Um crime vem tirando o sossego de empreendedores e provocando pânico em operários da construção civil na Região Metropolitana de Porto Alegre. Em um ano e meio, ocorreram 14 ataques a canteiros de obras: média de um a cada 40 dias. Os roubos são investigados pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
O Sindicato das Indústrias da Construção Civil (Sinduscon-RS), que lidera uma mobilização do setor para barrar os ataques, estima que o prejuízo já ultrapasse R$ 2 milhões. Um levantamento da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), divulgado esta semana, mostra que em 2016, três em cada dez empresas gaúchas sofreram com a violência – em 34% delas, os alvos foram os canteiros de obras. Mas o problema é bem maior que o financeiro.
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Na semana passada, criminosos renderam o vigia de uma obra em plena Rua Lima e Silva, na Cidade Baixa. Como havia acontecido em ataques anteriores, o alvo foi específico: cabos de cobre e ferramentas que serviriam à obra. Há casos de violência extrema.
Em um dos ataques, na Avenida Nilo Peçanha, no bairro Petrópolis, por exemplo, um funcionário foi torturado com uma máquina de choque, e outro acabou agredido ao tentar proteger uma colega. Na véspera, um grande carregamento de cabos havia desembarcado na obra.
– O risco a todos que estão no canteiro de obras é real, porque os assaltos são cada vez mais complexos e violentos. Estamos recorrendo a algumas medidas de segurança maiores, mas não nos dão garantia nenhuma. Em alguns casos, até podem aumentar o risco, mas é a única forma de não perdermos funcionários e atendermos a uma demanda deles, que é justa – estima o diretor técnico da Melnick Even, Rubem Piccoli.
A construtora tenta evitar a chegada de grandes carregamentos nos canteiros de obras. Os cabos passaram a ficar na prestadora de serviços que faz a instalação. Não adiantou: duas empresas do setor também foram alvo dos bandidos. Nem obras de hospitais passaram incólumes pela quadrilha. Os canteiros do Hospital de Clínicas e do Moinhos de Vento foram atacados.
– As estratégias vão mudando. Coisas como combinar a entrega dos cabos somente na hora, reforçar a segurança no momento da entrega, estamos tentando de tudo – diz o diretor de engenharia da Cyrela, Gustavo Navarro.
Hoje em dia, além das planilhas de obras, ele coleciona uma de ocorrências policiais. Foram três grandes ataques no último ano. No roubo da semana passada, usando um caminhão de frete contratado, os criminosos teriam aguardado por cerca de uma hora em frente à obra, enquanto os operários concluíam uma concretagem. Ao encerrar o serviço, pelo menos oito assaltantes entraram em ação. Depois de render o vigia, surpreenderam 30 funcionários que se preparavam para sair no final do expediente. As pessoas foram trancadas em duas salas e algumas delas, mantidas sob a mira de armas, usadas para carregar os cabos.
Depois de vestirem casacos e capacetes da construtora, como se também fossem operários, os criminosos manobraram o caminhão no qual chegaram até a obra. Durante duas horas os materiais foram carregados. Um prejuízo estimado em pelo menos R$ 60 mil.
– Quando as obras chegam ao período de iniciar as instalações elétricas, a situação tem ficado tensa. Muitas pessoas evitam trabalhar nesse período, ou exigem reforço na segurança. Temos muito medo de que algo pior aconteça – diz o diretor executivo da construtora Maiojama, Antônio Pedro Teixeira.
De van a caminhão-guindaste
Desde fevereiro de 2016, quando a polícia acredita ter acontecido o primeiro assalto feito por essa quadrilha, os crimes foram ficando mais ousados. No começo, como relata o diretor de produção da Nex Group, Leonardo Martins, o grupo de criminosos atacava usando uma van. Foi assim em um canteiro de obras em Canoas.
O ataque, ocorrido em um domingo, seguiu o mesmo modelo dos demais. Os criminosos usavam capacetes, como se fossem funcionários do canteiro de obras e renderam os vigias. A central de monitoramento foi acionada, mas quando a equipe chegou, um dos bandidos já estava com as roupas de vigia e relatou que não havia problemas. Assim como nos demais crimes, levaram os cabos e deixaram prejuízo de R$ 70 mil.
Nos roubos mais recentes, a quadrilha usava caminhões. E, em junho deste ano, no ataque às obras de um prédio na Avenida Carlos Gomes, no bairro Boa Vista, os bandidos tinham um caminhão-guindaste (conhecido como munck).
Conforme a construtora CFL, o prejuízo é estimado em R$ 1 milhão pelas 20 bobinas de cabos levadas. Neste caso, o roubo aconteceu durante a madrugada e, durante duas horas, os funcionários foram deixados presos em um contêiner. De acordo com a polícia, foi o caso com maior prejuízo estimado entre os casos investigados.
De acordo com a investigação da Delegacia de Furtos e Roubos de Cargas, do Deic, os crimes provavelmente são cometidos por uma mesma quadrilha composta por não menos do que dez integrantes. E têm um alvo bem determinado: o cobre.
– A estimativa é de que o quilo desse material revendido para a reciclagem e a volta para a indústria chegue a R$ 15. Um roubo de duas toneladas pode render até R$ 30 mil ao bando. É um produto com valor de mercado muito alto e de fácil revenda. Um dos focos da nossa apuração está, sem dúvida, nos receptadores – afirma o delegado Alexandre Fleck, que comanda as investigações.
A polícia trabalha para identificar os criminosos que, conforme a investigação, agem com informações prévias. Em praticamente todos os casos, eles roubaram equipamentos que guardavam o registro das câmeras de monitoramento. Conforme o delegado, o local geralmente é o primeiro invadido pelo bando.
Algumas construtoras já apelaram para o uso de seguranças armados, além da melhoria dos sistemas de monitoramento.