Abraçada ao pai, uma menina de quatro anos tentava sobreviver ao tiro que lhe atingiu o pescoço no fim da tarde do dia 20 de outubro de 2016. Seu pai, o empresário Marcelo Oliveira Dias, 44 anos, não sabia de onde partiam os disparos e nem quem havia conspirado contra ele, no estacionamento do Zaffari da Avenida Cavalhada, em Porto Alegre. Nem poderia. A ordem foi dada de dentro do Presídio Central. Também da cadeia foi sentenciada a execução de Orides Telles da Silveira, 47 anos.
Seu corpo foi encontrado aos pedaços, envolto em sacolas plásticas, às margens da BR-386, em Canoas, em 6 de maio de 2017. Desmandos dos presos, como estes, poderiam ser evitados com o bloqueio do sinal de celular, medida já utilizada por Estados como São Paulo, Minas Gerais, Acre e Rio Grande do Norte. O sistema impede a comunicação por telefone dos detentos com a rua e, por consequência, com a organização criminosa, enfraquecendo-a.
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_ Se os celulares forem bloqueados, as gangues ficam sem cabeça. A estrutura interna é prejudicada. É como se tirasse o oxigênio delas _ resume o colombiano Juan Mario Fandino Marino, doutor em sociologia pela Universidade de Wisconsin (EUA), professor e pesquisador aposentado da UFRGS.
Os bloqueadores emitem ruído eletrônico mais forte do que o das operadoras (leia gráfico ao lado), formando uma espécie de camada protetora na casa prisional e deixando os telefones dos presos sem serviço.
Em julho, o Ministério da Justiça destinou à implantação de bloqueadores no RS verba de R$ 10.968.653,89. Testes estão sendo feitos, mas conforme o diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), Ângelo Carneiro, os projetos até agora não atenderam os requisitos impostos pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), como não interferir na comunicação no entorno. O Central, por exemplo, está localizado em um bairro na zona leste da Capital, com casas construídas a menos de 10 metros do muro.
— Nos apresentam soluções magníficas, mas quando chega na prova de conceito (teste) aparecem as falhas. Muitas empresas não conseguem neutralizar pontualmente aquela penitenciária, deixando a interferência chegar em áreas externas. Ou eliminam uma operadora, mas outras continuam pegando. Acontece, ainda, de o sinal ficar mais forte e, de repente, se sobrepor ao ruído — diz Carneiro, garantindo que mais de 10 empresas foram consultadas apenas neste ano.
Conforme o engenheiro de radiofrequência Antônio Neger, que presta consultoria para 30 casas prisionais do país, essas dificuldades são superadas com planejamento e implantação corretas do sistema.
É imprescindível que o ruído eletrônico seja mais forte em todas as cerca de 60 subfaixas de frequência das operadoras e que os emissores sejam posicionados com ângulos e potências apropriados.
— O que acontece é que a técnica utilizada por algumas empresas não é a mais adequada. A questão não está no equipamento, mas no planejamento do projeto, disposição das antenas e potência do ruído. Hoje em dia, a gente consegue ter um nível de precisão extremamente alto. Dá para bloquear em todo o presídio e deixar a sala do diretor recebendo sinal de telefone, por exemplo — explica Neger.
Especialista em tecnologia de segurança pública e guerra eletrônica, Renato Werner Victor de Queiroz complemeta:
— Temos no Brasil soluções nacionais de bloqueio que estão maduras e funcionando muito bem. No complexo prisional de Rio Branco, no Acre, o sinal está totalmente bloqueado e, na vizinhança, o celular funciona normalmente.
"É difícil, mas não é impossível", diz engenheiro de telecomunicações
Por diferentes motivos, as operadoras aumentam a potência do sinal de comunicação, mudam a frequência ou passam a utilizar novas tecnologias para contornar problemas de cobertura e melhorar o serviço. Essas correções fazem com que os bloqueadores precisem ser ajustados constantemente. Há, inclusive, uma resolução da Anatel que obriga as prestadoras de serviços de radiocomunicações a informarem, com antecedência, alterações de potência, implantação de novas estações, mudança de localização ou desativação de antenas que modifiquem os níveis de sinal presentes nas áreas de bloqueio, mas isso nem sempre acontece.
O engenheiro de telecomunicações Rodrigo Matos, gerente de soluções de uma empresa catarinense especializada em segurança prisional, sugere que a prestadora do serviço de bloqueio mantenha contato com as operadoras e com a Anatel para antecipar esses ajustes. Matos reconhece, ainda, a dificuldade de implantação dos bloqueadores em presídios como o Central, rodeado por residências.
— É preciso fazer um projeto específico, bem pensado e executado para que o sinal não afete as casas mais próximas e nem deixe buracos de cobertura no presídio. É difícil, mas não é impossível. A cada nova tecnologia que surgir, tem que atualizar os bloqueadores para não ficarem obsoletos — pontuou Matos.
Em nota, o Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal informa que o "usuário do BSR (bloqueadores de sinais de radiocomunicações) deve manter contato prévio com as prestadoras da região" e que, "assim como prevê a resolução, as prestadoras estão à disposição" para informar qualquer tipo de alterações.