GaúchaZH e que pediu para não ser identificado. O vigia também foi feito refém.
Os ladrões alinharam pessoas em um cordão humano como escudo contra possíveis represálias da polícia. Antes, arrebentaram a tiros a porta-giratória e as vidraças do banco. Alguns agarraram mulheres sob mira de armas, enquanto outros roubavam malotes de dentro da agência – era dia de pagamento. Os bandidos estavam mascarados.
Antes de chegar ao Banrisul, parte do grupo assaltou um Sicredi perto dali. Um dos guardas da agência foi amarrado em um veículo, enquanto um sargento da Brigada Militar (BM) era atado em outro. O policial teve arma, colete balístico e algemas levados. Os bandidos premeditaram tudo, tanto que fizeram furos na carroceria dos automóveis, roubados, para prender com cordas os capturados.
Parte da quadrilha fugiu com os reféns, libertados perto da reserva da Guarita. Outra parte pôs fogo em uma viatura da BM e destruiu os rádios do posto policial, retardando o socorro ao PM. Os valores exatos não foram revelados, mas há estimativa de que tenham roubado cerca de R$ 250 mil dos dois bancos.
Contatos comprovados em
rastreamento telefônico
A suspeita de que índios tivessem participado do assalto começou com a fuga dos bandidos para a aldeia caingangue. A partir de um helicóptero, foi possível avistar um Uno abandonado, que era de propriedade de uma pessoa ligada ao cacique Valdonês Joaquim.
O avanço da investigação descobriu nomes de envolvidos – índios e não-índios –, reuniu uma série de indícios contra eles e resultou na Operação Novo Cangaço, desencadeada em março. De lá para cá, foram presas 21 pessoas. A partir de rastreamento de celulares do cacique e do pai dele, Valdir Joaquim, os policiais constataram comunicação com bandidos na véspera e na hora dos assaltos. Testemunhas da própria aldeia reconheceram os ladrões como um grupo com o qual os líderes indígenas promoveram até churrascadas na área.
No início deste mês, buscas na reserva localizaram um acampamento dos assaltantes. Foram detidos quatro índios, entre os quais Valdonês – um está foragido.
A prisão do cacique surpreendeu porque é um líder popular. Elegeu-se vereador em Tenente Portela pelo PSD com 957 votos, em uma cidade com 10,6 mil eleitores. Recentemente, obteve do governo federal dinheiro para construção de três postos de saúde na terra caingangue, avaliados em R$ 680 mil, e doação de ambulâncias. O pai de Valdonês já esteve preso três vezes: por porte ilegal de armas, por venda de bens da União e por exploração ilegal de madeira.
A prisão dos dois caciques desagrada ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi), mas não surpreende. Coordenador da regional sul da entidade, o advogado e filósofo Roberto Liegbott diz que o envolvimento de índios em assaltos é uma anomalia decorrente da falta de controle comunitário nas aldeias:
– Sem essa vigilância social interna, as lideranças indígenas acabam influenciadas por gente alheia à tribo. E com maus objetivos.