– Aqui, quando saímos para trabalhar de manhã, é como se fosse uma pena no semiaberto. Quando voltamos, de noite, é regime fechado mesmo. Nem criança se vê mais na rua por medo dos tiros.
O desabafo é de uma empregada doméstica, de 61 anos, que há mais de três décadas mora em uma das casas simples da Vila Orfanotrófio II, na região da Cruzeiro, bairro Santa Tereza, na zona sul de Porto Alegre. Ali, no final da tarde de quinta-feira (10), quatro homens foram mortos e um preso durante uma ação do Pelotão de Operações Especiais (POE), do 1º Batalhão da Brigada Militar (BPM), em um das casas da vila. Conforme testemunhas e a apuração inicial do Departamento de Homicídios, o grupo recebeu os policiais militares a tiros.
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Os mortos foram identificados como Dionatha Bernardo Mendes Velho, o Leo Mendes, 18 anos, Eder Emiliano Prado Alves, 19 anos, que estava foragido, Adler Luis da Cruz Nunes, 17 anos, e Igor Costa, 18 anos. Com exceção de Igor, que não tinha antecedentes criminais, os demais tinham passagens por tráfico de drogas e porte ilegal de arma. Conforme a apuração da 6ª Delegacia de Homicídios de Porto Alegre (DHPP), eles faziam parte de uma facção criminosa que desde o começo de agosto teria controlado os pontos de tráfico naquelas vielas. A casa onde foram mortos havia sido invadida e ocupada apenas três dias antes.
Casa invadida
E o que ficou para trás, nos dois pisos da casa, foi um cenário desolador. Móveis, janelas e portas quebrados. Além do sangue e de cápsulas de pistolas espalhados pelos cômodos. Em meio a este cenário, a dona da casa, de 26 anos, que prefere não ser identificada, tentava recuperar, na manhã desta sexta, o que ainda era possível. Ela também foi uma vítima dos tiroteios e da violência crescente na vila.
– Não tem nenhuma condição de criar as minhas filhas aqui. A violência está demais e parece que não acaba nunca – desabafa.
Ela morava no local até semanas antes, com as duas filhas, de quatro e oito anos. Havia deixado a casa justamente por causa da violência. O imóvel vazio foi invadido por criminosos que haviam tomado a vila. Na véspera, a moradora havia tentado reaver a casa e os ocupantes teriam prometido negociar. Agora, ela só pensa em tirar dali o que é dela.
– Vou botar à venda. Não moro mais aqui – diz.
"Meteram bala" na polícia
De acordo com a delegada Elisa Souza, responsável pelo inquérito, os detalhes do confronto só serão esclarecidos ao longo da investigação. Informações preliminares, no entanto, dão conta de que um intenso tiroteio, com cerca de 10 minutos, acontecia na vila. Seriam traficantes ligados a uma facção criminosa e que, semanas atrás, foram expulsos dali pelos ocupantes. Tentavam retomar seus pontos.
– Chamaram a Brigada e eles entraram aqui no meio do tiroteio. Os caras "meteram bala" mesmo nos policiais – aponta uma moradora.
Primeiro, os policiais teriam prendido um dos supostos envolvidos no tiroteio. Ele estava com uma arma dirigindo uma moto. Depois, avançaram em direção à casa ocupada.
– O cenário que encontramos foi de confronto mesmo. Havia muitas cápsulas de pistola 9mm pelos cômodos – diz a delegada Elisa Souza.
Apenas um dos mortos não foi atingido por disparos no rosto. Nos próximos dias, os policiais militares envolvidos na ocorrência serão ouvidos pela Polícia Civil.