O caos prisional, que tem transformado delegacias gaúchas em presídios improvisados, é o principal motivo apontado pela Ugeirm Sindicato — entidade que representa escrivães, inspetores e investigadores da Polícia Civil — para solicitar vistorias e a interdição de 12 prédios. Nesta segunda-feira, o sindicato começará a percorrer as prefeituras e sede dos bombeiros de nove cidades da Região Metropolitana e Carbonífera. O intuito é conseguir que os detentos sejam retirados das DPs e que as construções com problemas estruturais sejam reformadas.
O sindicato solicitará que sejam vistoriadas pelos bombeiros e vigilância sanitária quatro delegacias de Porto Alegre: 2ª e 3ª DPPAs, Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) e Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc).
Ainda pedirá que sejam verificadas as condições das DPPAs de Alvorada, Viamão, Gravataí e São Leopoldo, da Central de Polícia de Canoas, da Central de Polícia de Novo Hamburgo, e das DPs de São Jerônimo e de Charqueadas. Aos bombeiros, o sindicato pretende pedir que sejam verificadas as condições dos planos de prevenção e proteção contra incêndios (PPCIs).
— A questão não é só dos presos, mas das condições todas, de saídas de emergência, por exemplo — diz o presidente da Ugeirm, Isaac Ortiz.
Já com as prefeituras, a entidade espera, por meio das secretarias de saúde e unidades da vigilância sanitária, comprovar que as condições são de insalubridade, devido à permanência dos presos por tempo excessivo.
— As pessoas não têm onde tomar banho nem onde tomar água. Tem gente doente. É uma situação séria. Uma vergonha para nós. Se cometeu crime, tem de ir para a cadeia sim, mas a gente tem de ter um princípio mínimo de humanidade — critica.
Em São Leopoldo, na sexta-feira, havia 15 presos, quatro deles mantidos em viaturas. Com a chuva intensa da última semana, o prédio da DPPA alagou devido a problemas no escoamento do esgoto e de goteiras. Outra delegacia que o sindicato espera que seja vistoriada é a de Charqueadas, na Região Carbonífera, de onde três presos escaparam após abrir um buraco em uma cela, no fim do mês passado.
— Tenho certeza que todas as delegacias não passam pela vistoria. As DPs não têm as mínimas condições. Em Alvorada, por exemplo, os presos tomam banho na rua, do lado de um colégio. Tem alagamentos, tem goteiras também. As condições de higiene são terríveis. Os presos estão cumprindo pena nas delegacias. A gente espera uma resposta urgente das prefeituras e dos bombeiros — diz Ortiz.
Em Canoas, onde existe uma Central de Polícia, no último dia 4, a reportagem flagrou presos esperando vaga em presídios dormindo ao relento.
A assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança do Estado informou que só se manifestará sobre o assunto após ser notificada oficialmente sobre o teor da solicitação do sindicato. Procurado, o comando do Corpo de Bombeiros informou que se manifestará nesta segunda-feira assim que receber a solicitação da Ugeirm. A corporação ainda disse que, até o começo do feriado, 99 guias aguardavam para serem analisadas e vistoriadas pelo 1º Comando Regional (1° CRB), com sede em Porto Alegre.
"Situação pública e notória de ilegalidade"
Segundo o diretor do Departamento de Polícia Metropolitana, delegado Fábio Motta, atualmente há, pelo menos, 160 presos sendo mantidos em delegacias da Região Metropolitana. O policial reconhece que a situação é irregular.
— É uma situação pública e notória de ilegalidade que vem sendo mantida. As delegacias não têm a mínima estrutura para a manutenção dessas pessoas — afirma.
Em relação à questão da estrutura, no entanto, o delegado argumenta que na Região Metropolitana estão algumas das melhores delegacias do Estado, como a Central de Polícia de Canoas, inaugurada em 2012, e a Central de Polícia de Novo Hamburgo.
Canoas, no entanto, concentra atualmente o maior número de presos, com 64 nas celas e no pátio. No início da última semana, o número de suspeitos de crime no local chegou a 85. A capacidade da delegacia é de 20 presos.
— Tem presídio pequeno, no Interior, que não tem esse número de preso, ainda mais sem estrutura nenhuma de alimentação, higiene, ou dormitório. Não existe nada disso.
O que mais preocupa são as vidas lá dentro. Os policiais não são treinados para isso e são condicionados a uma situação dessas. Isso coloca vidas em risco.
Ricardo Breier
Presidente da OAB-RS
Em Canoas, há um preso que está no local há 60 dias. Em Gravataí, segundo o delegado, o problema também não é estrutural. No entanto, na sexta-feira, 29 detentos estavam sendo mantidos no local — 28 deles dentro de viaturas que ficam em frente à DP. Conforme Motta, o prédio de São Leopoldo deverá passar por reforma.
Ambiente de tensão para vítimas e policiais
Gritaria e tumulto por parte dos presos é uma situação que se tornou comum em frente às delegacias, como a DPPA de Gravataí. Um ambiente de tensão, que afeta inclusive as pessoas que foram alvos de crimes e buscam o atendimento da polícia.
— Não é o ambiente propício para que a vítima de um crime seja acolhida. Ela chega, se depara com esse ambiente e muitas vezes desiste de registrar — relata o delegado Fábio Motta.
Ainda conforme o policial, a situação se reflete na saúde dos policiais, que deixam o trabalho da investigação, para o qual foram treinados, para exercerem a função de carcereiros, em um ambiente sem estrutura.
— Mesmo que o policial tivesse preparação para essa função, é difícil tu cuidar de preso em um ambiente inadequado. O pessoal está adoecendo, por conta do estresse. Tomando medicamentos para dormir.
A interdição do Instituto Penal Padre Pio Buck, por conta de decisão judicial na quarta-feira, poderá impactar na situação das delegacias. A decisão determinou que os presos sejam transferidos do local. Caso não sejam abertas novas vagas, os presos que antes eram encaminhados para o albergue deverão permanecer nas delegacias.
— Queremos que os presos sejam transferidos, buscamos melhores condições para os policiais e para a população. A justiça interditou o Pio Buck e o prédio tem melhores condições do que todas essas delegacias — critica Ortiz.
PRESOS EM DELEGACIAS NESTE DOMINGO:
Porto Alegre — 14 presos em DPPAs
Canoas — 58
Gravataí — 23
Viamão — 20
Novo Hamburgo — 18
Cachoeirinha — 13
Alvorada — 10
São Leopoldo — 10
TOTAL = 166
Fonte: Departamento de Polícia Metropolitana.
"Daqui a pouco as DPs serão comandadas por facções", alerta presidente da OAB
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio Grande do Sul, Ricardo Breier, afirma que a entidade acompanha com preocupação desde o ano passado a manutenção de presos em delegacias. Conforme o advogado, a OAB-RS oficiou o governo estadual cinco vezes sobre o perigo da medida, que ele considera como "retrocesso". Para o advogado, o risco maior é para as pessoas que procuram a delegacia para registrar ocorrências e para os servidores.
— O que mais preocupa são as vidas lá dentro. Os policiais não são treinados para isso e são condicionados a uma situação dessas. Isso coloca vidas em risco. Se algo acontecer com o cidadão ou com o policial o governo será o responsável.
Breier critica ainda o fato de a Brigada Militar e de viaturas permanecerem nas delegacias, na custódia de presos, enquanto poderiam estar na rua no policiamento. O advogado ressalta que a integridade do preso também fica comprometida nessa situação. Ele critica o fato de que nesses locais não é possível separar suspeitos de crime de menor periculosidade com outros ligados a facções. Conforme o advogado, presos em flagrante só poderiam permanecer na delegacia por 24 horas.
— Há uma ilegalidade geral. Os presídios estão sendo comandados pelas facções. Daqui a pouco as delegacias serão comandadas pelas facções e vamos ter episódios, como no Rio e em São Paulo, de resgates de presos. As facções estão muito organizadas e violentas. Basta ver as execuções.
O advogado relata que analisou todos os projetos de campanha dos governadores, desde o início dos anos 90, para verificar quais os planos relacionados à área da segurança, e critica a falta de medidas eficazes para a criação de vagas em presídios.
— Todos os programas já alertavam que era necessário investimento sobre a pena de colapso. Isso serve para a campanha, mas na hora da execução, não se faz. O caos que chegamos aqui é pela absoluta incompetência dos governantes. O Estado nunca teve uma política séria no sistema prisional. Nada foi feito. Agora quem está pagando, é o cidadão.