Passava das 3h deste domingo (17) quando João Paulo Silva da Rosa, 53 anos, foi acordado para uma emergência. Amigos da vizinhança, no bairro Mario Quintana, na zona norte de Porto Alegre, o avisavam que o filho, Charles André Rosa da Rosa, 27 anos, havia sido morto em um tiroteio com a Brigada Militar na Rua Osvaldo França Júnior, a poucas quadras de casa. O que encontrou no local impressionou o pai. O filho tinha marcas de tiros no rosto, caído a poucos metros de um Uno vermelho, onde estavam outros dois jovens mortos — Michael Leonardo de Oliveira, 24 anos, e Cleisson Luís Silva da Silva, 18 anos. Os três, conforme a BM, eram suspeitos de atirar contra uma viatura da corporação, crivada com pelo menos cinco disparos, em uma perseguição iniciada na Avenida Protásio Alves, por volta das 2h30min. Nenhum policial ficou ferido.
— Eu não entendo como pode, em uma perseguição, com o meu filho já entregue e correndo, ele ser baleado no rosto. Isso não é normal, e não acho que esteja certo. Se eles eram suspeitos, por que não foram abordados? Se já tinham parado e se entregado, por que não prenderam eles? Meu filho foi executado — desabafa o pai, que mantinha com Charles uma loja de venda de peças para máquinas de lavar roupas no próprio bairro.
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De acordo com o comandante do 20º Batalhão da Brigada Militar (BPM), major Glademir Barbosa Otero, a ação dos policiais militares foi reação aos disparos feitos contra eles. Segundo a BM, a perseguição só teve início porque os ocupantes do Uno não teriam parado quando foram abordados pelos PMs.
— O fato de o suspeito ter marcas de tiros no rosto pode ser consequência da arma usada pelos policiais. É uma espingarda calibre 12, que dispara balins para diversos lados. Pode ter atingido o rosto dele, mas isso só a perícia poderá dizer. Vamos apurar esse caso como sempre fazemos. Não compactuaríamos com uma ação, de tiros por parte dos policiais, que não fosse em defesa deles e de outras pessoas. E a situação em que a nossa viatura ficou, justifica — explica o comandante.
Os policiais militares apresentaram ao Departamento de Homicídios uma pistola 9mm e um revólver calibre 32, que, segundo eles, estavam com os três homens dentro do carro. A 5ª Delegacia de Homicídios de Porto Alegre (DHPP) investiga o crime. Foram solicitados exames residuográficos nos três mortos, para verificar se, de fato, eles fizeram algum disparo. Um inquérito policial militar (IPM) também será aberto no 20º BPM. As três pistolas .40 e a espingarda calibre 12 usadas pelos três policiais envolvidos na ocorrência também foram apreendidas.
Os investigadores confirmam que um dos mortos tinha disparos no rosto. Ele teria corrido do veículo quando pararam. As outras duas vítimas estavam dentro do carro. Peritos constataram que, além de tiros pela lateral do Uno vermelho, havia disparos no para-brisas. Depois de percorrer parte da Avenida Protásio Alves e a Avenida Delegado Ely Correa Prado, o motorista do carro até então sob suspeita teria ingressado na rua Osvaldo França Júnior, mas perdeu o controle do carro e acabou batendo no muro de uma casa.
— Eles já estavam disparando contra os policiais — argumenta o comandante do 20º BPM.
"Não estavam armados", diz mãe
Charles da Rosa não tinha qualquer antecedente criminal. Ele era um dos passageiros do carro de Michael Leonardo, que era usado há oito meses para trabalhar em um aplicativo. Na madrugada deste domingo, porém, o motorista não estava trabalhando. Segundo familiares, os três amigos haviam saído para uma "social" (festa a céu aberto) próxima de casa. Antes, porém, teriam parado em frente a uma casa de festas na Avenida Protásio Alves. Naquela região, alegam os policiais militares, teria acontecido a tentativa de abordagem pela suspeita em relação ao veículo, que não tinha qualquer irregularidade.
— Ele saíram da minha casa pouco tempo antes, e ninguém estava armado. Não sei de onde apareceram essas armas — diz Sônia Regina Silva da Silva, mãe de Cleisson.
O filho dela estava no banco traseiro do carro. Quando adolescente, Cleisson chegou a ser internado na Fase por envolvimento em homicídio e tráfico de drogas. Já Michael Leonardo foi encontrado morto no banco do motorista, provavelmente baleado pela frente. Ele tinha passagem policial por tráfico de drogas.
Os PMs envolvidos na ocorrência prestaram depoimento no Departamento de Homicídios e foram liberados.
Ataque a ônibus
Horas depois, na Estrada Martim Félix Berta, um ônibus foi incendiado no episódio que a Brigada Militar avalia como uma represália pelas mortes de suspeitos. Segundo a BM, três homens em um carro escuro teriam parado o ônibus da linha 491 Passo do Dorneles/Safira e mandado os passageiros descerem antes de atear fogo ao veículo.
Desde as 4h o policiamento está reforçado na região.