Ao invés de festa, restaram as lágrimas na casa da família do azulejista Eduardo Fagundes Bessa, na Estrada Antonio Severino, zona norte de Porto Alegre, na manhã desta segunda-feira (28). Ele completaria 20 anos nesse dia 28 de agosto.
A poucas quadras dali, era a família do zelador Marco Della Favera, 43 anos, que tentava encontrar uma razão para o que os abateu dois dias atrás. Em Alvorada, no bairro Intersul, restou aos filhos do pedreiro Sílvio Kohls, 52 anos, juntar as coisas do pai no bar que servia como fonte de renda extra para ele e o genro, o marceneiro Dieison Silveira de Oliveira, 25 anos, nos finais de semana.
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A polícia ainda tenta quebrar o silêncio para esclarecer a sequência de duas chacinas entre a noite de sexta-feira (25), em Alvorada, e o começo da manhã de sábado (26), na zona norte da Capital. No primeiro crime, por volta das 20h30min, três homens foram mortos dentro de um bar – um deles segue sem identificação.
Já às 5h30min, cinco homens foram mortos e um ficou gravemente ferido. A polícia não descarta relação entre os casos em virtude da proximidade dos dois lugares – menos de cinco quilômetros – e das quadrilhas rivais que controlam o tráfico em cada um dos locais.
Até agora, no entanto, o diretor de investigações do Departamento de Homicídios de Porto Alegre, delegado Gabriel Bicca, assegura que não há nenhum elemento concreto que vincule os dois crimes. Em comum, as duas chacinas deixaram somente vítimas sem antecedentes criminais.
– Meu pai era um cara brincalhão, trabalhador e sempre se deu bem com todo mundo. O bar foi a forma que eles encontraram para sustentar melhor as famílias. Não consigo entender como fizeram isso com eles – desabafa uma das filhas, de 22 anos, de Sílvio Kohls.
Silvinho como ele era conhecido, trabalhava na construção civil durante toda a semana. Nas sextas, sábados e domingos, assumia o balcão do bar aberto por ele e pelo genro, que trabalhava em uma madeireira. Fazia menos de um ano que haviam criado o "Xis do Jason".
Na noite quente de sexta, pelo menos quatro criminosos entraram na Travessa Caçapava, no bairro Intersul, em um Gol prata. Armados com pistolas .40 e 9mm, espantaram a grande quantidade de pessoas que ainda estava na rua de chão batido. Algumas delas, inclusive crianças, buscaram refúgio justamente dentro do bar.
Pois os bandidos entraram lá, gritando que eram policiais, e foram direto ao balcão, onde Dieison, acompanhado da mulher, preparava um lanche. Ali, anunciaram um assalto. Mas o rapaz não teve nem tempo de entregar o celular. Foi atingido a tiros na cabeça.
Na sequência, os criminosos atingiram Silvinho, que atendia as mesas. Outro homem, ainda não identificado pela polícia, foi morto no local e uma criança ficou ferida por uma bala perdida de raspão. Sílvio deixou quatro filhos e dois netos. Já Dieison, deixou dois filhos.
A Delegacia de Homicídios de Alvorada apura o crime, ainda sem avanços quanto à autoria.
Uma das vítimas havia trocado de endereço
Era final da madrugada de sábado, e o calor persistia. Até aquele momento, Eduardo Bessa tomava cerveja, em casa, com a namorada e o irmão, com quem trabalhava na colocação de pisos. Resolveram caminhar até o bar "Quebra-Galho da noite", na Estrada Antônio Severino.
O plano era buscar cigarros e talvez tomar uma cerveja. Foram ficando. Quem insistia era o próprio azulejista, que queria jogar uma última partida de sinuca.
– Ele se criou aqui, era acostumado com a nossa realidade. Onde se pode passar um mês ou dois de calmaria, e nunca se sabe quando estouram outra guerra e matam inocentes. Ele sempre foi batalhador – desabafa uma vizinha que prefere não ser identificada.
Mesmo caminho seguiram Marco Della Favera e a namorada naquela madrugada. Fazia poucos meses que o zelador havia trocado o bairro Sarandi pelo Recanto do Sabiá, loteamento que fica próximo do bar.
– Ele foi tomar uma cervejinha, mesmo sabendo do perigo. Nós cansamos de avisar que aqui a pessoa tem que viver do trabalho para casa. Nunca se sabe quando vão te confundir ou pegar de graça achando que é bandido – diz um dos irmãos dele, de 42 anos.
No começo da manhã, pelo menos nove criminosos em três carros chegaram ao bar ainda cheio. Traziam um homem, identificado como Celírio de Oliveira, 41 anos, com antecedente por furto, morador a três quadras próximo do bar, amarrado e encapuzado. A suspeita da polícia é de que ele tenha indicado o estabelecimento, que fica na entrada do Loteamento Timbaúva.
– Eles entraram no bar e foram revistando a todos. Perguntavam se eram trabalhadores e liberavam alguns. Possivelmente procuravam por alguém específico, ainda estamos apurando se encontraram o alvo – afirma o delegado Gabriel Bicca.
Todas as mulheres foram poupadas, e alguns homens. Eduardo, Marco e Celírio foram executados. Além deles, o adolescente Adrian Lima de Fraga, 16 anos, e Diego Gabriel da Rosa, 18 anos, também sem antecedentes criminais foram executados a tiros de pistolas 9mm, .380, .40 e espingarda calibre 12.
Outro homem, de 46 anos, conhecido como assíduo frequentador do bar – e também sem antecedentes –, ficou gravemente ferido e, nesta segunda, seguia internado.
Todas as testemunhas ouvidas até agora pela polícia afirmam que os atiradores usavam toucas-ninja.
– Mataram um guri cheio de vida. Ele sonhava em ser pai e, aqui em casa, representava tudo. Ajudava a mãe sempre que precisava. Ainda não sei como vamos ficar – comenta uma das irmãs, de 16 anos, do azulejista.
Eduardo Bessa era o mais velho dos homens entre seis irmãos.
AS VÍTIMAS DE PORTO ALEGRE
1 – Eduardo Fagundes Bessa, 20 anos, sem antecedentes criminais
2 – Marco Della Favera, 43 anos, sem antecedentes criminais
3 – Adrian Lima de França, 16 anos, sem antecedentes criminais
4 – Diego Gabriel da Rosa, 18 anos, sem antecedentes criminais
5 – Celírio de Oliveira, 41 anos, com antecedente por furto
AS VÍTIMAS DE ALVORADA
1 – Dieison Silveira de Oliveira, 25 anos, natural de Charqueadas, mas morava em Alvorada. Casado, tinha um casal de filhos. Sem antecedentes
2 – Silvio Kohls, 52 anos, sem antecedentes
3 – Luciano de Alsina, 45 anos, com antecedentes por tráfico de drogas e posse de entorpecentes